A história da casa real russa é transcendente para compreender algumas das razões que explicam a atualidade bélica da Rússia.
Nesse sentido, particular relevância tem o czar Pedro I, que governou entre os anos 1682 e 1725, que foi artífice de profundas reformas institucionais posicionando seu império entre as primeiras potências europeias, fundando cidades como São Petersburgo, reorganizando o exército com tecnologia ocidental e expandindo seu território, para o qual fundou a Armada Russa.
Assim declarou a guerra à Suécia e começou uma série de conflitos armados que se espalharam entre os anos 1700 e 1721, finalizando com a derrota do exército sueco, por isso conseguiu controlar o Mar Báltico e o Mar Negro, expulsar os tártaros e concordar com a Polónia para obter a cidade de Kiev.
Pedro I sabia que devia conquistar os mares, pois sustentava que um soberano que só possuía um exército tinha uma mão, enquanto que quem possuía a marinha, tinha dois.
O exposto, gerou no atual primeiro mandatário russo uma profunda admiração, pois afirma que Pedro I criou um “exército invencible” e que “não arrebatou nada, mas recuperou o que lhes pertencia”.
Nesse sentido, após vinte e sete anos de chegar ao poder, Vladimir Putin ordenou, em 24 de fevereiro último, que as tropas do exército do seu país invadissem a Ucrânia e justificou a sua ação argumentando que se propõe proteger as pessoas que são alvo de abusos e do genocídio do regime de Kiev durante oito anos e para isso é necessário desnazificar a Ucrânia, além de lhe exigir “neutralidade” via compromisso de não adesão à OTAN, inexistência de bases e armamentos estrangeiros no país, a anexação da Crimeia e o reconhecimento de independência das regiões de Donetsk e de Lugansk.
Note-se que a Rússia é o terceiro produtor mundial de petróleo, o segundo de gás natural e se posiciona em lugares de privilégio como produtor de aço, niquel e alumínio; amem de liderar as exportações de trigo (quase 20% do comércio mundial) e destacar-se nas de milho e girassol.
No entanto, o domínio territorial da Ucrânia significaria anexar uma superfície arável e produtiva muito importante de milho, trigo, girassol, beterraba açucareira, cevada, soja e colza. É também um excelente fornecedor de madeira a toda a Europa e tem reservas comprovadas muito importantes de petróleo e gás (off shore) e carvão.
Em matéria de reservas recuperáveis de urânio, a Ucrânia detém o primeiro lugar.
A produção conjunta de trigo de ambos os países atingiu quase 65 milhões de toneladas em 2021, canalizando grande percentagem das exportações da mesma pelo Mar Negro, cuja zona costeira norte faz parte do cenário bélico atual.
A produção desse cereal por parte da Ucrânia significa mais de 80% das importações do Líbano e metade da Somália, da Síria e da Líbia.
Com a ocupação da região de Donbas, a mais rica da Ucrânia, cumpre-se um objetivo vital para conquistar todas as costas do Mar Negro, o que impede a saída mais importante para a sua economia.
Atualmente, há mais de 30 milhões de toneladas de grãos bloqueados nos portos ucranianos localizados nas costeras do Mar Negro e do Mar de Azov.
Em meio a acusações cruzadas e acusações estridentes de falsos triunfos com a huída de quase sete milhões de habitantes ucranianos e com um conflito que parece não ter fim no curto prazo, o futuro é sombrio, máxime se for considerado o nível de destruição de culturas, vias férreas, estradas, fábricas, habitações; etc.
Enquanto isso, os mercados financeiros globais caíram bruscamente e os preços do petróleo, do gás, dos metais e das matérias-primas alimentares aumentaram.
É por isso que se avizinham crises alimentares agudas no Norte da África e no Médio Oriente, amém de problemas sérios para vários países da União Europeia, incluindo a Itália que denuncia: “a guerra mundial do pão já começou”.
A inflação no mundo é outra realidade indiscutível.
O conflito bélico parece estender-se por tempo indeterminado, enquanto Putin sonha com o domínio absoluto dos cinco mares: Branco, Báltico, Azov, Cáspio e Negro.
Tudo acontece diante da aparente atitude “neutral e silenciosa” da República Popular da China, que continua com a Segunda Rota da Seda e a expansão da quarta geração de tecnologias de telefonia móvel, juntamente com a digitalização de processos produtivos, comerciais e financeiros.
Além do sucesso ou fracasso na conquista de territórios, fica claro que toda guerra significa uma derrota para a humanidade.
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