27/05/2025 - politica-e-sociedade

Conservacionismo ou Colonização? O Reino Unido Redesenha o Mapa

Por Milton De Renzo

Conservacionismo ou Colonização? O Reino Unido Redesenha o Mapa

Em dezembro de 2020, o Reino Unido e a União Europeia chegaram a um acordo pós-Brexit que incluiu um ponto-chave para Londres: o controle sobre suas águas territoriais, incluindo aquelas que cercam as Ilhas Malvinas. O tratado consagrou um esquema de licenças e cotas para barcos comunitários, mas deixou claro que o Reino Unido teria a última palavra sobre quem pesca e onde. Isso representa, para a Argentina, muito mais do que uma disputa ambiental: é uma avançada geopolítica disfarçada em legalidade internacional, uma expressão moderna de conflito que nos obriga a repensar os modos como se exerce a soberania no século XXI.

A defesa dos recursos naturais sob um disfarce conservacionista começou a tomar formas cada vez mais sofisticadas. A recente proibição do cultivo de salmões na Argentina (30 de junho de 2021), impulsionada por organizações como Greenpeace, foi celebrada na mídia internacional como uma vitória ambiental. No entanto, quando se analisa o contexto geopolítico, a coincidência temporal e as consequências práticas dessa decisão, torna-se inevitável ver uma conexão com as estratégias de influência indireta que caracterizam a guerra híbrida.

O conceito de "guerra híbrida" foi desenvolvido pelo analista militar americano Frank Hoffman em seu livro Conflict in the 21st Century: The Rise of Hybrid Wars (2007). Hoffman, ex-oficial dos Marines e especialista em estratégia do Centro para a Análise Naval dos EUA, escreveu esse ensaio em um contexto marcado pela guerra do Iraque, o aumento do terrorismo global e a necessidade de novas ferramentas conceituais para entender conflitos que não seguiam as regras convencionais. Em sua tese, Hoffman define a guerra híbrida como uma forma de conflito onde se combinam ferramentas militares convencionais com táticas irregulares, guerra informativa, operações cibernéticas e pressão econômica ou política, tudo de forma simultânea e coordenada. O objetivo: erosionar a capacidade de reação do adversário sem a necessidade de uma guerra declarada.

Aplicado ao nosso caso, o controle britânico das águas em torno das Malvinas, agora fortalecido pelo acordo com a UE, configura um cenário de exclusão efetiva da Argentina na exploração de recursos pesqueiros em uma zona que reivindica como própria. Por sua vez, a legitimação desse controle é complementada por movimentos não militares, como campanhas ambientais de ONGs com sede em Londres ou Bruxelas, que atuam no Sul Global com uma suposta neutralidade que raramente é tal. Greenpeace, por exemplo, que teve um papel ativo na campanha contra a salmonicultura na Terra do Fogo, é uma organização com vínculos históricos com governos europeus e com financiamento externo significativo.

A Argentina, ao proibir o cultivo de salmões, se desarma economicamente em uma região com uma forte presença britânica e uma crescente militarização, enquanto o Reino Unido explora sem contrapesos os recursos do Atlântico Sul. Não se trata de defender a depredação ambiental, mas de compreender que as decisões estratégicas devem equilibrar a sustentabilidade com a soberania. Produzir salmão na Terra do Fogo não implicava destruir o ecossistema, mas combater economicamente em um tabuleiro onde já perdemos muitas vezes por inação ou ingenuidade.

A guerra híbrida não é ficção científica nem teoria conspiratória. É uma forma moderna de dominação onde atores estatais utilizam instrumentos não bélicos — como tratados comerciais, ONGs, financiamento externo ou regulação ambiental — para consolidar posições estratégicas. Nesse sentido, o acordo pós-Brexit, que ratifica o controle britânico sobre zonas em disputa com a Argentina, não é um fato isolado. É parte de uma estratégia de longo prazo onde se combinam poder duro e brando, com o objetivo de fechar o acesso do nosso país a seus próprios recursos.

A Argentina precisa compreender essa lógica para responder em conformidade. Devemos fortalecer nossas capacidades científicas, produtivas e diplomáticas para disputar o Atlântico Sul com inteligência e decisão. Não basta com declarações simbólicas: precisamos de políticas públicas que articulem defesa nacional com desenvolvimento econômico. Recuperar as Malvinas, no século XXI, não será uma operação militar, mas uma batalha complexa onde conhecimento, produção e soberania estão mais entrelaçados do que nunca.

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Milton De Renzo

Apaixonado pela temática relacionada a Relações Internacionais. Escritor de romances com conteúdo político como hobby.

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