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Bolívia na Encruzilhada: Mudança Política, Redes Criminais e os Desafios do Novo Governo

Por Poder & Dinero

Bolívia na Encruzilhada: Mudança Política, Redes Criminais e os Desafios do Novo Governo

William Acosta, CEO da Equalizer Investigations para Poder & Dinero e FinGurú

Introdução

A Bolívia atravessa um dos momentos mais decisivos de sua história recente. Em agosto de 2025, Rodrigo Paz Pereira foi eleito como o trigésimo sétimo presidente constitucional do país, pondo fim a mais de duas décadas de domínio do Movimento ao Socialismo (El País 2025). Sua chegada ao Palácio Queimado tem um peso que vai além da política partidária: como filho do ex-presidente Jaime Paz Zamora, representa não apenas uma troca geracional, mas também a esperança dos cidadãos que buscam romper com velhos padrões e abrir espaço para uma mudança real.

Nas ruas de La Paz, Santa Cruz e Cochabamba, assim como em vilarejos remotos do Altiplano e da Amazônia, percebe-se uma mistura palpável de esperança e ceticismo. As pessoas falam menos de ideologia e mais de sobrevivência: emprego, justiça, segurança e o futuro de seus filhos. A expectativa é clara: que o novo governo possa entregar transparência, recuperação econômica e um sistema judicial que realmente funcione. Entretanto, ninguém esquece que os velhos problemas —corrupção, redes criminosas e fraqueza institucional— permanecem firmemente presentes (El País 2025; RTVE 2025).

Essa mudança de liderança por si só não garante soluções. O que oferece, no entanto, é uma rara abertura política: a possibilidade de impulsionar reformas estratégicas e inclusivas. Se isso se tornar um verdadeiro ponto de inflexão ou outra oportunidade desperdiçada dependerá de quão rápida e decididamente a nova administração converter as palavras em ações.

 

Um Novo Ciclo Político

As eleições de 2025 abriram uma porta que poucos esperavam ver tão cedo. Pela primeira vez em mais de duas décadas, o Movimento ao Socialismo deixou de ser a força dominante. Mas seu peso político e social ainda persiste, lembrando constantemente ao novo presidente que governar a Bolívia exigirá negociação e consenso, não confrontação (El País 2025).

Os bolivianos hoje não pedem milagres. Querem honestidade, um governo que ouça e justiça aplicada de maneira justa. Em um país ainda marcado por profundas divisões, este novo ciclo pode finalmente oferecer a oportunidade de reconstruir a confiança e tecer pontos em comum.

 

Narcotráfico e Redes Criminosas Transnacionais

A geografia da Bolívia a tornou vulnerável ao narcotráfico há muito tempo, mas nos últimos anos essa vulnerabilidade cresceu. A expansão das plantações de coca e dos laboratórios clandestinos transformaram o país em um corredor chave das rotas globais do narcotráfico (Organized Crime Index 2021; UNODC 2022).

Grupos criminosos poderosos estão por trás desse comércio: o Primeiro Comando da Capital e o Comando Vermelho do Brasil, os cartéis de Sinaloa e Jalisco Nova Geração do México, bem como máfias da Europa e Ásia (Mongabay 2022). E não para na cocaína. O tráfico de vida selvagem também se expandiu, com presas de onça, peles e outras espécies contrabandeadas para o exterior.

Essas redes não apenas negociam contrabando: infiltram-se nas instituições, corrompem funcionários e minam a soberania do Estado.

 

Corrupção nas Instituições de Segurança

Poucas coisas corroem mais uma nação do que forças policiais e militares que não inspiram confiança. No início de 2025, surgiram histórias de policiais extorquindo cidadãos, colaborando com máfias e encobrindo delitos. Dezena de oficiais foram expulsos, mas essas medidas pareceram mais remendos do que soluções estruturais (Noticias Fides 2025; Prensa Latina 2025; Opinión 2025).

Para os bolivianos comuns, essa corrupção não é teórica —é sua vida diária. Significa questionar se o oficial fardado está lá para protegê-los ou para explorá-los. Restaurar a confiança exigirá mais do que demissões; demandará uma reforma institucional profunda, algo que nenhum governo ainda conseguiu.

 

Corrupção Presidencial

A corrupção no topo do poder deixou cicatrizes profundas na memória política da Bolívia. Durante a presidência de Evo Morales (2006–2019), contratos milionários foram direcionados para empresas vinculadas ao seu círculo próximo, incluindo a CAMC Engineering, ligada a sua então parceira Gabriela Zapata. O escândalo alimentou acusações de tráfico de influências e enriquecimento ilícito, embora Morales nunca tenha recebido uma condenação firme (El País 2018).

