A partir do dia 22 de julho, o oficialismo teria dado início à "segunda fase" do seu plano econômico, buscando consolidar a desinflação e a queda da brecha que consideram vital para poder começar a construir um projeto de crescimento. Depois de uma fase um dedicada a eliminar o déficit fiscal financeiro (objetivo que foi superado com folga nos primeiros seis meses do ano), a fase dois procuraria fechar, segundo explica o próprio ministro Caputo, as duas restantes torneiras de emissão monetária: os juros que paga o BCRA pela sua dívida com entidades financeiras e a compra de moedas pela autoridade monetária no MULC (mercado oficial de câmbio). Nessa linha, a partir de segunda-feira, o BCRA teria eliminado do seu balanço a totalidade dos seus passivos remunerados com os bancos, trocando-os por um novo instrumento de dívida emitido pelo governo: as LEFIs (letras fiscais). A carga financeira desses títulos ficaria então a cargo do Tesouro Nacional, e passariam a ser o novo instrumento que o BCRA utilizaria para regular a liquidez do sistema financeiro: quando um banco precisar de fundos, o BCRA se compromete a recomprar esses títulos. Na prática, a diferença em relação ao esquema anterior é que essa recompra não seria financiada com emissão monetária, mas com a retirada de fundos de uma conta constituída pelo Tesouro.
Por outro lado, com o objetivo de eliminar a última fonte de emissão de dinheiro, o BCRA teria se comprometido a recomprar nos mercados paralelos de câmbio os pesos emitidos comprando reservas no MULC. Em outras palavras, parte das reservas adquiridas seriam utilizadas para intervir no MEP ou no CCL, a fim de manter estável a base monetária.
Todo o anunciado significa mudanças na implementação tanto da política monetária quanto da política cambial do governo, e pode ser difícil entender quão diferente resulta tudo isso em relação à política que já estava sendo implementada. A comunicação oficial não foi a melhor diante de um mercado que esperava ansioso por notícias de outro tipo, talvez relacionadas à flexibilização das restrições cambiais, e isso se refletiu em uma alta na volatilidade de títulos, ações e dólares financeiros. A perspectiva de um governo que agora busca congelar a quantidade de dinheiro de que a economia dispõe para fazer transações naturalmente desperta preocupações sobre a evolução dos níveis de atividade. Da mesma forma, muitos devem se perguntar como sairão do controle cambial se o BCRA renuncia a acumular reservas.
A primeira coisa que deve ser entendida é que, sob nenhum ponto de vista, o governo se comprometeu a manter constante a base monetária, ou a quantidade de dinheiro na economia. O objetivo que sim foi estabelecido é o de não permitir que a chamada base monetária ampla, que soma a base monetária tradicional e os passivos remunerados do BCRA, supere os 48 trilhões de pesos, embora seja lógico pensar que esse limite nominal estará sujeito a mudanças com o passar do tempo. Hoje, os passivos remunerados da autoridade monetária foram completamente eliminados, e a base monetária tradicional ascende a cerca de 21 trilhões de pesos. Se alguém assume que o governo justamente pretende manter em zero os passivos remunerados do banco central, a implicação é que o governo permitiria uma margem para que a base monetária aumente em 27 trilhões de pesos, ou seja, mais do que dobrar. Dessa forma, uma recuperação na demanda por dinheiro impulsionada por uma eventual melhora na confiança, uma maior demanda por crédito e uma recuperação nos níveis de atividade, poderia se desenvolver sem ser obstaculizada pela política monetária. No entanto, cabe a pergunta; se o governo teoricamente fechou as três torneiras de emissão monetária, por onde entrariam os pesos na economia?
A primeira alternativa é que, diante de um aumento na demanda por crédito, as instituições financeiras desmontem suas posições nas novas LEFIs, e destinem a liquidez resultante a investimentos no setor privado. E aqui é oportuno marcar uma falsa diferença entre a fase um e a fase dois deste programa; embora o governo tenha se empenhado em comunicar que os passivos remunerados do BCRA significavam uma contingência que necessariamente deveria ser eliminada, a realidade é que pouco mudou com a transição de passivos remunerados para letras fiscais. Até o dia 22 de julho, quando um banco desejava desmontar uma posição em passivos remunerados, o banco central os recomprava contra emissão monetária, e essa injeção de liquidez entrava no sistema financeiro. Simultaneamente, o tesouro nacional constantemente buscava retirar os pesos excedentes da economia através do superávit fiscal e do excesso de colocação de dívida soberana. Hoje, a única coisa que mudou é quem paga ao banco que deseja aumentar sua liquidez. Se os pesos frescos saem de um depósito do Tesouro no Banco Central ou se saem da "maquininha", o efeito de expansão monetária é o mesmo. A chave é, e tem sido desde que este governo assumiu, quanta pressão contrativa o Tesouro exercerá para garantir que, no final do dia, os pesos não sobrem nas ruas.
Por outro lado, também não é totalmente transparente o título "já não se emitirá para comprar reservas". Em primeiro lugar, embora o usual seja que o Banco Central seja o comprador de reservas no MULC, e que o Tesouro eventualmente compre reservas ao Central utilizando seus depósitos em pesos, também poderia o Tesouro pular o intermediário, e comprar diretamente reservas no mercado oficial. Dado que nem o Tesouro nem o BCRA pactuaram explicitamente que esterilizarão os pesos resultantes de uma operação desse tipo, essa seria outra via pela qual o Tesouro poderia aumentar a liquidez da economia, contra uma queda em seus depósitos. Além disso, basta ler o comunicado de imprensa do BCRA que explica as novas medidas para compreender que as intervenções do BCRA nos mercados paralelos estão sujeitas a um alto grau de discricionariedade: "tanto o ritmo quanto o montante total da esterilização (…) serão administrados pelo BCRA em função da evolução trimestral da liquidez".
Fica claro então que as mudanças na política cambial, embora significativas, não restringem indiscriminadamente a acumulação de reservas por parte do BCRA. Na medida em que a demanda por dinheiro se recupere e a economia exija um maior grau de liquidez, a autoridade monetária entenderá que uma intervenção não é necessária, e poderá continuar acumulando reservas em maior amplitude. No entanto, reserva-se o direito de utilizar essas reservas para esfriar os mercados paralelos quando considerar necessário. Em última análise, a diferença continuará sendo o termômetro da confiança no programa, se os pesos sobram ou faltam na economia. Alguns argumentarão que o controle cambial demorará mais para ser levantado se o BCRA sacrificar reservas nesse processo, mas é difícil imaginar que a autoridade monetária consiga acumulá-las se não conseguir estabilizar as expectativas do mercado.
Chame-se fase 1 ou fase 2, o núcleo do programa e seu funcionamento não mudaram. O governo precisa, acima de tudo, manter sua disciplina fiscal, e continuar utilizando essa ferramenta para garantir que o peso seja escasso, sujeito à expansão da liquidez que possa se originar no sistema financeiro. Na medida em que isso permita a estabilização das expectativas e a recuperação da demanda por dinheiro, o governo poderá gradualmente afrouxar o aperto sem gerar sobressaltos na diferença ou na inflação, acompanhando a recuperação do crédito e da atividade econômica. Da mesma forma, qualquer aumento na demanda de pesos que não seja atendido pelo governo ou pelos bancos deverá ser suprido com a venda de reservas ao banco central. Pelo contrário, se falhar no controle das expectativas, o repúdio pelo peso significará que uma maior esterilização por parte do Tesouro e do Banco Central será necessária. O custo será uma menor acumulação de reservas, e um prolongamento da recessão.
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