06/09/2024 - entretenimento-e-bem-estar

O segredo do perfume

Por ethel rosso

O segredo do perfume

O segredo em si é muito mais bonito do que sua revelação, ao menos no caso do perfume. Uma aura misteriosa e de aroma agradável se desprende de glamorosos frascos de vidro cujo conteúdo borrifamos em nossos pescoços, mas também um halo secreto de contradição e complexidade. Se investigarmos a composição dos perfumes mais refinados do mundo ao longo da história, não encontraremos apenas flores de cores brilhantes e fragrâncias deliciosas, mas também rastros de compostos químicos nem sempre agradáveis que funcionam como fixadores e conservantes da substância aromática, tornando-a mais duradoura. 

Nenhuma publicidade em preto e branco com supermodelos arrastando vestidos pelo chão se atreveria a nos esclarecer que parte da composição do perfume que anunciam inclui bile, fezes e óleos provenientes de animais selvagens (ou suas imitações sintéticas). Cheiros desagradáveis, dissolvidos em álcool, constituem o ingrediente necessário de qualquer perfume que pretenda durar no pescoço borrifado de seu dono e, com isso, nos deparamos com o enigmático segredo de qualquer perfumista: o atrativo de uma fragrância reside na tensão entre o repugnante e o prazeroso, o horrível e o belo. Afinal, esses qualificativos podem se excluir um ao outro?

Tão contraditória quanto os componentes do perfume é Perséfone, rainha do submundo na mitologia grega e, ao mesmo tempo, donzela feita de flores. Conta um antigo mito que a jovem, filha de Zeus e Deméter, foi sequestrada por Hades e levada ao submundo após ser seduzida com um perfume de narcisos. A questão é que, apesar de ter sido prontamente resgatada e voltar para casa com seus pais, Perséfone havia provado algumas sementes do submundo que a faziam voltar a este lugar durante alguns meses, criando assim as estações do ano (outono-inverno quando estava no submundo, primavera-verão ao retornar ao Olimpo). E tão contraditório quanto pareça viver aqui e lá em polos opostos, é essa contradição que faz de Perséfone quem ela é: apesar de seu cativeiro, ela continua sendo a deusa das flores vivas, dando conta assim da interconexão necessária e inevitável entre a vida e a morte, vínculo inquebrantável que marca o ciclo eterno da natureza.

O rapto de Proserpina (Perséfone) - Rubens Pedro Pablo 1636

Frequentemente, nas tragédias gregas, Perséfone é retratada com um perfume floral, que serve como um lembrete constante de seu papel como deusa da primavera e rainha do submundo. É impossível, então, pensar na questão do perfume fora de sua intrínseca dualidade: um aroma delicioso e vivo está imerso em um vínculo eterno com sua duração limitada, com uma eventual morte da fragrância escapando de nossas narinas, assim como Perséfone fazia ao retornar ao submundo. Um perfume que vive e morre e que, por sua vez, é feito de vida e também de morte. Afinal, talvez por essa razão a donzela era conhecida como "a que traz a morte".

Voltemos ao princípio: o perfume contém ingredientes desagradáveis que funcionam como fixadores para torná-lo mais duradouro. Embora atualmente a maioria das fragrâncias não contenha bile de baleia ou secreções de cervos e civetas como há não muito tempo, ainda são utilizadas imitações sintéticas para que o perfume persista, ao menos por alguns instantes a mais. E então se configura a misteriosa e sensual atmosfera da qual falamos, um perfume invisível, mas não por isso despercebido; efêmero, mas não por isso ausente. Merleau-Ponty, fenomenólogo francês, inventou um conceito que nos serve perfeitamente para aqueles momentos em que nos vemos presos em dualismos metafísicos: "quiasmo", uma noção que desarticula as distinções rígidas entre opostos (dentro ou fora, próprio ou alheio, entre outros exemplos), para pensar em expressões simultâneas e lugares de cruzamento. Neste caso, nosso quiasmo perfumado resultaria ser um componente agradável e outro desagradável girando um em torno do outro, o vivo e o morto girando um em torno do outro, todas as contradições que nos propõem os perfumes e seus antigos mitos girando umas em torno das outras. Tudo contínuo, tudo inseparável.                                    

Qual é a coisa mais engraçada de tudo isso? Não importa o quanto analisemos, não temos palavras para descrever um perfume. Na verdade, não as temos e as poucas que tentam nem chegam perto. É penetrante? Sem sabor? Floral? Aromático? Sim, claro que podemos classificar uma fragrância, mas descrever em sua totalidade? A linguagem parece nos deixar pequenos diante da natureza incomensurável de um perfume (e, em última instância, do universo). De qualquer forma, atribuindo ao fenômeno proustiano a importância que merece neste escrito perfumado, poderíamos dizer que não conseguimos evocar palavras, mas sim vivências (o perfume sempre cheira a lembrança e sempre está a serviço de nossa poética memória). 

                                   

Como prolongar a duração de um perfume? Aceitando seu mistério. Na maioria das vezes subestimamos o poder do nosso olfato, mas isso não significa que possamos negar que o aroma contraditório do perfume é um componente, entre muitos, do ecossistema com o qual inevitavelmente interagimos. Estamos jogados em um mundo perfumado de mistério e paradoxo, e só integrando essa fragrância paradoxal, embriagada de repugnância e beleza ao mesmo tempo, é que apreciaremos a paisagem completa daquilo que tão frequentemente e com total desinibição chamamos de "mundo". Talvez, se quisermos conhecer algo em sua totalidade, devamos aceitar seu mistério: há morte na vida e no prazer há algo repugnante, há permanência no efêmero e ausência na presença. Há componentes que permanecem ali, misteriosos e escorregadios, para fazer do perfume o que é. Há segredos que permanecem secretos, porque caso contrário perdem seu atrativo. 

"Esquecido o alfabeto do olfato que elaborava outros tantos vocábulos de um léxico precioso, os perfumes permanecerão sem palavras, inarticulados, ilegíveis” (Italo Calvino).

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ethel rosso

ethel rosso

Psicóloga (MN 81203). Buenos Aires.
Eu gosto de fazer ioga, ler e passear muito. Às vezes escrevo, porque sou muito curiosa.
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