Longe de ser uma atualização, a proposta de Milei reedita a velha receita da precarização: jornadas estendidas, salários atados à produtividade, indenizações diluídas e enfraquecimento da negociação coletiva. Em nome da competitividade, reativa-se um modelo de relações trabalhistas baseado na subordinação e na perda de direitos.
Esta não é uma reforma para o futuro: é uma contrarreforma que reinstala as condições de exploração de um século atrás, disfarçada de modernidade.
Flexibilizar não é modernizar
O projeto parte de um erro conceitual: crer que o trabalho é um custo e não um investimento. Milei promete que ao "reduzir custos" gerará emprego formal, mas essa equação nunca se cumpriu. Quando se destroem direitos, não se cria trabalho: cria-se medo, rotatividade, pobreza e perda de produtividade.
A suposta "flexibilidade" que o governo impulsiona se traduz em insegurança permanente. Estender as jornadas até doze horas, permitir demissões parceladas e enfraquecer a estabilidade laboral não são medidas de modernização, mas um retrocesso às condições fabris do século passado. O trabalhador do século XXI precisa de ferramentas para se adaptar, não da constante ameaça da perda.
Uma verdadeira modernização trabalhista deveria redefinir a proteção, não eliminá-la. O futuro do trabalho exige combinar flexibilidade com segurança, adaptabilidade com direitos, e produtividade com bem-estar. Milei, em vez disso, propõe liberdade para demitir, não liberdade para progredir.
O trabalho do século XXI requer inteligência, não obediência
No mundo atual, onde a tecnologia transforma todas as profissões e as habilidades se renovam a cada poucos anos, a chave não está em baratear o trabalho, mas em investir na empregabilidade.
Uma reforma realmente moderna deveria priorizar a formação contínua, a reconversão laboral e o desenvolvimento de competências digitais que permitam a cada pessoa se movimentar com autonomia dentro do mercado de trabalho.
Também deveria estabelecer mecanismos de proteção inteligentes, como fundos de cessação laboral individuais que garantam segurança diante da perda de emprego, direitos portáveis que acompanhem o trabalhador independentemente do tipo de contrato, e um seguro de desemprego robusto que proteja sem burocracia.
Nada disso aparece no projeto de Milei. Seu olhar se detém no velho paradigma das fábricas: controle, horário, hierarquia e subordinação. Ignora que o mundo do trabalho já não se mede em horas, mas em capacidades, criatividade e inovação.
O resultado é uma cruel paradoxa: uma reforma que se proclama moderna, mas que pensa o trabalho como se o tempo houvesse parado em 1925.
O futuro precisa de novos direitos, não de menos direitos
Modernizar não é destruir o que existe, mas adaptá-lo a um novo contexto.
O futuro do trabalho requer novas regras: direito ao desconexão, proteção de dados pessoais, reconhecimento do trabalho digital, liberdade sindical real e ferramentas para conciliar a vida laboral e pessoal.
O governo de Milei ignora todos esses debates. Sua visão do trabalho é puramente transacional: o trabalhador como custo, a demissão como variável de ajuste, o salário como prêmio ou castigo de acordo com a rentabilidade do mês.
Em vez de apostar na inovação, no conhecimento e na produtividade sustentável, a reforma se concentra em reduzir direitos. Em vez de preparar a Argentina para competir na economia do conhecimento, a relega a competir por quem pode trabalhar mais horas por menos salário.
Uma reforma para o século XX ou para o século XXI
O dilema não é se a Argentina precisa de uma reforma trabalhista —porque precisa—, mas que tipo de reforma quer construir.
O modelo de Milei responde a uma lógica de desapossamento: baratear, desregular, demitir. É o modelo do século XX, o da fábrica sem direitos, o da produtividade a qualquer custo.
O modelo que o país precisa é outro: um que entenda que a riqueza é gerada com trabalho qualificado, protegido e adaptável, com um Estado que simplifique trâmites sem renunciar ao seu papel de garante, e com empresas que compitam por talento e não por precarização.
Uma verdadeira reforma do século XXI deveria se basear em cinco pilares:
- Segurança laboral portátil, através de fundos de cessação individuais e seguros de desemprego inteligentes. 
- Simplificação digital, com registros laborais unificados e transparentes. 
- Educação e formação contínua, centrada em competências tecnológicas e adaptativas. 
- Liberdade sindical real, que garanta representação e participação sem monopólios. 
- Equilíbrio entre produtividade e dignidade, assegurando descanso, desconexão e bem-estar. 
Nada disso está na agenda de Milei. Seu projeto não constrói futuro: recicla um passado que o mundo já superou.
O retrocesso disfarçado de revolução
A reforma trabalhista do governo não é uma porta para o futuro, mas um espelho do passado.
Não moderniza: precariza.
Não liberta: desprotege.
Não cria oportunidades: destrói garantias.
O século XXI exige instituições trabalhistas que acompanhem a inovação, a mobilidade e a justiça social. Milei oferece um sistema que reduz o trabalhador a mercadoria, enquanto o discurso da liberdade serve para legitimar a desigualdade.
A Argentina precisa de uma reforma, sim, mas uma que pense no trabalho humano como eixo do desenvolvimento, não como variável de ajuste.
A verdadeira modernização não se mede em horas trabalhadas nem em custos reduzidos, mas em dignidade, conhecimento e oportunidades.
Tudo o mais —incluindo essa reforma— não é progresso. É a velha exploração com uma nova embalagem.


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