01/03/2023 - politica-e-sociedade

O Sistema do Tratado da Antárctida: A Antárctida na geopolítica regional e mundial

Por juan gentiletti

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A Antártida, um caso especial no mundo

Quando fazemos alusão a quem controla um território, ineludivelmente, os olhars se posam sobre a soberania que um Estado possui sobre esse, sendo o espaço geográfico delimitado atributo ou aspecto da soberania. No entanto, a Antártida, é um caso especial, único no mundo. A Antártida é o sexto continente e o mais austral, e conta com uma superfície de 13.66 km2, mas não pertence a nenhum Estado. Isto último, não elimina numerosos Estados que têm (e o continuam a fazer) reclamando parte do seu território, nem que não tenha qualquer tipo de administração.

O continente branco apresenta-se como um continente vazio e deserto com duras condições climáticas que tornam difícil a vida cotidiana. No entanto, o interesse que despertou nos Estados ao longo da história tem origem em outras razões. Para começar, a Antártida é reservatório de 70% de toda a água doce do planeta. Mas também se verificou, graças à crescente quantidade de expedições, a abundância de muitos outros recursos naturais como o petróleo e o gás natural que eaceiam abaixo das grossas camadas de gelo.

Atualmente são sete os países que reivindicam soberania sobre parte da Antártida: Argentina, Austrália, Chile, França, Noruega, Nova Zelândia e Reino Unido. Alguns deles justificam sua reivindicação por contigüidade e continuidade geográfica, enquanto outros o fazem por possuir registros de expedições mais remotas no passado. Isto não elimina os únicos Estados que hoje têm presença no continente, mas não é pouco significativo o facto de estes sete terem sido parte dos doze Estados signatários do Tratado da Antárctida.

O Tratado da Antárctida e a sua importância na ordem mundial

[caption id="attachment_ 8093" align=" alignright" width="300"] A Ordem Mundial (2018)[/caption]

O Tratado da Antárctida foi assinado em 1959 por 12 países na cidade de Washington. Nesses tempos, no sistema internacional havia se configurado uma ordem bipolar de forte disputa ideológica e corrida armamentística e que irradiava a todo o globo. Com vista a manter a zona afastada desta rivalidade sistêmica, é que se acima do Tratado Antárctico. Este fato não significou pouco, já que dentro dos signatários se encontravam tanto os Estados Unidos como a União Soviética.

A gestão mancomunada da Antártida que nasce então em um contexto de desconfiança total entre as partes, apresenta-se como um grande marco. Mas estes esforços não foram plasmados num único tratado, mas com o tempo, a partir dele, foram muitas as convenções que foram acordadas para regular a conservação da flora e da fauna, atividades e proteção do meio ambiente. A razão da assinatura desta série de instrumentos jurídicos, que compõem o que podemos denominar como o regime antártico, encontra-se no interesse marcado que despertou o continente branco em cada vez mais atores da comunidade internacional. Prova disso, encontrámos a crescente quantidade de Estados que aderiram ao Tratado da Antárctida na qualidade de partes consultivas e não consultivas. A legitimidade com que este sistema antártico emergiu e também com a vigência que este se manteve, nos permite afirmar que estamos perante um dos regimes mais fortes desde a Segunda Guerra Mundial.

Debilidades e ameaças ao regime antártico: sobreposição de reclamações territoriais e rivalidades entre os Estados.

O Tratado da Antárctida, entre outras disposições, proíbe os exercícios militares e nucleares, a instalação de bases para fins militares, proclama a liberdade de investigação científica e reconhece a existência de queixas territoriais prévias à assinatura do acordo. Não menos importante para este regime internacional, é o Protocolo de Madrid de 1991, que proíbe a exploração comercial de recursos mineiros por 50 anos.

No entanto, o regime antártico não está isento de fraquezas e ameaças. Para começar, as reclamações territoriais da Argentina, Chile e Reino Unido, se sobrepõem, e isso não é tema menor. Assim, as tensões entre estes três Estados aumentam. Por trás do receio entre Buenos Aires e Londres, encontra-se a disputa pela soberania das Ilhas Malvinas, de onde o Reino Unido organiza grande parte de sua logística antártica. Por sua vez, para alguns setores nacionalistas é difícil esquecer a rivalidade entre a Argentina e o Chile (a causa de enfrentamento por limites fronteiriços e receios geopolíticos) cujo ponto culmine foi alcançado durante o conflito do Canal do Beagle.

