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Ganhar um Óscar aos 83 anos: a mestria de Hopkins em "O Pai".

Por Jerónimo Alonso

Ganhar um Óscar aos 83 anos: a mestria de Hopkins em "O Pai".

Quando as pessoas entram na velhice, pensam mais na reforma a curto prazo e em desfrutar da família e dos amigos do que em perseguir novos horizontes no seu trabalho. No mundo do cinema, contam-se pelos dedos de uma mão os actores que se mantêm no topo de Hollywood depois dos oitenta anos, como Robert de Niro, Clint Eastwood e Anthony Hopkins, entre outros. Este último tem a distinção de ser o vencedor mais velho do Óscar de Melhor Ator, o prémio mais reconhecido do cinema.

Em 2020, a pandemia de Covid-19 foi a grande protagonista do ano, fazendo com que, entre outras coisas, os filmes fossem lançados em plataformasde streaming para não atrasar o projeto. Neste contexto, a Netflix lançou "O Pai", um filme de drama franco-britânico realizado por Florian Zeller e protagonizado por Anthony Hopkins como Anhtony e Olivia Colman como sua filha.

A única verdade é a realidade

Anthony é um homem idoso que sofre de demência e o seu carácter forte impede-o de lidar bem com os prestadores de cuidados, pois sente que não precisa deles. A sua filha apercebe-se que a doença está a progredir e toma a decisão de ele ir viver com ela, com a ajuda de uma enfermeira que estará lá enquanto ela trabalha.

A demência leva-o a confundir as pessoas à sua volta e a enfrentar a perda de controlo sobre a sua vida. O filme explora a forma como a doença afecta tanto o doente como os seus entes queridos, em particular a sua filha. A confusão não é só do protagonista, mas também do espetador sobre o que é real, o que é ficção, o que é um facto do passado e o que é o presente.

A forma como a confusão do protagonista é apresentada e a manipulação do tempo e do espaço na narrativa fazem com que o espetador também experimente a confusão sentida pelo personagem. O filme, sendo contado a partir de uma mente senil, rompe constantemente com as convenções de tempo e espaço, resultando numa experiência fragmentada para o espetador. Essa técnica é essencial para a construção do caos mental do protagonista: sua filha é casada ou divorciada? Se ela é separada, quem é o homem com quem ela fala quando não é casada? E se é casada, porque é que lhe disse que se ia mudar para Paris porque tinha conhecido um homem?

É importante realçar o trabalho do realizador, que fez uma grande adaptação da sua própria peça Le Père, jogando com os novos espaços físicos que o cinema lhe permite. O espetador nunca tem a certeza absoluta de onde se encontra a personagem. No início da história, há um quadro pintado pela sua filha mais nova (cujo paradeiro desconhecemos até ao final), mas no dia seguinte ela já não está (ou talvez nunca tenha estado). O colapso da memória de Anthony também cria uma experiência semelhante para o espetador, que já não sabe se está a ver uma versão diferente do mesmo lugar ou se o filme está a brincar com a perceção do que está a ser mostrado.

A utilização de datas contraditórias também contribui para a manipulação do tempo. Anthony é confrontado com situações em que as datas e os acontecimentos não se alinham, reforçando a sensação de que o tempo se tornou fluido e incerto. Que idade tem Anthony? Há quanto tempo não vê a sua filha? O mesmo acontecimento pode ser apresentado de formas ligeiramente diferentes em diferentes momentos do filme- quem cozinhou para ele? Quem lhe fez o chá de manhã? As interações com a filha e a pessoa que cuida dela repetem-se e misturam-se, mas com ligeiras variações que geram vários Déjà vu. No decorrer da história, o filme deixa várias dúvidas, mas com a certeza de que estamos perante um filme de época.

A idade é apenas um número

Aos 83 anos, Anthony Hopkins mostra-se como duas faces da mesma moeda. O Anthony da ficção, um velho rabugento que se recusa a ter cuidados médicos permanentes em casa, quanto mais estar num lar de idosos com pessoas da sua idade. A sua personalidade obriga-o a querer apenas ficar no seu apartamento ou no da filha (que foi comprado por ele há vários anos) e descansar os seus últimos anos de vida. Por outro lado, o Anthony da realidade é um ator maduro cujo desempenho foi reconhecido com um BAFTA e um Óscar, ambos para Melhor Ator. Embora já tivesse ganho ambos os prémios em 1992 pelo seu icónico Dr. Hannibal Lecter, o seu desempenho como Anthony pode ser tão reconhecível como o de "The Silence of the Lambs".

Em "The Father", são raras as cenas em que Hopkins não está presente, o que mostra que ser a personagem principal exigiu dele um esforço físico e emocional considerável. Ele até executa alguns passos de dança, um pormenor que, embora pareça simples, é a prova do desgaste e da energia que o ator dedica à sua personagem. Este tipo de trabalho, tanto físico como mental, é impensável para um homem da sua idade.

Interpretar Anthony não foi apenas um teste à sua capacidade de representação, mas também uma reflexão sobre a sua própria vida e a sua relação com o envelhecimento. Ao longo dos anos, Hopkins tornou-se um dos grandes actores da sua geração. Em "The Father", sente-se como se estivesse a viver as mesmas perdas que a sua personagem, o que lhe confere uma dimensão emocional tão autêntica que é impossível não estabelecer paralelismos com a sua própria vida. A sua personagem e o seu papel foram um olhar profundo sobre as emoções humanas mais universais: o medo do esquecimento, a rejeição da dependência, a luta para manter a dignidade. A capacidade de Hopkins para comunicar estas emoções, sem cair no exagero, é uma prova não só do seu talento, mas também da sabedoria adquirida ao longo dos anos.

A idade foi uma marca da sua mestria. Aos oitenta e três anos, torna-se o ator mais velho a ganhar um Óscar, um facto histórico que realça não só a sua longevidade como artista, mas também o reconhecimento do seu esforço contínuo. Enquanto outros actores mais jovens dominam o ecrã, Hopkins prova que a experiência acumulada, a maturidade e o talento aperfeiçoados ao longo do tempo podem continuar a ser uma fonte inestimável de inovação e profundidade na representação.

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Jerónimo Alonso

Jerónimo Alonso

Meu nome é Jerônimo e tenho 21 anos. Atualmente estou no terceiro ano do curso de Ciências da Comunicação na Universidade de Buenos Aires. Gosto de escrever sobre diversos temas para informar o público e contar histórias pouco conhecidas ou de outra perspectiva.

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