03/06/2022 - economia-e-financas

Top Down vs. Bottom Up: 2 maneiras muito diferentes de selecionar uma ação

Por gustavo neffa

Top Down vs. Bottom Up: 2 maneiras muito diferentes de selecionar uma ação

Na avaliação de ações podem escolher dois caminhos de cima para baixo ou de baixo para cima. Proponho-lhes explorar nesta nota os benefícios para um investidor retalhista de considerar os benefícios do método denominado “top-down” para a análise de ações, contraposição ao método inverso, o “bottom-up”.

Cada um dos processos começa de uma maneira diferente, pelo que tem diferentes metodologias:

  • O processo de Avaliação do tipo TOP-DOWN Em primeiro lugar, os aspectos mais gerais, ou seja, o ambiente ou o quadro de investimento que parte dos aspectos macroeconómicos e conjunturais a nível mundial, analisam, em seguida, os aspectos macroeconómicos e financeiros a nível país, passando posteriormente pela análise da situação do sector da actividade económica em que se encontra. Termina na análise da empresa em particular, ou seja, os aspectos macroeconómicos, os seus rácios financeiros e de valorização.
  • Pelo contrário, o processo de avaliação do tipo BOTTOM-UP, parte dos aspectos mais específicos de uma assinatura, define-se, em primeiro lugar, a empresa que é selecionada isoladamente pelos seus principais e termina numa análise de aspectos mais gerais, mas que não incidirão sobre a decisão final, mas que serão os aspectos microeconómicos que prevalecerão. Só depois de passar esse importante filtro é analisado o setor a que pertence a empresa para conhecer as oportunidades e as ameaças. Depois se passa revista à economia nacional e à economia internacional, para saber se há alguma variável que possa influenciar nossa decisão.
A análise de acções através do método top-down proposto surge então de tomar em conta primeiro o quadro dos investimentos, ou seja, a conjuntura tanto económica países como financeira dos mercados. Sempre se deve ter presente a conjuntura pela qual atravessa a economia mundial. Numa economia cada vez mais global, os mercados accionistas são cada vez mais permeáveis ao comportamento de outras economias do que a doméstica. Por conjuntura de mercado, refiro-me às projecções de crescimento económico e à situação dos países ou dos grandes blocos de países para definir em que região ou país investir primeiro, as taxas de inflação e o nível de taxas de juro de referência dos bancos centrais e de mercado (rendimento das obrigações soberanas e spreads de risco), os níveis de risco medidos através de diferentes indicadores (índice VIX, Fear & Greed Index, Credit Default Swaps para conhecer o risco de incumprimento das obrigações emitidas por esse país e tantos outros). Os analistas também se apoiam nos indicadores económicos, tanto atrasados como adiantados para poder prever o movimento das demais variáveis.

Os níveis de taxas de juro internacionais são muito importantes, porque a suba de taxas de juro (como está a acontecer desde o início de 2022) provoca baixas nos preços das acções (e vice-versa) porque a taxa de desconto dos fluxos de fundos futuros aumenta e, consequentemente, diminui o valor presente dos mesmos, aspecto que se desloca para o mercado com uma baixa no preço dessa acção para arbitrar o novo cenário. Regra geral, faz sentido comprar ações quando as taxas de juros baixam: se for tomada uma taxa de desconto inferior, o valor presente aumentará. Além disso, os custos financeiros e as margens são uma área apreciável nas despesas de qualquer empresa, pelo que taxas de juro mais baixas implicam menores custos e aumentos do lucro líquido esperado, o que deveria impulsionar o preço da sua acção.

Os aspectos regionais também têm peso próprio na evolução das cotações, especialmente para as empresas muito dependentes da integração com países vizinhos. Este é o caso da evolução dos indicadores macroeconómicos dos outros países da União Económica Europeia para a Eurozona, ou para as empresas que comercializam numa união aduaneira, como é o caso da Argentina e do Brasil do Mercosul.

A importância dos aspectos macroeconómicos domésticos é, sem dúvida, maior do que se acredita: a conjuntura económica de um país influencia a microeconomia das suas empresas, bem como reflecte-se nela a situação das mesmas. A grande maioria delas através da Internet e em forma livre e gratuita.

Uma vez que sabemos em que país investir, ou seja, tomámos a decisão de, por exemplo, apostar no crescimento do Brasil como mercado emergente e como membro do grupo de países BRIC com bons fundamentals, definiremos em que setores desse país investir. Para isso, teremos de analisar a conjuntura dos mesmos, ou seja, em que sectores quero estrategicamente estar posicionado.

Para isso, é necessária uma análise aprofundada dos sectores, se regulamentados ou não, se beneficiam de uma taxa de câmbio mais competitiva ou não, se tiver riscos implícitos à sua actividade específica ou não, as suas margens de rentabilidade, se se trata de um sector cíclico ou não, e continuar constantemente a sua evolução (alteração em leis e regulamentos, alterações na tecnologia, etc.)

