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Devconnect 2024: mais do que um evento técnico, um mapa ideológico do mundo que está por vir.

Por Mila Zurbriggen Schaller

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Um evento que funciona como uma cidade paralela

Devconnect se desdobrou como um ecossistema: centenas de palestras, side-events, hackathons, hubs temáticos, workshops e encontros autogeridos por comunidades globais. Não havia um centro nem uma autoridade: a descentralização também estava na forma do evento.
O espírito era claro: a infraestrutura do futuro não virá de cima, mas de redes distribuídas de pessoas que constroem sem pedir permissão.

Falou-se sobre escalabilidade, ZK proofs, modularidade de chains, novos padrões de identidade digital, modelos de governança DAO, tokenomics sustentáveis e reestruturação do sistema financeiro tradicional. Mas por trás do técnico havia outra camada: a pergunta sobre o poder.


Blockchain como território ideológico

Diferente de outras indústrias tecnológicas que nasceram sob estruturas corporativas —a Web2 dominada pelo Vale do Silício, os gigantes das redes sociais e o capital de risco—, a Web3 nasceu atravessada por correntes filosóficas, tensões políticas e disputas éticas.

O anarcocapitalismo tecnológico

Uma parte importante do ecossistema se guia por uma premissa:
“O Estado é um intermediário desnecessário; a tecnologia deve substituí-lo.”
É a ideologia que vê a blockchain como uma arma contra a burocracia e os monopólios estatais. São aqueles que abraçam a radicalidade: dinheiro sem bancos, contratos sem juízes, coordenação sem políticos. Não se preocupam com o caos: veem isso como o preço da liberdade.

O cripto-realismo ou “libertarismo pragmático”

Outro grupo entende que a tecnologia pode transformar, mas não abolir, a ordem existente. Buscam pontes entre Web3 e Estado, entre reguladores e builders. Veem a blockchain como infraestrutura de confiança, não como ferramenta de insurgência. São os que falam de compliance, institucionalização e adoção maciça.

A corrente comunitária

Há também um movimento que vê a Web3 como um modo de corrigir os erros do capitalismo digital:

  • propriedade coletiva de plataformas,

  • distribuição equitativa de valor,

  • governanças participativas,

  • impacto ambiental medido,

  • identidade digital como direito humano.
    Essa corrente busca que a tecnologia não apenas descentralize, mas também democratize.

Os tecno-otimistas da 4ª Revolução Industrial.

Muitos participantes foram com uma perspectiva mais ampla: blockchain como parte de um tsunami tecnológico que inclui IA, IoT, robótica, biotecnologia, economias de máquina e automação total.
A partir dessa visão, o que está em jogo é uma mudança civilizatória, onde os sistemas socioeconômicos devem se adaptar ou colapsar sob a velocidade do progresso.


O que o Devconnect mostrou no fundo

Além do entusiasmo e da inovação, o Devconnect deixou três conclusões fundamentais:

A Web3 não é politicamente neutra

Cada protocolo, cada decisão sobre governança, cada modelo econômico traz implícita uma filosofia sobre como a sociedade deve ser organizada. A ideia de que “a tecnologia é apenas um código” já não se sustenta: a tecnologia e seus efeitos geram diferentes correntes políticas.

A 4ª revolução industrial é também uma revolução do poder

Se a Web3 escalar, não apenas as finanças vão mudar: mudará a forma como as pessoas votam, se organizam, trabalham, produzem e se identificam. Isso mudará quem tem autoridade e quem não tem.

As comunidades estão escrevendo o futuro que os Estados ainda não entendem

Enquanto os governos regulam olhando para o passado, essas comunidades constroem o futuro em tempo real. E o que constroem não responde a fronteiras, nem a antigos partidos, nem a burocracias herdadas.


Um mundo que ainda não sabe como será

Devconnect mostrou que a blockchain já não é apenas tecnologia: é um território de disputa cultural. Cada cadeia, DAO, protocolo ou workshop é na verdade um ensaio sobre como a sociedade poderia ser organizada nos próximos 10, 20 ou 50 anos.

A 4ª revolução industrial avança, e com ela emergem novas formas de poder, novas tensões e novos imaginários.
Qual modelo triunfará? O libertário radical, o híbrido institucional, o comunitário ou um que ainda não vimos?

A única coisa clara é que esse ecossistema não está esperando permissão para inventá-lo.

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Mila Zurbriggen Schaller

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