04/09/2024 - politica-e-sociedade

BRASIL: LULA III ou BOLSONARO?

Por Poder & Dinero

Lula ainda está zangado com os seus 520 dias de prisão, quer vingar-se perante a história e culpa os serviços secretos americanos de conspirarem com aqueles que o processaram.

Uma eleição presidencial ganha por apenas 1% dos votos e um judiciário que perseguiu Jair Bolsonaro a ponto de não permitir sequer que ele fizesse propaganda de campanha. Uma estratégia em que a administração de Joe Biden não esteve ausente, apesar de o atual presidente do Brasil ter acusado os Estados Unidos de estarem por detrás da "Lavajato". Na realidade, foi este imenso escândalo de corrupção, que varreu o establishment económico do Brasil, que acabou por beneficiar Lula: a maioria, se não todos, os envolvidos preferiam o regresso ao poder do homem que, pelo menos, não tinha interferido nos seus negócios obscuros, e não a continuidade de Bolsonaro, que pressionou fortemente por investigações durante o seu governo. A pandemia fez a sua parte, Bolsonaro não conseguiu empatia com os sectores centristas e Lula regressou ao edifício do Planalto.

O mesmo judiciário politizado, ideologizado e assustado com o retorno de Bolsonaro, buscou nos últimos dois anos libertar os envolvidos na Lavajato (políticos e empresários de peso) e foi ainda mais longe, a ponto de proibir o ex-presidente de ser candidato novamente até 2030.

Qual é o lado negativo deste acordo político, judicial e mediático para impedir o regresso de Jair Bolsonaro? A economia do Brasil não está a passar por um bom momento (muito menos se compararmos os indicadores actuais com os deixados por Bolsonaro): subida das taxas de juro, avanços contínuos sobre a independência do Banco Central, crescimento brutal da despesa pública e dos impostos, o parlamento (verdadeiro poder no Brasil) está altamente fragmentado e o "custo das almas a satisfazer para que uma lei seja aprovada, está a aumentar".

Enquanto isto acontece, Bolsonaro mantém uma intenção de voto muito elevada e, para resumir o apoio que reúne, podemos dizer que "as ruas pertencem ao ex-presidente". Quando ele faz aparições públicas ou convoca uma manifestação, avalanches de pessoas comparecem e contrastam com as "raquíticas" convocações do Partido dos Trabalhadores (PT), suporte eleitoral de Lula. A esquerda, em particular, perdeu a principal esfera de expressão que caracterizou a política brasileira durante anos: a arena pública.

O processo político que se está a desenrolar é empolgante e, aos meus colegas e alunos brasileiros, refiro-me frequentemente a ele como "a argentinização do Brasil": de um país onde o centro dominava politicamente, presente em todos os governos, apoiando a direita e a esquerda consoante o momento (para o que tinha membros em ministérios-chave, ou legisladores cujos votos definiam a aprovação ou não de uma lei, bem como governadores muito poderosos), uma classe empresarial muito influente e um presidente com pouco poder; tornou-se um país faccioso, com uma justiça partidária e altamente ideologizada que avança até sobre o sector privado (acaba de proibir as actividades da X porque Elon Musk cometeu o sacrilégio de falar bem de Jair Bolsonaro).

A ideologização do governo Lula não parece coincidir com a sua própria história. Durante os 20 anos de ditadura militar que o Brasil viveu (entre 1964 e 1985), o atual presidente não precisou de se exilar, não foi perseguido e, pelo contrário, era considerado um sindicalista pragmático (ao melhor estilo do sindicalismo argentino) com quem se podia falar. Passado o "perigo militar", este homem do diálogo começou a vender-se como líder da esquerda dura e, juntamente com Fidel Castro, tornou-se o impulsionador de um acordo político que ainda hoje contamina as democracias da América Latina: o Foro de São Paulo. A partir daí, patrocinou o esquerdismo autoritário, embora não tenha conseguido transferir essa marca para o seu próprio país, que ainda tem anticorpos muito fortes contra essas derivas políticas.

