05/04/2023 - politica-e-sociedade

Argentina e Bangladesh: Uma relação que busca transcender seu componente futebolístico

Por juan gentiletti

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A Argentina e o Bangladesh são dois países geograficamente distantes e com uma diferença cultural abismal. No entanto, como foi demonstrado durante a Copa Mundial da FIFA no Qatar, existe uma paixão esportiva em comum. O selecionado nacional Bangladesh nunca classificou para uma Copa do Mundo, mas seu coração está na albiceleste.

[caption id="attachment_8953" align="alignright" width="341"] Festejos em Dacca[/caption]

Este último campeonato da FIFA, onde a Argentina foi vencedora, teve um impacto na política externa argentina. O atual chanceler argentino Santiago Cafiero viajou em 27 de fevereiro à capital de Bangladesh, Dacca, tornando-se o primeiro dos ministros de relações externas argentinos que visita aquele país. Cafiero não viajou sozinho, mas desde Chanceler, aproveitou-se da inauguração da nova embaixada para realizar uma missão comercial oficial. Da mesma forma, participaram empresas nacionais com o objectivo de desenvolver o pilar comercial da relação bilateral.

O comércio bilateral com o Bangladeche já sofreu crescimento nos últimos anos. Em 2021, a Argentina vendeu 876 milhões de dólares em óleo e farinha de soja, além de milho e trigo, com um excedente comercial de 862 milhões de dólares (O País, 2023). Em 2022, houve um excedente comercial para a Argentina de 720,8 milhões de dólares. No mesmo ano, o intercâmbio com o Bangladesh foi de 765 milhões de dólares. As exportações argentinas atingiram 742,9 milhões de dólares e as importações de Bangladesh totalizaram 22,1 milhões de dólares (Ministério de Relações Exteriores, Informação para a Imprensa No 088/23).

Anteriormente, a Argentina tinha tido uma embaixada em Dacca, mas sua existência foi efímera. A Missão Diplomática Permanente tinha sido habilitada durante o terceiro governo de Juan Domingo Masn em 1973 e oficialmente inaugurada em 1974, mas foi prontamente fechada em 1978 pelo regime militar. A Argentina tinha sido um dos primeiros países a reconhecer a independência do Bangladesh, declarada em março de 1971.

Além de consolidar Bangladesh como mercado de exportações argentinas (Bangladesh é o oitavo país mais povoado do mundo com 170 milhões de habitantes), busca-se promover a cooperação por satélite, no domínio desportivo, ajuda humanitária e gestão de desastres.

Para surpresa de muitos, os pontos de contato entre ambos os povos são anteriores ao estabelecimento das relações diplomáticas em 1972. Em 1924, o vencedor do prêmio nobel Rabindranath Tagore viajou para a Argentina onde forjou uma amizade com a escritora argentina Victoria Ocampo. Mais tarde, durante a guerra de independência do Bangladesh e do Paquistão, em 1971, o conflito ecoou-se no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Nessa época, a Argentina ocupava um assento como membro não permanente e jogou um papel importante em evitar que o conflito caisse sob a lógica este-oeste de guerra fria. O tema pôde ser finalmente tratado na Assembleia Geral frente ao bloqueio no Conselho de Segurança.

No entanto, a data-chave na história de amizade entre ambos os povos foi 1986 quando durante a Copa Mundial da FIFA no México, a Argentina enfrentou a Inglaterra. Foi o gol de Maradona conhecido como "a mão de Deus" que despertou uma forte efervescência no povo bangladesí. A península de Indostan (conformada pelos atuais Índia, Paquistão e Bangladesh, principalmente) tinha estado sob domínio da Coroa britânica.

[caption id="attachment_ 8954" align="alignleft" width=" 344"] Conduta de TV Bangladesh[/caption]

Desta forma, podemos ver como a contribuição argentina para acabar com a guerra de independência em Bangladesh e o fervor do povo de Bangladesh após a derrota inglesa na Copa do Mundo da FIFA de 1986, marcam uma relação bilateral reivindicadora do Terceiro Mundo, a solidariedade pós-colonial e dos princípios do que hoje conhecemos como “cooperação sul-sul” institucionalizada. A cooperação entre ambos os países foi enquadrada dentro de fóruns internacionais como o Movimento dos Países Não Alineados e o G-77.

Como mencionado anteriormente, o intercâmbio comercial com o Bangladesh tem sofrido um crescimento notável na última década e a projecção do seu potencial é promissora. As regiões da Ásia Meridional e do Sudeste Asiático adquirem dinamismo e têm visto a chanceler argentina desde, pelo menos, a década de 1990 com uma forte estratégia de implantação sobre esses mercados para aumentar as exportações argentinas. São tratados de países altamente povoados, que têm grandes necessidades de abastecimento interno. A Argentina tem uma forte presença diplomática nestes países. No Sudeste Asiático há embaixadas nas Filipinas, Indonésia, Malásia, Tailândia, Singapura, Vietname; enquanto na Ásia Meridional há missões na Índia, no Paquistão, e desde agora em Bangladesh. As relações com estes grupos de países passam, em grande parte, pela sua componente comercial. A Índia e o Vietname são dois grandes parceiros comerciais da Argentina, flutuando entre os primeiros 6 lugares anualmente. O continente asiatico em geral, não é apenas o principal mercado de exportações para a Argentina, mas também o é para o Mercosul. 52% das exportações do bloco foram para a Ásia, frente aos parceiros ocidentais ( 18% para a Europa e 14% para a América do Norte) (Informe Técnico de Comércio Exterior do Mercosul, 2021).

Como conclusão, estamos em condições de afirmar que, a reabertura da embaixada argentina em Dacca, aponta a fortalecer ainda mais, a estratégia comercial para o mercado asiatico, aproveitando algo que, a simples vista, parece tão alheio à política, como é a torcida esportiva. O Bangladeche também permite à Argentina consolidar a sua presença na Ásia Meridional, expandindo-se para além da Índia (anteriormente, o embaixador designado em Nova Deli era concorrente também em Dacca). É nesta região do mundo, por onde passam as principais rotas comerciais marítimas, e a Argentina busca se posicionar de forma mais robusta.

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juan gentiletti

juan gentiletti

Olá, sou João, tenho 24 anos, sou argentino e atualmente estudante avançado da carreira de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Rosário (UNR).

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