A presidência interina de Jeanine Áñez (2019–2020) também não se salvou. Em maio de 2020, em plena pandemia, seu governo comprou 170 ventiladores a preços inflacionados. O escândalo levou a detenções de alto perfil, incluindo o ministro da Saúde Marcelo Navajas (Opinión 2020; Prensa Latina 2020).

Administrações anteriores também ficaram manchadas. Gonzalo Sánchez de Lozada e Eduardo Rodríguez Veltzé enfrentaram acusações de privatizações e corrupção na gestão de ativos estatais. Programas sociais como Evo Cumple foram criticados pela falta de fiscalização e gasto arbitrário (El País 2018; Opinión 2020).

Essa cadeia de escândalos alimentou o cinismo da população, que se pergunta se todo presidente está condenado a trair a confiança pública. Para Rodrigo Paz Pereira, romper esse ciclo pode definir todo o seu leadership.

 

Mineração Ilegal e Crise Ambiental

O ouro e o mercúrio, centrais na economia da mineração ilegal da Bolívia, tornaram-se destruidores silenciosos do meio ambiente do país. As rotas de contrabando canalizam mercúrio para acampamentos clandestinos que envenenam rios, devastam florestas e colocam em risco comunidades indígenas que dependem desses ecossistemas (Atualidade Ambiental 2025; Rumbo Minero 2025).

O dano não é apenas ecológico, mas também social. Os territórios mineiros frequentemente ficam sob o controle de grupos criminosos ou de operadores informais. O resultado é exploração, ausência da lei e comunidades locais vivendo sob medo. O que deveria ser uma fonte de riqueza nacional frequentemente fortalece redes criminosas, deixando terra envenenada e vidas destruídas.

 

 

Influência do Regime Venezuelano e Redes Estrangeiras

Nem todas as ameaças à Bolívia são internas. O regime venezuelano, através de grupos como o Cartel de los Soles e o Tren de Aragua, consolidou influência dentro do país, usando-o como um enclave estratégico em operações criminosas regionais (Small Wars Journal 2025; CASLA Institute 2025). Apoiado por conexões políticas e alianças de impunidade, esses grupos operam livremente, minando a soberania boliviana e complicando as respostas estatais. Esse desafio é transnacional. Enfrentá-lo sozinho é impossível; requer cooperação regional e respostas conjuntas. O isolamento não é uma opção.

 

Conclusão

A Bolívia enfrenta agora uma prova decisiva. As urnas podem ter aberto a porta para a mudança, mas a história deixa clara uma verdade: as eleições por si só não podem erradicar a corrupção nem desmantelar poderes enraizados. Para o presidente Rodrigo Paz Pereira, o desafio é demonstrar que uma liderança diferente —uma baseada em transparência, prestação de contas e inclusão real— pode triunfar onde outros falharam.

As ameaças são enormes: redes criminosas que expandem seu alcance, colapso ambiental e instituições enfraquecidas por décadas de abusos. No entanto, também existe a oportunidade. A Bolívia conta com as pessoas, os recursos e a determinação para construir uma sociedade mais justa e sustentável. O sucesso exigirá não apenas vontade política de cima, mas também participação cidadã ativa —cidadãos que exijam responsabilidade e se recusem a aceitar mais do mesmo.

Esta encruzilhada é mais do que política; trata-se de redefinir a relação entre o povo boliviano e o Estado. Trata-se de saber se o país poderá romper seu ciclo de crise e esculpir um futuro onde a democracia entregue mais do que slogans —onde entregue dignidade, segurança e esperança. O caminho não será fácil nem imediato, mas se o impulso de agosto de 2025 se transformar em um compromisso real, esta era poderá ser lembrada não pela fragilidade herdada, mas pela renovação que conseguiu atingir.

