Nos últimos anos, as empresas transformaram radicalmente o seu modelo de negócio, deixando de se centrar na venda de produtos para oferecer serviços baseados em subscrições mensais. Esta mudança não só alterou a forma como consumimos, como também deu origem a uma economia digital em que os dados dos utilizadores se tornaram o recurso mais valioso. Um exemplo paradigmático desta transição é a substituição das lojas de vídeo, como a Blockbuster, por plataformas como a Netflix, que oferecem acesso ilimitado a séries e filmes em troca de uma mensalidade.
Navegando no YouTube, o canal Trending Tony chamou a minha atenção com uma análise das empresas que adoptaram este modelo. De aplicações de música como o Spotify a software que costumava ser comprado em pacotes e que agora só é acessível através de subscrições (como o Adobe Creative Cloud), o fenómeno abrange vários sectores. A tendência é clara: as empresas procuram fidelizar os clientes através de serviços contínuos, mas com uma condição adicional e menos visível: a troca constante de dados pessoais.
No seu livro Homo Deus: Uma Breve História do Amanhã, o historiador israelita Yuval Noah Harari esclarece como os dados estão a moldar o futuro do mercado e da humanidade. Publicado em 2015, este bestseller explora a forma como a inteligência artificial e o big data estão a redefinir as nossas relações económicas e sociais. Harari, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém, argumenta que os dados assumiram o papel outrora ocupado pelos bens de consumo, estabelecendo-se como o principal motor do capitalismo contemporâneo.
De acordo com Harari, na era da informação, o valor dos dados reside na sua capacidade de prever e moldar o comportamento humano. Isto está diretamente relacionado com o modelo de subscrição: quando um utilizador opta por pagar um serviço mensal, a empresa não só obtém receitas recorrentes, como também um fluxo constante de informações sobre os seus hábitos de consumo, preferências e tempos de utilização. A Netflix, por exemplo, utiliza algoritmos avançados para analisar o que vemos, durante quanto tempo e quando pausamos um episódio. Estes dados não só permitem otimizar as recomendações, como também são essenciais para a conceção de conteúdos originais que garantam a permanência dos utilizadores na plataforma.
O conceito de "dataísmo" introduzido por Harari torna-se aqui relevante. Esta nova religião secular, como ele lhe chama, posiciona o fluxo de dados como a essência de todas as formas de vida e de atividade económica. As empresas de subscrição, longe de serem meras prestadoras de serviços, tornam-se intermediárias neste fluxo, obtendo informação crítica que podem rentabilizar ou utilizar para consolidar o seu domínio do mercado.
O modelo também levanta questões éticas: como fica a privacidade do utilizador? Enquanto os consumidores desfrutam da conveniência do acesso ilimitado, as informações que cedemos em troca estão nas mãos de grandes corporações cuja transparência é muitas vezes questionável. Na Argentina, onde a digitalização está a avançar rapidamente, as empresas locais estão a começar a replicar estas práticas. Plataformas nacionais de streaming, aplicativos de entrega e serviços de armazenamento em nuvem já operam com o mesmo princípio: fidelidade baseada em assinatura, sustentada pela coleta de dados.
No entanto, este modelo também transforma a nossa experiência subjectiva, um tema abordado pelo filósofo sul-coreano Byung-Chul Han em The Agony of Eros, publicado em 2012. Han, professor na Universidade de Artes de Berlim e um reconhecido crítico do capitalismo contemporâneo, explora neste ensaio a forma como a lógica neoliberal e tecnológica corrói a nossa capacidade de desejar. Segundo Han, numa sociedade regida pelo consumo instantâneo e pelo acesso ilimitado, o desejo profundo, que requer tempo e mistério, é relegado para segundo plano. No modelo de subscrição, em que tudo está à distância de um clique, o ato de esperar ou ansiar perde o seu valor.
Han escreveu A Agonia de Eros como um aviso contra um mundo onde as relações humanas e a nossa subjetividade são colonizadas pela dinâmica do mercado. Neste contexto, as assinaturas não são apenas um mecanismo económico, mas também uma ferramenta de controlo emocional e psicológico. O consumo contínuo elimina o espaço para a reflexão, transformando-nos em utilizadores permanentemente ocupados, mas desligados do desejo genuíno.
A questão central é: o que é que esta transição implica para a nossa subjetividade? Por um lado, como defende Harari, estamos perante um sistema em que o fluxo de dados define o poder e as relações económicas. Por outro lado, como alerta Han, este modelo ameaça esvaziar a nossa capacidade de desejar, criando uma sociedade cada vez mais superficial e homogénea.
Em última análise, o modelo de subscrição representa muito mais do que uma mudança na forma como consumimos. É um fenómeno que redefine as relações económicas, políticas e afectivas, traçando o rumo de uma humanidade presa entre a sedução do acesso ilimitado e a perda da sua autonomia. Estaremos preparados para enfrentar as consequências desta mudança? A questão permanece em aberto.
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