A Antártida é o continente mais austral da Terra, destaca-se por suas severas condições climáticas que a tornam o lugar mais frio, seco e ventoso do planeta, com 99% de sua superfície coberta de gelo. Esse ambiente hostil e gelado explica por que foi a última região da Terra a ser descoberta, há apenas 200 anos.
Seu descobrimento continua sendo um tema de debate. A história oficial documenta a primeira chegada às costas antárticas no início do século XIX e reconhece Edward Bransfield (capitão da Marinha Real Britânica), Nathaniel Palmer (capitão americano) e Fabian Gottlieb von Bellingshausen (marinheiro do Império Russo) como co-descobridores do continente. No entanto, é plausível que os primeiros a pisar a terra antártica, sem deixar registro disso, foram marinheiros de diversas frotas que, na busca pelo lucrativo óleo de baleias e focas, operavam à margem do reconhecimento cartográfico oficial, frequentemente guardando seus descobrimentos com recelo, motivados por uma estrita lógica econômica de preservar os ganhos oligopólicos da exploração marítima.
A Antártida se tornou o último bastião na competição pelo controle de novos territórios e recursos durante a expansão imperialista. Essa corrida ao Polo Sul entre as principais potências transformou o continente branco de um objetivo meramente comercial para caçadores de focas e baleias, em um interesse primordial para a ciência e a exploração geográfica. Assim, desde o final do século XIX e início do século XX, desenvolveu-se a chamada "Idade Heróica da Exploração Antártica", caracterizada por um esforço internacional voltado ao avanço científico e geográfico do continente.
No entanto, embora o conhecimento obtido da exploração da Antártida tenha resultado em um bem público, a evolução das políticas polares foi marcada pelo interesse geopolítico dos Estados ocidentais em estabelecer presença e fortalecer suas posições estratégicas no continente. Durante a primeira metade do século XX, os interesses territoriais de sete países europeus e latino-americanos (Argentina, Austrália, Chile, França, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido) na Antártida geraram tensões internacionais que só dissiparam graças à intervenção dos Estados Unidos. Essa intervenção, juntamente com a África do Sul, Bélgica, Japão e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), levou à assinatura do Tratado Antártico em 1º de dezembro de 1959.
O Tratado Antártico estabeleceu um equilíbrio de poder entre os doze Estados com reivindicações no continente antártico e lançou as bases para uma governança cooperativa e pacífica, marcando um marco na colaboração internacional. Atualmente, existem 38 países entre os signatários, e seu objetivo élimitar as atividades militares no continente a fim de promover a pesquisa científica e a paz, assim como fomentar a conservação dos ecossistemas e a proteção do meio ambiente antártico. Nesse sentido, o Tratado proíbe a realização de exercícios militares e nucleares, assim como o estabelecimento de bases com fins bélicos, proclamando a liberdade de pesquisa científica e reconhecendo a existência prévia de reivindicações territoriais por parte de alguns Estados signatários.
Sua durabilidade e evolução por meio de instrumentos adicionais, como o Protocolo de Madri de 1991, que proíbe a exploração mineral comercial por um período de 50 anos, foram fatores determinantes para a governança efetiva do território. No entanto, uma descoberta recente pode intensificar novamente as disputas pelo controle da Antártida e colocar em risco a continuidade desse regime de cooperação internacional.
De acordo com o jornal britânico The Telegraph, em 11 de maio passado, a empresa russa, RosGeo, descobriu na Antártida um depósito petrolífero. Seria o maior reservatório de petróleo do mundo, com reservas estimadas em 511 bilhões de barris. Seu tamanho seria equivalente ao dobro das reservas da Arábia Saudita e 30 vezes as de Vaca Muerta.
A recente descoberta acendeu novamente o alarme sobre uma possível disputa geopolítica pelo controle e soberania da região, o que tem crucial importância para a Argentina, já que a descoberta teria ocorrido dentro do território antártico com presença de bases argentinas, que abrangem desde o Polo Sul até a Península Antártica e o Mar de Weddell. As expectativas sobre o início de explorações militares e comerciais na região aumentaram significativamente, considerando a presença de Vladimir Putin no comando da Rússia, o que gerou maior inquietação no âmbito internacional.
Em resumo, o atual contexto geopolítico na Antártida se enquadra em uma dinâmica complexa que poderia ser interpretada através da teoria dos jogos. Os países com interesses na região participam de um jogo onde a cooperação é fundamental, e possivelmente obteriam maiores benefícios se conseguissem consenso dentro do marco do Tratado Antártico. No entanto, a recente descoberta do depósito petrolífero introduziu incentivos que poderiam desafiar essa cooperação. Em particular, a Rússia, ao ter realizado a descoberta, pode estar tentada a buscar benefícios individuais em vez de manter a colaboração estabelecida pelo Tratado. Essa situação coloca um desafio para o regime de governança internacional na Antártida, colocando em risco a estabilidade e a continuidade da cooperação no continente.
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