 

Referências

Atualidade Ambiental. (2025, 30 de julho). Toneladas de mercúrio do México alimentam a mineração ilegal na Bolívia, Colômbia e Peru. https://www.actualidadambiental.pe/toneladas-de-mercurio-de-mexico-alimentan-a-mineria-ilegal-en-bolivia-colombia-y-peru/

CASLA Institute. (2025, 20 de fevereiro). Informe anual 2024-2025 PDF.

https://www.oas.org/fpdb/press/INFORME-ANUAL-DEL-INSTITUTO-CASLA-2024-2025-2.pdf

El País. (2018, 8 de maio). O escândalo que provocou a queda da parceira de Evo Morales. https://elpais.com/internacional/2018/05/08/actualidad/1525798592_378107.html

El País. (2025, 18 de agosto). A Bolívia gira à direita. https://elpais.com/america/opinion/2025-08-18/bolivia-gira-a-la-derecha.html

Euronews. (2025, 18 de agosto). Bolívia: os candidatos de centro-direita vencem no primeiro turno. https://es.euronews.com/2025/08/18/bolivia-gira-a-la-derecha-el-candidato-centrista-y-el-expresidente-quiroga-se-enfrentaran-

LA Times. (2025, 24 de julho). O Peru apreende um recorde de 4 toneladas de mercúrio na luta contra a mineração ilegal de ouro. https://www.latimes.com/espanol/deportes/articulo/2025-07-24/peru-incauta-un-record-de-4-toneladas-de-mercurio-en-lucha-contra-la-mineria-ilegal-de-oro

Mongabay. (2022, 17 de agosto). Bolívia: investigação revela que três grupos criminosos internacionais controlam o tráfico de jaguar. https://es.mongabay.com/2021/01/trafico-de-jaguar-en-bolivia-tres-bandas-internacionales-chinas/

Noticias Fides. (2025, 31 de janeiro). Em janeiro, a Polícia esteve envolvida em pelo menos seis escândalos de corrupção. https://noticiasfides.com/nacional/seguridad/en-enero-la-policia-se-vio-envuelta-en-al-menos-seis-escandalos-de-corrupcion

Opinión. (2020, 21 de maio). Jeanine Áñez e o caso respiradores: assim foi o escândalo. https://www.opinion.com.bo/articulo/pais/jeanine-anez-y-el-caso-respiradores-asi-fue-el-escandalo/20200521004515774224.html

Opinión. (2025, 13 de março). Um total de 23 policiais foram demitidos até agora em 2025. https://www.opinion.com.bo/articulo/policial/total-23-policias-fueron-dados-baja-que-va-2025/20250313175126968485.html

Organized Crime Index. (2021). Bolívia. https://ocindex.net/assets/downloads/2021/spanish/ocindex_profile_bolivia_2021.pdf

Prensa Latina. (2020, 21 de maio). Detido ministro boliviano por escândalo de respiradores. https://www.prensa-latina.cu/2020/05/21/detienen-a-ministro-boliviano-por-escandalo-de-respiradores/

Prensa Latina. (2025, 26 de maio). Bolívia em espera de investigação sobre polícia corrupta. https://www.prensa-latina.cu/2025/05/26/bolivia-pendiente-de-investigacion-sobre-policia-corrupto/

Rumbo Minero. (2025, 5 de junho). O contrabando de mercúrio: as rotas. https://www.rumbominero.com/peru/noticias/mineria/el-contrabando-del-mercurio-la-ruta-del-principal-insumo-de-la-mineria-ilegal-para-extraer-oro/

RTVE. (2025, 17 de agosto). Bolívia abre a pu

erta à direita após 20 anos de Evo Morales. https://www.rtve.es/noticias/20250817/bolivia-abre-puerta-derecha-tras-20-anos-evo-morales/16698506.shtml

Small Wars Journal. (2025, 29 de maio). Perspectiva – A Guerra Cinza da Venezuela: Um Exército Criminal…? https://smallwarsjournal.com/2025/05/29/perspectiva-la-guerra-gris-de-venezuela-un-ejercito-criminal-una-ola-migrante-y-la-invasion-de-ee-uu/

UNODC. (2022). Relatório de Monitoramento de Cultivos de Coca no Estado Plurinacional da Bolívia. https://www.unodc.org/unodc/es/crop-monitoring/index.html

 

Sobre o Autor

William L. Acosta é graduado da PWU e da Universidade de Alliance. É oficial aposentado do Departamento de Polícia de Nova York, assim como fundador e CEO da Equalizer Private Investigations & Security Services Inc., uma agência licenciada em Nova York e Flórida, com projeção internacional. Desde 1999, tem liderado investigações em casos de narcóticos, homicídios e desaparecimento de pessoas, além de participar em defesa penal em níveis estadual e federal. Especialista em casos internacionais e multijurisdicionais, coordenou operações na América do Norte, Europa e América Latina.

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