O último passo costuma ser definido como o “stock-picking”: é a análise e seleção das melhores assinaturas desse país e desse setor por seus fundamentals, ou seja, as características de risco e retorno específicas de uma empresa. A valorização dos analistas dos preços das empresas baseia-se em geral em métodos de desconto de fluxos financeiros. Aqui deve-se basicamente projetar os fluxos de caixa futuros, analisar o possível padrão de crescimento operacional, bem como a taxa de desconto empregada em função do ativo selecionado, que possui menor ou maior risco para o investidor. O fluxo de fundos esperado para um período definido de anos (tipicamente para os próximos 10 anos) deve ser projectado e, daí em mais baixo, avaliando esse fluxo de caixa sob a forma de uma perpetuidade, tendo em conta também as estimativas macro e sectoriais que já foram estudadas nos dois passos anteriores. Os valores estimados devem ser depois descontados à taxa apropriada para encontrar o valor intrínseco de um activo ou o seu valor justo, o valor que deveria ter. Se o preço de mercado difere deste último, é tomada uma decisão: de comprar (se for menor) ou vender o ativo (se for maior).

Uma vez que o analista tem um grau de conhecimento do ambiente macroeconómico, tanto internacional como doméstico, tem de começar a olhar para o sector em que se desenvolve. Os indicadores sectoriais, para além de um diagnóstico actual, servem para projetar as tendências do sector em que a assinatura se desempenha: conjuntura, estrutura (tamanho do mercado, barreiras à entrada, quadro regulatório, competitividade, etc.), oportunidades de novos investimentos, crescimento, etc. A concorrência desempenha um papel preponderante na análise dos factores sectoriais, uma vez que as empresas comparáveis oferecem uma gama de rácios que constituem um ponto de referência para a análise de uma assinatura. A estrutura e composição do sector e do mercado são dados vitais para estimar fluxos de fundo da empresa sob análise.

Uma estimativa da procura (ou seja, o nível de facturação ou vendas medido na moeda de curso legal) e da oferta do sector (ou seja, o nível de actividade ou produção das empresas medidos em unidades físicas). A evolução dos preços dos produtos e a estimativa dos preços de mercado actuais e históricos, estimativas de consenso ou de outras fontes especializadas, ou, no caso de empresas que vendem um mix de produtos diversificados, um preço médio com base numa projecção do mix de venda tanto por produtos (maior ou menor valor agregado) como por mercados (interno ou exportações).

Os aspectos relacionados com o crédito disponível fazem à estrutura de capital do sector e ao seu grau de alavancagem financeira, ou seja, a sua relação dívida/património líquido. Quanto maior o crédito disponível e menor for o seu custo, maior é a viabilidade de projetos de investimento rentáveis. A existência de muitas obrigações a longo prazo (elevado endividamento) pode ser um mau sinal, e se forem a curto prazo, pior.

Por último, os aspectos microeconómicos da empresa devem ser analisados em si, que são o ponto de partida do método bottom up. Fazem parte do mesmo estudo a rentabilidade da empresa, a análise dos custos, as margens, que EBITDA gera a sua actividade principal, a geração do cash flow operacional, a sua actividade financeira e a alavancagem financeira, bem como o seu rácio de cobertura, os investimentos em curso e projectados, a qualidade do produto.

Depois de detectar que a empresa cumpre todos os requisitos para ser incorporada à carteira, deve-se avaliar se a mesma se encontra barata ou cara, porque uma empresa atraente pelas suas bases, por vezes, não é um bom investimento porque já tudo está descontado nos seus preços ou está cara com base em métodos tradicionais de desvalorização, especialmente por múltiplos de desvalorização relativa. A determinação do preço-alvo é parte desta análise para poder extrair uma conclusão que tenha aplicação prática: comprar ou não comprar, vender se já tiver ou mantê-la na carteira.

A situação actual ou passada de uma empresa não tem tanto em conta, mas especialmente a sua capacidade de geração de benefícios no futuro. O mercado acionário valoriza expectativas e confirma todos os dias com os dados reais. Ou seja, a publicação periódica dos lucros nas empresas e a sua comparação com os lucros passados e com outras empresas do sector são um dado básico para o investidor, além de qualquer outro facto relevante para essa empresa e para as outras.

Em resumo, a análise top-down ou análise bottom-up são duas maneiras diferentes de nos ajudar a tomar a decisão de como investir na ação de uma empresa. No primeiro método, está-se diante de uma análise que inicia desde o macro (global) e desce até ao micro (especifico), isto é, eles vão se definindo os grandes componentes do sistema para, pouco a pouco, ir descendo fazia variáveis mais específicas ou pequenas, e vice-versa para o segundo método.

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gustavo neffa

gustavo neffa

Sou Gustavo Neffa. Diretor de Economia e Finanças no FinGurú. Parceiro e diretor da Research for Traders, liderando uma equipe de analistas de mercados. Eu desempenhoi os últimos 24 anos no setor financeiro tanto em entidades domésticas como de capitais estrangeiros, tendo ocupado o posto de Analista de Research Senior em Macrosecurities do Banco Macro e no BBVA Banco Francês, além de analistas econômicos junto ao economista-chefe do BBVA Banco Francês. Também sou professor em matéria de Finanças Corporativas, Administração de Carteras de Investimento, Valuação de Activos Financeiros, Valuação de Projetos de Investimento e Finanças Internacionais em diversos MBAs e cursos de pós-graduação em Buenos Aires e no interior do país e professor do MBA da UNLP e da UNNE de avaliação de ativos financeiros, e da pós-graduação em Mercado de Capitales da UBA em convênio com ByMA. Codiretor do Programa de Finanças Avançado da UNLP.

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