Há ano e meio que o governo resiste à abertura dos controlos cambiais. Apenas dois meses antes de fechar o acordo com o Fundo Monetário Internacional, o Presidente tinha condicionado o levantamento dos controlos numa entrevista à Bloomberg, declarando: "Sou libertário, não libertário", e estabelecendo três requisitos. Uma delas era que, se a inflação caísse para 1,5% ao mês, a taxa de desvalorização seria reduzida a zero. Finalmente, após meses de resistência, o cepo foi aberto.
Nessa entrevista, conduzida em Davos pelo editor-chefe da Bloomberg News, John Micklethwait, Javier Milei detalhou que a eliminação dos controlos aconteceria "de qualquer maneira", embora a velocidade dependesse do acesso ao financiamento em dólares. Além de uma inflação mais baixa, Milei mencionou como condições a convergência entre a base monetária observada e a expandida, e a captação de novos fundos, tanto do FMI como de fontes privadas. Ele também ressaltou que esses recursos não implicariam em aumento da dívida total, pois seriam utilizados para cancelar as obrigações do Tesouro em poder do Banco Central.
O acordo com o FMI e as suas consequências a médio prazo remetem para a última renegociação efectuada pelo governo de Alberto Fernández em 2021. Nessa ocasião, o acordo com a organização acabou por desencadear a demissão abrupta de Máximo Kirchner da presidência do bloco Frente de Todos no Congresso, por considerar que o acordo seria inflacionário e prejudicaria a Argentina a médio prazo, destruindo quaisquer possibilidades eleitorais.
Esta situação parece espelhar, quase como um espelho, o que aconteceu em 2021 e, por sua vez, em 2018 durante o governo de Mauricio Macri. Em ambos os episódios, os acordos assinados com o Fundo Monetário Internacional acabaram por ser acompanhados por um aumento sustentado da inflação e/ou um aprofundamento da recessão económica, gerando maior incerteza e deterioração das condições de vida da população.
As letras miúdas do acordo
A letra miudinha do acordo inclui medidas que, a médio prazo, podem ter efeitos recessivos, enquanto a curto prazo algumas são inflacionistas, o que representa um risco importante para um governo que procura ganhar força eleitoral em 2025. Neste contexto, o sucesso político dependerá da viabilidade e da sustentabilidade do plano económico.
A redução dos subsídios à energia, no âmbito do ajustamento estrutural, tem um impacto imediato nos custos de produção de bens e serviços. Ao aumentar as tarifas da eletricidade e do gás, as empresas que dependem destes factores de produção para funcionar enfrentam um aumento dos seus custos, que acabam por ser transferidos para o consumidor final. Isto leva a um aumento direto dos preços, provocando a inflação. As famílias também sofrem as consequências, uma vez que o aumento do custo dos serviços básicos reduz o seu poder de compra e aumenta as despesas das famílias, o que contribui para aumentar a pressão inflacionista. Embora a medida tenha como objetivo aliviar as finanças públicas, gera um ciclo em que o ajustamento fiscal, ao aumentar os custos e os preços, reforça a inflação e afecta ainda mais a população.
Por outro lado, a reforma do sistema previdenciário e a reforma da coparticipação federal são medidas que, embora busquem melhorar a sustentabilidade fiscal do país, têm grande impacto político. A reforma da previdência, que visa alinhar os benefícios previdenciários às contribuições feitas, é uma questão extremamente sensível do ponto de vista político. Como tem sido observado nos últimos anos, qualquer tentativa de modificar as pensões, seja para reduzir os benefícios ou modificar a fórmula de cálculo, gera forte resistência, principalmente porque os aposentados constituem uma base eleitoral crucial.
Isso ficou claro em 2017, quando o governo de Mauricio Macri tentou introduzir mudanças no sistema de pensões, o que provocou forte rejeição social e sindical, desencadeando protestos e conflitos em todo o país. O receio é que qualquer ajuste percebido como uma redução de direitos adquiridos aumente a tensão social e política, o que pode ter repercussões negativas nas eleições.
Por outro lado, a reforma da coparticipação federal, também incluída no acordo, afecta diretamente os recursos recebidos pelas províncias. O sistema de coparticipação é fundamental para o financiamento dos governos provinciais, pelo que qualquer tentativa de modificar a sua distribuição poderia gerar um forte conflito com os governadores. A alteração da comparticipação poderia ser entendida como uma tentativa de reduzir a autonomia financeira das províncias, o que poderia gerar mais fricção e enfraquecer as relações políticas em todo o país.
Por último, o acordo com o FMI estabelece igualmente o objetivo de manter o défice orçamental a zero e de avançar para um excedente primário sustentado, o que implica um ajustamento orçamental rigoroso. Para atingir este objetivo, é necessário limitar o aumento das despesas públicas, o que se traduz em cortes em domínios fundamentais como os subsídios aos serviços e o investimento em infra-estruturas. Embora o controlo do défice orçamental seja necessário para garantir a estabilidade económica a longo prazo, estas medidas têm um impacto recessivo a curto prazo. A restrição das despesas públicas pode reduzir a procura interna, afectando negativamente os sectores económicos que dependem do consumo público e dos programas sociais. Além disso, ao limitar a capacidade do governo para responder às necessidades urgentes da população, existe o risco de gerar tensões sociais, especialmente nos sectores mais vulneráveis, o que pode aumentar a instabilidade política e económica.
Riscos e desafios do plano económico antes das eleições de 2025
Esta combinação de medidas é explosiva para um governo que pretende concorrer às eleições de 2025. A combinação de ajustamentos orçamentais, reformas estruturais e a incerteza gerada pelo acordo com o FMI apresenta riscos significativos, tanto em termos económicos como políticos. Embora as reformas visem estabilizar as finanças do país, o seu impacto a curto prazo pode conduzir a um aumento da inflação, à recessão e a tensões sociais, afectando diretamente a perceção pública do governo. Além disso, as alterações em áreas tão sensíveis como as pensões e a distribuição de recursos entre as províncias poderão gerar uma forte rejeição, especialmente por parte de sectores-chave do eleitorado. Se estas medidas não forem tratadas com prudência, o governo poderá ter dificuldades em manter o apoio popular, o que complicaria a sua sustentabilidade eleitoral num cenário já de si difícil. O sucesso do plano económico dependerá da sua capacidade de equilibrar a necessidade de ajustamento orçamental com a gestão das consequências sociais e políticas, o que será crucial para manter o apoio eleitoral até às eleições de 2025.
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