A simples vista, parece que as rivalidades mencionadas não são mais do que antigos curtos-circuitos que tinham ficado sepultadas no passado, mas na verdade acabaram sedimentando nas percepções de alguns estratos das sociedades e classes direcionais.

Na Argentina, a retórica anticolonialista contra o Reino Unido se acentuou durante os governos de Néstor Kirchner e Cristina Fernández de Kirchner, com ações como a delimitação final da plataforma continental e diversos intercâmbios de notas diplomáticas com o Foreign Office por exercícios militares, pesca e extração de minerais em águas territoriais em disputa. Por sua vez, recentemente, em 2021, o então presidente chileno Frederico Pinedo e o atual presidente argentino Alberto Fernández chocaram pela reivindicação chileno de uma área marítima de 5.500 quilômetros abaixo da ilha de Terra do Fogo. Além disso, o governo argentino de Fernández aumentou o patrulhamento na vizinhança antárticas despertando o resquemor chileno e britânico.

Apesar de conviver com tensões, a cooperação antártica conseguiu robustecerse, inclusive entre estes três países mencionados que têm sobrepostas suas queixas territoriais. O estabelecimento da Patrulha Naval Antártica Combinada entre o Chile e a Argentina, os diferentes trabalhos na Comissão Parlamentar Conjunta, e a recente criação da Comissão Binacional em Matéria Antártica, demonstram que a cooperação entre os dois países se afiança. Além disso, o certo que por trás destes esforços para fortalecer o “pilar latino-americano” do regime antártico está o interesse de fazer valer suas reivindicações territoriais por contigüidade e continuidade geográfica frente às aspirações do Reino Unido.

A arista da cooperação antártica entre Reino Unido e Argentina, embora não seja tão sólida como a Argentina-chilena, também deu alguns indícios de distensão, mas de forma interrompida. Além do levantamento da oposição britânica para estabelecer a Secretaria do Tratado Atlântico em Buenos Aires, uma última grande aproximação ocorreu em 2018 com a assinatura de um memorando de entendimento.

Ao longo deste artigo, vimos como a Antártida despertou, ao longo do tempo, cada vez maior interesse e como essa tendência contribuiu para fortalecer o regime antártico. No entanto, no momento, parece que as avançadas das potências sobre o território parecem manter-se modestas se compararmos com, por exemplo, o cenário Ártico.

Embora seja verdade que os diferentes Estados tenham aumentado a sua presença na Antárctida com a instalação de bases científicas e o número de rubricas orçamentais destinadas à exploração, tudo parece indicar que se trata de um ressurgimento do peso dos Estados dentro do sistema antártico. A verdade é que o Tratado da Antárctida fixou um status quo da distribuição de poder que tinha o sistema internacional nos albores da década de sessenta, distribuição que foi modificada no presente. Desde então, novos atores ganharam poder e outros viram seus atributos mermados. Um exemplo claro desta descrição encontra-se na China, que aderido ao Tratado e ganhou o estatuto de parte consultiva, além de ter instalado bases no território.

O ano 2048 será um novo grande teste onde o regime antártico deve demonstrar sua robustez como o veio fazendo ao longo da sua vigência. Esta data, de elevado perfil mediático, não significa o fim do Tratado da Antárctida, mas a data estipulada para a revisão do Protocolo de Madrid relativa à utilização de recursos minerais que não seja científica.

Para encerrar, é importante salientar que este regime antártico conseguiu sobreviver graças ao entendimento entre as potências envolvidas, mas também devido aos grandes esforços dos Estados mais fracos para mantê-lo. Neste sentido, representa um caso emblemático e esperançoso de cooperação e de compromisso entre Estados, numa ordem internacional cada vez mais instável e rude.

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juan gentiletti

juan gentiletti

Olá, sou João, tenho 24 anos, sou argentino e atualmente estudante avançado da carreira de Relações Internacionais da Universidade Nacional de Rosário (UNR).

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