Num dia como hoje, mas em 1976, começou o período mais sangrento da história da Argentina. Às três horas da manhã, os argentinos souberam que os militares, liderados por Jorge Videla, tinham efectuado o sexto golpe de Estado em apenas cinquenta anos. A partir desse momento, o controlo sobre os meios de comunicação social e as artes foi total, obrigando muitos canais a modificar a sua programação e a silenciar vários membros da cultura nacional, sendo o exílio a única opção para se exprimirem como quisessem.
Os vários meios de comunicação impressos, televisivos e radiofónicos receberam comunicados do Poder Executivo "sugerindo" que se reduzisse a emissão de centenas de artistas como Atahualpa Yupanqui, Mercedes Sosa, Spinetta, Charly García e bandas estrangeiras como os Beatles.
Os canais da televisão pública foram divididos entre a Presidência e as três alas das Forças Armadas para manter um controlo rigoroso. A censura era exercida através das direcções artísticas, que eram geridas por um "conselheiro literário", que lia os guiões dos programas antes de serem gravados e "recomendava" os temas que podiam ser transmitidos para não serem colocados na lista negra do governo. O principal argumento da ditadura era "o atentado aos bons valores da nação".
Os capos cómicos, entre outros personagens importantes do pequeno ecrã, foram limitados. Carlitos Balá, por exemplo, teve um confronto com o governo de facto quando começou a interpretar uma criança travessa no seu programa, cujo bordão era "Mamã, quando é que os vamos apanhar? Como a criança não falava corretamente, o Estado considerou que era um mau exemplo para os espectadores do programa e Balá teve de abandonar a sua personagem.
Algo semelhante aconteceu com o comediante Mario Sapag quando participou no programa "Operación Ja ja ja". O ator fez uma imitação de Jorge Luis Borges. Em julho de 1981, o COMFER emitiu um comunicado proibindo a paródia por considerar que "atentava contra a cultura argentina e o prestígio do escritor". Contra qualquer prognóstico da intervenção, o autor de "El Aleph" critica esta intervenção estatal e escolhe a grande obra de Sapag porque se esforçou por copiar a sua "maneira desajeitada de falar".
Quanto à música na rádio, Carlos Gardel foi um dos mais conhecidos a ser censurado. O tanguero, apesar de ter morrido em 1935, não podia ser ouvido quando acompanhado pela sua guitarra. A medida foi implementada por Hugo Adamoli (um dos principais intervenientes no programa) e a sua peculiar decisão foi justificada porque a sua mulher "não gostava de Gardel quando tocava guitarra".
A literatura infantil também foi reprimida. A escritora e cantora María Elena Walsh, com a atitude rebelde que sempre a caracterizou, descarregou o seu repúdio e a sua denúncia da ditadura civil-militar-eclesiástica em canções populares como "La Cigarra", em que a liberdade e a denúncia da injustiça se tornaram uma bandeira e um hino de resistência. O seu livro El reino del revés, que também dá nome à sua famosa canção, foi vítima de censura, juntamente com outras histórias como Un elefante ocupa poco espacio de Elsa Borneman.
Quanto aos programas juvenis, a série "Era uma vez o homem", um desenho animado educativo canadiano, foi levantada no país por questionar a teoria criacionista da evolução, e a ditadura militar tinha uma relação estreita com a Igreja Católica.
A censura durante a última ditadura militar na Argentina representou um ataque aos direitos fundamentais da sociedade. A imposição da censura significou o silenciamento das vozes dissidentes, a manipulação da informação e a supressão da liberdade de expressão. Jornalistas, escritores e artistas foram perseguidos e censurados, limitando seriamente a capacidade da sociedade de aceder a informações verdadeiras e pluralistas.
Este período negro da história da Argentina terminou a 10 de dezembro de 1983. Esta época recorda-nos a importância de proteger e valorizar a liberdade de expressão como um pilar fundamental de uma sociedade democrática. A luta contra a censura é uma luta pela verdade, pela memória e pela justiça. Manter viva a memória desses anos compromete-nos a defender ativamente os princípios democráticos e a garantir que os abusos do passado não se repitam no futuro.
Comentários