08/05/2025 - economia-e-financas

Algumas considerações sobre a "saída" do cepo

Por Facundo Mosovich García

Algumas considerações sobre a "saída" do cepo

Milei e sua equipe anunciam em cadeia nacional as novas medidas

As ‘‘novas fases’’ do plano econômico deste governo, por nunca serem anunciadas com a devida antecedência, parecem ser na verdade mudanças no plano econômico em geral que o governo realiza quando percebe que o esquema adotado é insustentável. Para não prejudicar sua reputação ou perder credibilidade, e sobretudo para poder surpreender os agentes econômicos nos momentos oportunos, as autoridades já haviam feito um movimento semelhante em julho do ano passado, quando anunciaram que começariam a vender dólares no MULC para absorver uma maior quantidade de pesos após observar que a inflação não estava caindo tão rapidamente como gostariam. 

Neste caso, por um lado, deveria haver pelo menos certa suspeita de que a ‘‘saída’’ do controle cambial pode ter sido uma admissão tácita de que o esquema cambial não poderia se sustentar para sempre e que a perda de reservas que dominou as manchetes dos jornais nos últimos meses não era uma questão excepcional, mas sim um forte sinal de esgotamento. Por outro lado, e conforme disse o presidente, pode ser que a liberação do controle cambial e a flutuação parcial sempre tenham estado na agenda, e que tenha sido apenas uma questão de sustentar o plano inicial até receber a quantidade de fundos necessária para implementá-las.

O governo, por mérito próprio, conseguiu obter empréstimos importantes do FMI, do BID, do Banco Mundial e outras instituições, salvando-se assim de uma potencial implosão que o teria prejudicado fortemente nas próximas eleições. No entanto, a mudança na política cambial — possibilitada por esses empréstimos, já que sem um aumento de reservas tão espetacular não seria possível sustentar a nova flutuação com bandas — responde, evidentemente, e embora o governo queira fazer passar como uma decisão própria e premeditada, à discussão econômica que dominou a cena nos últimos meses: a questão do ‘‘atraso cambial’’. Esta era uma das preocupações do FMI, junto ao qual foi desenhado o novo esquema cambial. A menos que o governo forneça uma explicação alternativa razoável sobre por que as perdas de reservas tão bruscas que foram observadas nos últimos meses não se deveram a uma inconsistência no valor do tipo de câmbio oficial, mas a certas circunstâncias excepcionais ou fatores sazonais, o bom senso indicaria que um tipo de câmbio oficial artificialmente baixo estava fomentando as importações e desincentivando as exportações, reduzindo assim as reservas em posse do BCRA.

Embora o debate sobre o ‘‘atraso cambial’’ mereça ser desenvolvido em maior profundidade, nesta ocasião convém realizar algumas precisões sobre a mudança na política econômica anunciada na sexta-feira, 11 de abril, a fim de compreender melhor qual é a direção que está tomando a economia argentina em matéria monetária e cambial.

Em primeiro lugar, é necessário esclarecer por que as novas medidas, apesar do que dizem as autoridades e os meios de comunicação, não são na verdade uma completa ‘‘saída’’ do controle cambial, e por que, se assim fosse, a Argentina já teria saído do controle cambial há meses. 

Deve-se começar definindo o conceito, e na Argentina o ‘‘controle cambial’’ é o nome atribuído a um conjunto de regulamentações à compra-venda oficial ou legal de divisas. Entre as mais conhecidas e importantes, encontram-se o limite à quantidade de reservas internacionais disponíveis para a compra por parte de uma pessoa física de seu banco comercial, ou os impedimentos na hora de transferir dividendos — a distribuição de lucros de uma sociedade entre seus proprietários/acionistas — para o exterior no caso de pessoas jurídicas — empresas. 

O controle cambial, ao limitar as quantidades de moeda local e internacional trocadas (de forma oficial), inevitavelmente tem efeito sobre o tipo de câmbio (oficial), mas não tem em princípio nada a ver com ele. Sobretudo, não se deve confundir com o estabelecimento por parte do governo ou Banco Central de um tipo de câmbio determinado, do qual abundam exemplos que não chamaríamos de ‘‘controles cambiais’’ — por exemplo, o padrão-ouro que operou até o início do século XX, o padrão de câmbio-ouro que o substituiu depois, ou a caixa de conversão que a Argentina teve durante os anos 90. No entanto, ao impor limites e proibições sobre a compra-venda de divisas, inevitavelmente se geram dois tipos de câmbio distintos: o oficial, no qual imperam essas restrições, e o paralelo, no qual não têm vigência.

