No entendimento de que toda manifestação bélica é trágica, decadente e primitiva, acho que qualquer demonstração de poder que exerçam forças superiores sobre outras menores evidenciam fraquezas nas duas partes. As pequenas, que se encontram em desvantagens de tamanho e infraestrutura, frente às maiores que carecem de capacidades de diálogo e convicção, apesar das ameaças que o seu poder pode oferecer.
Talvez uma das principais lições daquele militar japonês, Sun Tzu, em sua obra, “A arte da guerra”, seja que se enfrentarem dois bons generais jamais haveria guerra, pois cada um avaliaria fortalezas e fraquezas de ambos os lados com adequação, convidando essa análise ao reconhecimento do mais fraco e à generosidade do mais forte.
A guerra entre a Rússia e a Ucrânia, se assim pudesse ser chamada, pois, na verdade, trata-se da invasão de um estado sobre outro, despoletou outras batalhas, tão belicosas, trágicas, decadentes e primitivas como a principal, só que neste caso as armas não carregam pólvora, mas dólares e o trabalho de milhões de pessoas que se vêem adiados ou desperdiçados.
Numerosas instituições não-governamentais juntaram-se, não só a condenar, mas a retaliação, a modo de punição, o povo russo, confundindo ou afundindo-se num único sujeito ao seu presidente, Vladimir Putin, com todos os cidadãos deste país.
Organizações desportivas que cancelaram ou suspenderam atividades, equipes ou atletas de nacionalidade russa. Empresas de tecnologia cancelaram licenças de uso de plataformas online ou até mesmo, os poucos fornecedores de microchips que existem no mundo suspenderam as remessas de suprimentos por tempo indeterminado.
Nem falar do sistema bancário e financeiro internacional do Ocidente que, além de congelar e embargar fundos do estado invasor, tomou ações sobre empresas e empresários de nacionalidade russa, amalgamando num todo o que possa ter origen ou interesse associado a esta nação.
Tudo vale no meio de uma guerra financeira. Sacar os bancos russos do sistema swift que vinculam as transferências internacionais ou deslistar as ações das maiores empresas das principais bolsas de comércio do mundo.
Putin é a Rússia e a Rússia é Putin, não há nada nem ninguém mais?
Como com a grande maioria dos processos da humanidade, as qualidades cíclicas dos movimentos históricos nos alertam que isso já passou e principalmente de como pode seguir.
O uso discrecional de medidas e métodos que afetam uma sociedade, que também é vítima das decisões que tomam os verdadeiros responsáveis, pode produzir aquele fenômeno, tão bem definido pelo escritor Jorge Luis Borges ao dizer: “não nos une o amor, mas o espanto”.
Uma guerra sem balas, mas que igual empobreça a população de uma nação, ou tire a conexão com o mundo através da suspenção da Internet ou na qual desapareça o entretenimento pelo cancelamento de eventos artísticos e esportivos pode, também, gerar o espírito de corpo que produz em um povo ver desfilar tanques e aviões inimigos pelas ruas e os céus de seu país.
O que, em princípio, é a guerra de Putin e alguns poucos que por convicção ou conveniência o seguem, pode tornar-se a guerra da Rússia, e isso seria muito grave, pois o principal dique de contenção que têm as possibilidades bélicas do presidente jácen dentro das suas fronteiras.
Desconsiderar as necessidades e possibilidades do povo russo, das suas principais empresas, que empregam globalmente milhões de pessoas, dos seus milionários que possuem interesses em todo o mundo, ou mesmo, líderes que podem estar contra as ações militares podem deixar-lhes como única opção, somar-se à guerra.
O inimigo externo é, sem dúvida, um nexo que une as sociedades de todos os tempos. As circunstâncias adversas comuns produzem empatia entre as pessoas que sofrem, mesmo sem ter em conta que muitas vezes terminam do mesmo lado daqueles que as provocaram e distantes daqueles que as podem mudar.
É provável que a melhor maneira de resolver a situação entre a Ucrânia e a Rússia esteja muito longe de procurar dobrar o povo russo, mas, pelo contrário, diferendo com aqueles que tomam estas decisões.
O conceito arma de duplo fio é usado, usualmente, para referir certas ações ou esses que podem produzir o efeito contrário ao desejado no âmbito de uma discussão ou troca de opiniões. O duplo filo encontra-se em ambos os extremos da folha, em consequência, quem porta a arma também pode receber os cortes.
As mensagens mal-intencionados, ou pelo menos erradas, antes do início das acções militares promovidas por potências que pretendiam prevenir com ameaças a Putin, limitaram as suas possibilidades políticas na negociação sobre a situação com a Ucrânia. Abandonar as ações militares significavam uma derrota política com implicações tanto na relação com a Ucrânia, como na geopolítica internacional, e principalmente na frente interna.
Biden acorralou com seus discursos ameaçadores a um urso enfurecido, que sem outra opção atacou, afastando um pouco mais uma saída elegante neste conflito.
As duas potências empunharam armas de dois gumes.
Ambas as mãos estão tingidas com o mesmo sangue. Quão profundas serão as feridas em cada um dos presidentes?
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