Jesús Daniel Romero desde o Instituto de Inteligência Estratégica de Miami para o FinGurú
Introdução
Guatemala atravessa uma fase crítica em termos de institucionalidade e segurança. No centro do debate está o Ministro da Defesa, General Henry Sáenz Ramos, acusado de permanecer no cargo além do prazo constitucional, com um perfil administrativo distante da liderança operacional e denúncias que o ligam a possíveis concessões estratégicas a atores estrangeiros.
Como ex-representante diplomático do Departamento de Defesa dos EUA na Guatemala durante cinco anos, ofereço aqui uma análise profissional que busca contribuir para o debate público com critérios técnicos e de defesa institucional.
Permanência prolongada: ¿vulneração do marco legal?
Juristas como o Dr. Omar Barrios alertaram que a continuidade de Sáenz após 27 de junho pode contrariar o Código Penal guatemalteco, já que ele teria alcançado 33 anos de serviço militar, superando o limite permitido. A Corte Constitucional, ao negar um amparo apresentado em 24 de junho de 2025, deixou nas mãos do Executivo a responsabilidade de agir conforme a lei.
Cesões estratégicas sob suspeita: o caso Porto Quetzal
Circulou na mídia e nas redes sociais um áudio que supostamente implicaria o ministro Sáenz na entrega irregular de um terreno militar em Porto Quetzal à empresa chinesa Trans-Shipping World. Embora a autenticidade desse material não tenha sido oficialmente verificada, sua divulgação gerou sérias dúvidas sobre a transparência nas decisões estratégicas do Ministério.
DIGECAM: licenças de armas e mercado negro
O Congresso iniciou uma fiscalização à Direção Geral de Controle de Armas e Munições (DIGECAM), após denúncias de emissão irregular de licenças. Durante a gestão de Sáenz, teriam sido autorizados procedimentos pouco transparentes, o que contribuiu para o crescimento de um mercado negro de armas, segundo reportagens publicadas no início de 2025. O Ministério liberou documentos em março, após tê-los ocultado anteriormente.
Perfil castrense: ¿ausência de liderança operacional?
Diferentemente de vários de seus antecessores, o General Sáenz não possui experiência de comando direto em unidades táticas. Sua carreira se passou principalmente em funções logísticas, administrativas e de contratação. Não consta que tenha comandado batalhões ou brigadas, nem que tenha liderado unidades em cenários de crise.
Isso contrasta com figuras como:
● General Williams Mansilla (2016–2017), com experiência em combate, apesar de investigações posteriores por corrupção.
● General Juan Henry Yovani Reyes Chigua (2022), com papéis fundamentais em inteligência e forças especiais.
Em uma instituição como o Exército, onde o respeito é conquistado no campo, essa diferença não é insignificante.
Riscos institucionais e geopolíticos
Em um ambiente regional marcado pelo narcotráfico, pressões extrarregionais e redes de corrupção transnacional, a defesa nacional requer liderança sólida, experiência operacional e legitimidade interna. A percepção de que o ministro responde a interesses políticos ou externos enfraquece a moral castrense e compromete a governabilidade democrática.
Essa preocupação foi compartilhada por atores internacionais-chave. Durante a 7.ª reunião do Grupo de Trabalho de Defesa entre os EUA e a Guatemala, realizada em junho de 2024, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos — através da subsecretária Rebecca Zimmerman — instou formalmente o governo guatemalteco a “avançar em iniciativas anticorrupção, aumentar a transparência e reforçar as capacidades de supervisão institucional” dentro do setor de defesa. Essas declarações foram feitas em um fórum de alto nível co-presidido pelo próprio Ministro Henry Sáenz, o que confirma que as preocupações sobre governança e transparência castrense fazem parte do diálogo estratégico bilateral (Departamento de Defesa dos Estados Unidos, 2024).
Além disso, o Secretário de Estado Marco Rubio, em sua visita oficial à Guatemala em fevereiro de 2025, alertou que “o narcotráfico gera uma cultura de corrupção” e afirmou que os EUA apoiarão esforços para combater essa ameaça, incluindo a expansão de portos estratégicos em colaboração com engenheiros do Exército americano, com o objetivo explícito de conter a penetração chinesa em infraestrutura crítica do país.
Propostas de ação
Diante desse cenário, o presidente Arévalo deve agir com clareza e responsabilidade constitucional. A seguir, são propostas três medidas concretas:
1. Auditoria externa e independente sobre as decisões de Sáenz em matéria de terrenos, contratações e licenças.
2. Revisão formal do status legal do Ministro por parte do Ministério Público e da Controladoria Geral.
3. Nomeação de um substituto temporário com experiência operacional, que restaure a confiança interna e a imagem pública do Exército.
Conclusão
O caso de Henry Sáenz não apenas apresenta um dilema legal, mas uma profunda questão institucional: quem realmente lidera a defesa nacional da Guatemala?
Manter no cargo um ministro enfraquecido, questionado por sua trajetória e acusado de possíveis irregularidades, minará a legitimidade do aparelho de defesa em um momento em que o país precisa de firmeza, clareza e visão estratégica.
O tempo para agir é agora. Pela integridade do Estado, pela segurança do país e pelo futuro das Forças Armadas.
Referências
● Congresso da República da Guatemala. (2024, 24 de abril). A Comissão de Defesa Nacional fiscaliza a execução orçamentária e funcionamento do DIGECAM. Notícias do Congresso. https://www.congreso.gob.gt/noticias_congreso/11319/2024/3
● Prensa Libre. (2025, 24 de junho). CC rejeita amparo de coronel que questionou continuidade de altos comandos militares com 33 anos de serviço. https://www.prensalibre.com/ahora/guatemala/justicia/cc-rechaza-amparo-de-coronel-que-cuestiono-continuidad-de-altos-mandos-militares-con-33-anos-de-servicio/
Departamento de Defesa dos Estados Unidos. (2024, 5 de junho). Readout da 7.ª Reunião do Grupo de Trabalho Bilateral de Defesa EUA-Guatemala [Comunicado]. Defense.gov.https://www.defense.gov/News/Releases/Release/Article/3804343/readout-of-the-7th-us-guatemala-defense-bilateral-working-group/
Jesús Daniel Romero é Comandante Aposentado de Inteligência Naval dos Estados Unidos. Co-fundador e Senior Fellow do Miami Strategic Intelligence Institute.
Escritor, autor do best-seller da Amazon "The Final Flight: The Queen of Air". Atualmente, ele está preparando uma trilogia de livros sobre as atividades do narcotráfico na América Central, crimes transnacionais e terrorismo.
É um consultor permanente em temas de sua especialidade para veículos de comunicação do estado da Florida, e colunista destacado do Diário Las Américas da cidade de Miami.
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