Tendo definido o controle cambial da maneira como costuma ser compreendido, como conjunto de normativas que restringem a compra-venda de divisas, a eliminação do controle cambial só pode ser concretizada ao revogar a totalidade dessas normas, ou no máximo as mais importantes; caso contrário, só se estará falando de uma liberalização parcial. Como o comunicado do Banco Central da República Argentina deixa claro que para as pessoas jurídicas, várias das imposições que integram o controle cambial ainda permanecem de pé, não se pode afirmar que as mais recentes medidas de política econômica significam uma saída do controle cambial sem faltar parcialmente à verdade. É certo que uma das proibições mais palpáveis para a maioria da população foi eliminada, mas não todas elas. Se fosse apenas uma questão de revogar algumas das normas relacionadas, o governo teria anunciado a saída do controle cambial há tempo, já que havia estado liberando durante 2024, gradualmente, várias das restrições que o compunham — tanto é assim que Juan Carlos de Pablo havia dito: ‘‘a impressão que tenho [...] é que como continuam retirando restrições, um dia vão terminar de retirar o controle e ninguém vai perceber’’.

A segunda aclaração é que não é correto equiparar as bandas cambiais com controles de preços ou controles de câmbio.

As restrições sobre as pessoas jurídicas permanecem em pé porque, sendo obrigatório o trâmite pelo Banco Central para transferir dividendos pendentes de anos atrás e realizar outras operações, no caso de comprarem todos os dólares que precisam, causariam uma forte perda de reservas e levariam provavelmente o tipo de câmbio a um nível mais alto que o atual. Nesse sentido, é correto afirmar que o governo ainda exerce um controle sobre o mercado de câmbio, e isso é o mais próximo de um ‘‘controle de preços’’ que pode existir nesse âmbito.

No entanto, não pode se dizer o mesmo do esquema de bandas cambiais, por mais que à primeira vista pareça que foi imposto um preço máximo e mínimo sobre a moeda. Trata-se de um esquema de tipo de câmbio misto, ou seja, flutuante em certo sentido — seu valor flutua sempre que se encontre dentro das bandas determinadas — mas fixo ao mesmo tempo — não se permite que seu valor flutue além de certos limites estabelecidos. Embora intuitivamente muitos associem um tipo de câmbio flutuante a deixar que o valor da moeda seja determinado livremente pela oferta e demanda, e um tipo de câmbio fixo a uma intervenção da autoridade monetária no mercado mediante a pré-fixação do valor, na realidade ambos os esquemas são, a priori, igualmente ‘‘intervencionistas’’. 

Se o Estado fixa o tipo de câmbio, não pode controlar a quantidade de moeda emitida nem a quantidade de reservas em sua posse, já que ambas terão que responder automaticamente às compras e vendas de divisas de maneira que o tipo de câmbio estabelecido se mantenha estável. Mas da mesma forma, se se deixa o tipo de câmbio flutuar livremente, o governo tem controle direto sobre a emissão monetária e, por supuesto, torna-se um importante ator e influente determinador do preço no mercado de câmbio ao mover grandes volumes da moeda em questão.

De fato, os liberais costumam preferir a aplicação de um tipo de câmbio fixo sobre um flutuante quando se trata de moedas emitidas pelo Estado, uma vez que a moeda é um passivo — uma dívida — do Banco Central ou da autoridade monetária com os usuários — credores — dessa moeda, e sendo o cumprimento estrito dos contratos um pilar essencial na filosofia liberal, resulta inaceitável permitir que o emissor dessa dívida tenha a possibilidade de erosionar o valor da mesma e assim enganar seus clientes, o que o tipo de câmbio flexível permite e o tipo de câmbio fixo impede. Tudo isso é explicado muito claramente em um antigo artigo do economista liberal Juan Ramón Rallo.