Foram precisamente esses anticorpos que tornaram a política externa brasileira durante os dois mandatos de Lula tão oscilante quanto a própria história pessoal do presidente. Mostrou-se ao lado de Néstor Kirchner, Hugo Chávez e Evo Morales, mas enviou mensagens tranquilizadoras aos Estados Unidos: "Estou rodeado de loucos, mas fiquem descansados que sei como lidar com eles." Quer isto dizer que os americanos eram demasiado inocentes? Não, de todo. Os seus interesses estavam noutros pontos do planeta (Iraque, Afeganistão, Al-Qaeda, por exemplo) e não na América Latina, o que facilitou a estratégia de Lula.

Lula perdeu essa flexibilidade na condução da política externa. Há poucas semanas, declarou que Israel havia matado 12 milhões de palestinos, ou seja, os 7 milhões que existem mais 5 milhões que ainda vão nascer. Para além deste erro, definiu uma posição clara em relação aos Estados Unidos sobre a situação no Médio Oriente. Por outro lado, o seu braço direito em matéria de política internacional é um inimigo declarado da diplomacia ocidental: Celso Amorim, chefe da Assessoria Especial da Presidência da República Federativa do Brasil.



Há 15 anos que a Força Aérea Brasileira está envolvida num grande e dispendioso projeto de incorporação de aviões sueco/britânicos SAAB 39 ¨Gripen¨, cuja unidade de comando e controlo é inteiramente de origem israelita. Será que Lula não sabe disso? Ou o caso do conflito na Europa: "Houve guerra porque a Ucrânia se defendeu" - adivinhem quem disse isso? Seguindo o mesmo raciocínio, a Segunda Guerra Mundial teria sido iniciada pela Polónia por ter resistido à invasão da Alemanha de Adolf Hitler.

Por fim, o Brasil é hoje o maior importador mundial de gasóleo da Rússia. Foro de São Paulo, Rússia, Hamas, Maduro... O Brasil de Lula III baseia-se no diagnóstico de Amorim, profundamente anti-americano, segundo o qual o futuro é a China, os Estados Unidos estão em declínio e o mundo tornou-se um cenário multipolar. Uma visão totalmente enviesada que, evidentemente, não é partilhada pelo forte aparelho industrial e empresarial do Brasil. E, pelo menos, por metade dos eleitores brasileiros. Em que moeda estão expressos os 400 mil milhões de reservas do Banco Central? Em dólares, obviamente. Se Amorim estiver certo, a primeira coisa a fazer é mudar a carteira.

Em janeiro deste ano, 51% dos brasileiros consideravam a atual administração de Lula melhor do que a do seu antecessor, Jair Bolsonaro. Cinco meses depois e em meio a uma queda sustentada, esse percentual está em 38%, o menor nível desde o início do mandato. O grupo dos desiludidos com o atual presidente recusa-se a reconhecer que Lula é pior do que Bolsonaro e, quando lhes é pedida uma opinião, inclinam-se a dizer que as duas administrações são iguais. Mas há um dado importante que esclarece a situação: em janeiro, 9% estavam nesta categoria, hoje essa percentagem duplicou.

Fabián Calle é Fundador e Diretor da Cátedra Brasil do Centro de Estudos Macroeconómicos da Universidade da Argentina (UCEMA). Professor do Bacharelado em Relações Internacionais e do Mestrado em Estudos Internacionais. Analista político, conferencista do Jack D. Gordon Institute for Public Policy da Florida International University. Colunista do Infobae e painelista de Política Internacional em Todo Noticias (TN).

Deseja validar este artigo?

Ao validar, você está certificando que a informação publicada está correta, nos ajudando a combater a desinformação.

Validado por 0 usuários
Poder & Dinero

Poder & Dinero

Somos um conjunto de profissionais de diversos campos, apaixonados por aprender e compreender o que acontece no mundo, e suas consequências, para poder transmitir conhecimento.
Sergio Berensztein, Fabián Calle, Santiago Montoya, Pedro von Eyken, José Daniel Salinardi, Leo Moumdjian junto com um destacado grupo de jornalistas e analistas da América Latina, Estados Unidos e Europa.

YoutubeInstagram

Visualizações: 46

Comentários