Com o Natal de 1989 à porta, a Fox (hoje Star) e a distribuidora 20th Television tomaram uma decisão que mudaria para sempre a história dos desenhos animados e da televisão mundial: pela primeira vez, era exibido o primeiro episódio da primeira temporada de Os Simpsons, a família amarela mais importante da história. "O Especial de Natal dos Simpsons" foi ao ar no dia 17 de dezembro e desde então não parou de ser exibido durante 35 anos, tornando-se a sitcom mais duradoura no ar.
Antes de se tornar a famosa série que todos conhecemos, "Os Simpsons" passaram por algumas mudanças; no início, as aventuras da família amarela eram apenas curtas animados de aproximadamente um minuto transmitidos no programa "The Tracey Ullman Show" em 1987. O criador, Matt Groening, foi convidado a apresentar segmentos animados para preencher o tempo do programa; sua família serviu de inspiração para criar "Os Simpsons".
O primeiro Natal amarelo.
O episódio inaugural estabelece as bases para o que se tornaria uma das séries mais influentes da televisão mundial. Embora inicialmente possa parecer um especial de Natal convencional, este capítulo faz muito mais do que contar uma história de fim de ano: apresenta uma família imperfeita e profundamente humana, cujo amor mútuo supera as adversidades, uma temática que ressoará ao longo de toda a série.
A escolha de ambientar o capítulo no Natal não é casual. No imaginário coletivo, esta festividade representa a união familiar, o sacrifício pelos entes queridos e a esperança. Mas Os Simpsons subvertem essa tradição ao apresentar uma família disfuncional e um ambiente economicamente precário, em contraste com o ideal natalino tradicional. Através disso, o episódio se conecta com audiências que talvez não se vejam refletidas nas famílias "perfeitas" de outros programas da época, como Full House. Homer não recebe o bônus de Natal da Usina Nuclear e também não consegue sucesso financeiro como Papai Noel no shopping após o incidente com Bart. O filho mais velho já se apresenta como um rebelde depois de ter feito uma tatuagem e Marge, frustrada, tem que gastar toda a poupança em presentes em uma cirurgia para removê-la.
No final do episódio, Bart e Homer se sentem fracassados por não poder levar dinheiro para presente na véspera de Natal, já que o cachorro em que apostaram na corrida de galgos ficou em último. No entanto, decidem adotá-lo e levá-lo para casa após ver que o dono o maltrata na saída por ter perdido. O Ajudante de Papai Noel (como foi chamado) acabou sendo o melhor presente que poderiam ter recebido.
O Natal, neste caso, não é apenas uma festividade, mas um lembrete do que realmente importa: os laços humanos acima do comercial. Os Simpsons aceitam sua realidade econômica, mas pouco se importam, pois estão felizes em ter um novo membro da família, uma mensagem que foi reforçada por trinta e cinco anos.
Argentina e Springfield, um só coração.
Embora a América Latina tenha recebido a família de braços abertos devido ao seu exitoso dublagem, foi na Argentina que se formou a maior comunidade de fãs da série. Telefé, que na época era conhecida como canal 11, foi o canal argentino que comprou os direitos de transmissão no país, mas sua exibição foi bastante diferente da da Fox.
Era 2001 e Claudio Villarruel, ex-diretor artístico e produtor da Telefé, percebeu que a crise no país não colaborava com o orçamento do canal e a audiência estava caindo. Diante disso, Villarruel substituiu a tarde de filmes (que ele considerava descartáveis) por duas horas de Os Simpsons e a audiência aumentou consideravelmente. Diante do boom que os habitantes de Springfield geraram, a produção começou a realizar uma maratona que ocupava toda a tarde de sábado e, mais tarde, toda a tarde de domingo. Essa decisão foi uma revolução e crucial para que se desenvolvesse uma comunidade “simpsoniana” que permanece forte até hoje.
Com os dados do Trends, o Google informou que a Argentina é o país do mundo com mais interesse em buscas por Os Simpsons e esse amor é recíproco. Além de que desde 2011, Matt Groening está casado e tem gêmeos com uma argentina, o país já se fez presente em diversas ocasiões que foram motivo de orgulho (ou não tanto) para o país.
Diferentes personalidades, como Che Guevara e Susana Giménez (esta apenas na dublagem latina), foram mencionadas, mas a menção a Juan Domingo Perón foi a que gerou mais polêmica. Enquanto Springfield votava em um novo prefeito, na taverna de Moe, os habitantes se reúnem para manifestar seu desacordo sobre a eleição e Carl propõe "um ditador como Perón. Quando ele fazia você desaparecer, você continuava desaparecido" e seu amigo Lenny apoia sua decisão dizendo que "sua esposa era Madonna", fazendo referência ao musical "Evita" protagonizado pela rainha do pop. O episódio chegou a ser censurado em vários países da América Latina por essa frase, na Argentina tanto a Fox quanto a Telefé não quiseram entrar em conflitos e o censuraram devido ao forte repúdio do peronismo que governava naqueles anos.
Por outro lado, também foram fortes os olhares políticos que a série teve sobre a situação econômica e política do país. Entre tantos trabalhos que Homer teve ao longo de 35 anos, ter um próprio talk show com seus amigos foi um deles. A frase mais lembrada do capítulo é aquela em que o protagonista critica o FMI e os EUA dizendo que "utilizam 90% dos recursos do mundo, enquanto a Argentina precisa desvalorizar sua moeda para pagar suas dívidas". Sempre que o país entra em negociações com o Fundo ou o preço do dólar dispara, as redes sociais se inundam com o comentário de Homer.
Outra das referências lembradas são em relação às Malvinas. A primeira delas (e também a primeira em relação ao país). Na Casita do Horror II, Lisa pede como desejo a paz mundial e na cena seguinte vemos o representante argentino e o britânico abraçados, onde este último pede desculpas pelo tratado. No entanto, o diálogo original era mais polêmico, já que o argentino dizia "sabíamos que eram suas", fazendo referência ao fato de que a Argentina deixava de reclamar a soberania das Ilhas Malvinas usurpadas pela Inglaterra em troca da paz. A segunda menção ocorreu alguns anos depois, onde Bart descobre que o programa do Krusty já tinha sido exibido porque o palhaço da televisão interrompe a programação dizendo que tomaram as Malvinas (Falklands no original), um fato que ocorreu em 1982, enquanto o capítulo transcorre em 1994.
O que "Os Simpsons" nos deixaram.
Ao longo dos anos, Os Simpsons transcenderam sua origem como uma simples série animada para se tornar um fenômeno cultural global. Desde o primeiro especial de Natal, pode-se apreciar como desde o início estabeleceram as bases de seu estilo único, combinando humor irreverente, crítica social e um retrato do cotidiano.
Na Argentina, a conexão com Os Simpsons é especialmente notável. Suas referências culturais, o impacto da dublagem latina e a maneira como os personagens e situações se adaptam ao imaginário coletivo com frases célebres e memes que se disseminaram com o surgimento das redes sociais, consolidaram a série como um ponto de referência para várias gerações. Essa relação demonstra como uma produção originalmente americana pode se reconfigurar no contexto local, gerando significados próprios que enriquecem sua recepção.
Dessa forma, a família americana mais famosa não conta apenas a história de uma família amarela composta por um pai desajeitado, uma dona de casa, um filho rebelde, uma filha superdotada e um bebê, mas também a de seus milhões de espectadores em todo o mundo, para quem a série continua sendo uma lente com a qual interpretar a realidade, especialmente em nosso país.
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