O mero fato de que a moeda de uma economia seja emitida e controlada por um Banco Central ou um governo obriga o Estado, como ofertante dessa moeda, a determinar de uma ou outra maneira seu valor através da instauração do tipo de câmbio que suas autoridades considerem preferível. Nem mesmo com uma dolarização se consegue escapar desse cenário; apenas se troca um Estado emissor por outro. A única maneira de evitá-lo seria separar completamente o Estado da moeda, para o que faria falta eliminar o Banco Central ou a autoridade monetária e o curso forçado da moeda estatal, ao mesmo tempo que se permite a concorrência livre de moedas ofertadas por empresas, bancos ou atores privados — os quais também determinariam quanto ofertar de acordo com a demanda, como acontece com praticamente qualquer outro bem.

O que este plano de flutuação entre bandas permite ao governo é acumular reservas de maneira mais sustentável através de uma menor necessidade de intervir no mercado cambial. Novamente De Pablo: ‘‘O equilíbrio fiscal é a coluna vertebral, o resto da política econômica são subprodutos disso’’. Deixar flutuar é uma maneira que o Banco Central tem de se isolar um pouco do que ocorrer no tipo de câmbio. Claro, este é um luxo que se pode permitir agora que as reservas aumentaram como resultado dos diferentes empréstimos, e mesmo assim se reserva o direito de fazê-lo para evitar mudanças bruscas e instabilidade — vendendo dólares quando o valor toca a banda superior ou comprando na inferior.

Últimas aclarações são de índole precaucionária mais do que teórica. 

A saída parcial do controle cambial e a continuidade da estabilidade no tipo de câmbio são importantes vitórias do governo. São sinais que conferem maior veracidade às promessas do presidente e do ministro da economia de que a estabilidade econômica, o fomento à chegada de investimentos, e o caminho desinflacionário são realidades que chegaram para ficar. 

Agora, o governo não deve se acomodar nem cair na complacência. Toda a inflação que esta gestão está conseguindo evitar — embora continue sendo debatível se está fazendo isso de forma sustentável — ao manter um peso forte não deve ser menosprezada, mas o último dado mensal — 3,7% — serve como lembrança de que a inflação ainda é alta. Junto ao tipo de câmbio estabilizado, está contribuindo para uma apreciação da economia argentina que, além de afetar a exportação, não parece sustentável: exceto pelas desregulamentações e a desinflação que é virtualmente uma constante redução de impostos e distorções, não há muitas razões para acreditar que a produtividade da economia tenha aumentado. 

A abertura da economia ao comércio internacional ainda é tímida, as tentativas de flexibilizar o mercado de trabalho estancaram, o projeto de redução e simplificação tributária ainda não foi apresentado e muito menos legislado, e as oportunidades de carry trade por ter uma taxa de juros em pesos acima das taxas de depreciação e inflação somadas continuam impedindo a mudança da mentalidade financeira para a mentalidade produtiva nas empresas. Tudo isso não é necessariamente uma crítica, já que reformas de tal importância levam tempo, mas sim uma lista de razões pelas quais é difícil acreditar na narrativa oficial de que a apreciação da economia em dólares responde 100% a mudanças nos fatores reais.

Adicionalmente, e em linha com os frequentes avisos de De Pablo, o perigo de que a economia tenha evoluído de um cenário de “não há dinheiro” para um de ‘‘há um pouco de dinheiro’’ não deve ser subestimado, sobretudo em ano eleitoral. O presidente gerou credibilidade suficiente para convencer grande parte do país de que não mudará o rumo por pressões setoriais ou de campanha, mas estando a economia e a política fortemente relacionadas na Argentina, não é impossível visualizar um desvio doAs diretrizes anunciadas pelo plano continuam em vigor. Permanecem vigentes as incógnitas sobre se o governo busca dolarizar algum dia a economia de jure, seguindo o relatório Bausili-Caputo de 2023, ou avançar eventualmente para uma “competição de moedas” ou “dolarização endógena”, como alguma vez mencionou o presidente, e como planejam fazer isso. O que está claro é que este governo, ao contrário de quase todos os anteriores, está pensando em um projeto econômico a longo prazo para o país, e avança com paciência e segurança, o que não é uma notícia trivial.

Finalmente, a questão levantada no início deste artigo —em que medida a mudança na política econômica é uma concessão aos críticos sobre a existência do atraso cambial e a consequente inconsistência do plano de médio prazo— merece um artigo separado, dedicado exclusivamente à discussão. A evolução dos fatos, no entanto, às vezes oferece algumas pistas não triviais sobre a resposta, por isso é imperativo acompanhar em detalhe os acontecimentos nos próximos meses.

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