Jesús Daniel Romero desde o Miami Strategic Intelligence Institute para Poder & Dinero e FinGurú
Introdução
A Argentina está em um momento decisivo. Enquanto vários países da América Latina consolidam seu alinhamento com a China através da CELAC, o presidente Javier Milei se projeta como uma figura chave do conservadorismo hemisférico com sua próxima participação na CPAC Latino 2025 em Miami. Em meio a essas tensões externas, o país também enfrenta um desafio interno: recuperar a ordem, garantir a segurança e gerar condições favoráveis para atrair investimentos tecnológicos e estratégicos.
Três frentes —geopolítica, ideológica e institucional— convergem em um mesmo ponto. A pergunta não é apenas que rumo tomará a Argentina, mas se conseguirá se reconstruir de dentro para desempenhar um papel protagonista na nova ordem global.
CELAC e China: um bloco frágil, infiltrado e estratégico
A recente cúpula entre a CELAC e a China em Pequim demonstrou a determinação de Pequim em consolidar sua influência na América Latina. No entanto, também expôs as fragilidades estruturais do bloco latino-americano. Persistem a falta de coesão, a desconfiança mútua entre seus membros e uma crescente infiltração de redes criminosas e estruturas de corrupção estatal que comprometem sua eficácia como interlocutor internacional.
CPAC Miami: Milei, Trump e o novo eixo de liberdade
Frente a essa ofensiva asiática, o governo argentino optou por uma reconfiguração geopolítica alinhada com os Estados Unidos e a Europa. A próxima participação de Javier Milei na CPAC Latino 2025 em Miami confirma essa estratégia. Nesse cenário, ele buscará consolidar sua liderança dentro de uma nova arquitetura hemisférica baseada nos valores da liberdade econômica, da ordem institucional e da luta contra o populismo autoritário.
Milei frente ao Congresso: um Executivo sem base legislativa
Uma das principais fragilidades estruturais do governo de Milei é sua escassa representação parlamentar. O governo é minoria em ambas as câmaras, enquanto o kirchnerismo controla a primeira minoria no Senado. Essa situação obriga o presidente a escolher entre negociar com setores que ele classificou como “a casta”, ou vetar leis populares aprovadas com apoio transversal.
O recente caso da lei previdenciária é um exemplo claro. Essa norma inclui aumentos para os aposentados e a possibilidade de moratórias para aqueles que não completaram suas contribuições. Milei já avisou que vetará o projeto se avançar no Senado. No entanto, essa decisão implica um alto custo político. Mais de 5,3 milhões de aposentados recebem benefícios mensais inferiores a 400.000 pesos. Negar um benefício direto pode corroer ainda mais o apoio social a uma administração que precisa ampliar sua base eleitoral (Infobae, 2025).
Risco de estagnação estratégica se não vencerem as eleições legislativas
Se o governo não conseguir aumentar seu número de deputados e senadores nas eleições legislativas de 2025, os investimentos não chegarão. Os novos legisladores assumirão em 10 de dezembro, e Milei enfrentará seus últimos dois anos de governo sob uma pressão social crescente.
Sem reformas estruturais, sem apoio legislativo e sem garantias jurídicas, não haverá condições para a criação de emprego nem para a recuperação de reservas. O país continuará dependendo do apoio político dos Estados Unidos —especialmente se Donald Trump voltar à Casa Branca— e do financiamento do Fundo Monetário Internacional.
Nesse contexto, a narrativa da mudança pode se esgotar antes de materializar resultados concretos. O capital político acumulado corre o risco de se diluir em frustração social e paralisia institucional.
A diáspora argentina na Flórida e a diplomacia econômica republicana
A Flórida emerge como um ator geoestratégico chave. Lá reside uma comunidade argentina numerosa com influência em processos eleitorais tanto nos Estados Unidos quanto na Argentina. O governador Ron DeSantis e legisladores republicanos podem se tornar aliados estratégicos, facilitando missões comerciais, investimento em energia e tecnologia, e uma cooperação bilateral produtiva.
Estados Unidos e o investimento estratégico em tecnologia do futuro
A Argentina representa uma plataforma ideal para canalizar investimento americano em setores-chave do futuro. Com infraestrutura e capital norte-americano, o país pode avançar em áreas como tecnologias limpas, inteligência artificial, biotecnologia e cibersegurança, reforçando o eixo tecnológico ocidental diante da expansão chinesa na região.
Conclusão: um gigante adormecido que pode acordar
A Argentina não está condenada à irrelevância nem ao colapso. Dispunha de recursos naturais, talento humano e uma liderança que busca romper com as estruturas do passado. Mas seu sucesso dependerá de sua capacidade de enfrentar com clareza a ameaça geopolítica que representa a expansão chinesa na América Latina, consolidar uma aliança estratégica com o Ocidente baseada em resultados tangíveis e recuperar a ordem interna por meio de reformas estruturais sostenidas.
O país está diante de sua última oportunidade estrutural desta década. O desenlace não se definirá nos discursos, mas no número de cadeiras ganhas, na profundidade das reformas implementadas e no investimento real que conseguir atrair.
Referências
CLACSO. (2022). O triângulo do lítio concentra 68% do lítio em três países latino-americanos. https://www.clacso.org/en/el-triangulo-del-litio-concentra-el-68-del-litio-en-tres-paises-latinoamericanos/
Ministério da Agricultura, Pecuária e Pesca. (2021). Cultivos Geneticamente Modificados. https://www.magyp.gob.ar/sitio/areas/biotecnologia/conabia/_pdf/Cultivos_GM.pdf
YPF. (2025). Desafio Vaca Muerta - Não convencional. https://desafiovacamuerta.ypf.com/
Infobae. (2025, 19 de março). Quase 5,4 milhões de aposentados e pensionistas recebem um benefício inferior a $400 mil por mês. https://www.infobae.com/politica/2025/03/19/casi-54-millones-de-jubilados-y-pensionados-cobran-un-haber-menor-a-400-mil-por-mes/
Jesús Daniel Romero é Comandante Aposentado de Inteligência Naval dos Estados Unidos. Co-Fundador e Senior Fellow do Miami Strategic Intelligence Institute. Escritor e colunista do Diário Las Américas de Miami. Homem de consulta permanente dos meios de comunicação (rádio, televisão e imprensa escrita) em temas de sua especialidade.
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