Pedro von Eyken para Poder & Dinero y FinGurú
Em razão dos resultados nas recentes eleições presidenciais na Venezuela, convém ter presentes alguns dados e antecedentes sobre Cuba. A partir do século XXI, com o acesso ao poder de Hugo Chávez na Venezuela, sucedido por Nicolás Maduro em 2013, o país de Bolívar passou a ser uma colônia da metrópole com sede em Havana. Esta relação simbiótica entre ambos os países foi mais conveniente para Cuba, que contribui com seu dominante aparato de inteligência e o soft power ideológico de sua Revolução, do que para a Venezuela, generosa contribuinte à sua metrópole com o petróleo e outros recursos econômicos. Felizmente, o desastre econômico cubano de hoje não chegou a se instaurar totalmente na Venezuela atual, apesar da extrema gravidade desta.
Desde a década de 1990, Fidel Castro criou o denominado Socialismo do Século XXI, antecedente e sinônimo do Foro de São Paulo, quando admitiu que já não era tempo de revoluções armadas como a sua, triunfante em 1959 e que promoveu na América Latina entre 1960 e 1980, mas que se podia chegar ao poder mediante eleições pluralistas. Claro que, a partir daí, os líderes deviam se manter indefinidamente no poder, sem importar os métodos. A Venezuela foi o primeiro caso de sucesso e, desde então, com sorte diversa, seguiram-se Nicarágua e Bolívia.
Em abril de 2021 defendi uma tese de doutorado em ciências políticas na Universidade Católica Argentina, sob a direção do Dr. Juan Gabriel Tokatlian, da Universidade Torcuato Di Tella, intitulada A Revolução Cubana 50 anos depois: impacto dos fatores externos e internos na situação econômica e social de Cuba em 2009 [1]. Nesse trabalho acadêmico parto da minha experiência de testemunho de três anos de estadia como diplomata em Cuba (2006-2009), de percorrer integralmente a ilha e de falar com muitos cubanos dentro e fora do país. Depois de seis anos de pesquisa, considero ter provado minha hipótese de que os fatores internos (as políticas econômicas errôneas e contraditórias de Fidel Castro e seus sucessores durante 50 anos) influenciaram muito mais do que os externos (o embargo norte-americano desde 1962 e a implosão da URSS em 1991) na grave situação econômica e social em que se encontrava em 2009, ano do cinquentenário da Revolução, quando deixei a ilha. Apesar do título, a tese contém, ao final, uma atualização ao ano de 2019. Um ano depois de defender a tese de doutorado, em 2022, publiquei em Buenos Aires o livro Testemunha de uma Revolução Traída, pela editora Dunken, que constitui uma versão abreviada e dirigida ao grande público, sem a rigorosidade acadêmica e metodológica do trabalho de doutorado.
No livro procuro demonstrar, sobretudo, o seguinte:
· A revolução foi traída por dois motivos:
1°) Seu líder, durante a luta armada na Sierra Maestra e os dois primeiros anos de governo, omitiu cuidadosamente reconhecer seu verdadeiro propósito de instaurar no país o sistema político-econômico marxista-leninista. Utilizou-se da invasão de cubanos exilados na Baía dos Porcos em 1961 para justificar a mudança de sistema, que já se notava claramente há algum tempo.
2°) Durante trinta anos, entre 1961 e 1991, com a implosão soviética posterior à queda do Muro de Berlim, Cuba foi mais dependente da URSS do que havia sido dos Estados Unidos até 1959, nos âmbitos econômico, estratégico e militar. Essa dependência, sobretudo no terreno da economia, foi desastrosa para Cuba e hoje apresenta índices alarmantes de desabastecimento alimentício e energético, unido a crescentes deficiências estruturais.
· A liderança cubana, após a saída do poder de Fidel Castro em 2006 e sua morte, uma década depois, não deu nenhum passo concreto e contínuo tendente a amenizar uma ortodoxia marxista-leninista estrita em benefício da economia de mercado. Um capítulo do livro (e também da tese de doutorado) é dedicado, precisamente, a comparar a evolução econômica de Cuba com a do Vietnã: ambos os países mantêm até hoje o marxismo-leninismo político. No entanto, enquanto o país asiático, antes de 1991, introduziu uma economia de mercado, a ilha do Caribe se mantém estritamente apegada à mesma rigidez dos primórdios. Isso causou mais dano à sua economia do que o embargo (mal chamado bloqueio) imposto pelos EUA em 1962, agravado pela implosão soviética de 1991. As diferenças entre os dois países estão à vista.
Dr. Pedro von Eyken
*Politólogo e diplomata
Licenciado e Doutor em Ciências Políticas pela Universidade Católica Argentina. Carreira diplomática 1983-2022. Destinos no exterior: Cônsul em Hamburgo (1986-1991); Conselheiro Político na embaixada na Alemanha (1993-1998); Ministro Plenipotenciário e Encarregado de Negócios em Cuba (2006-2009); Ministro Plenipotenciário e Encarregado de Negócios na Finlândia (2009-2012); Embaixador no Haiti (2017-2019). Autor do livro "Testemunha de uma revolução traída" (Buenos Aires, Dunken, 2022). Colunista do jornal "La Prensa" de Buenos Aires e outros meios orais e escritos. Presidente do Rotary Club do Rio da Prata 2023-2024.
[1] Repositório digital da UCA, link: https://repositorio.uca.edu.ar/handle/123456789/11539?locale=en
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