Em 2007, após uma forte mobilização de organizações ambientalistas e comunidades indígenas, o Congresso argentino aprovou a Lei 26.331 sobre Normas Mínimas para a Proteção Ambiental das Florestas Nativas, mais conhecida como Lei da Floresta Nativa. A sua aprovação foi histórica: conseguiu travar momentaneamente o avanço descontrolado da fronteira agrícola sobre os últimos vestígios de floresta autóctone no país. De acordo com esta lei, cada província teve de elaborar o seu próprio Ordenamento Territorial das Florestas Autóctones (OTBN), classificando o seu território de acordo com três categorias de conservação:
Zonasvermelhas, de elevado valor ecológico, onde não pode haver qualquer transformação;
Zonasamarelas, de valor médio, onde são permitidos certos usos sustentáveis;
Zonasverdes, onde é permitida a alteração do uso do solo (por exemplo, para a pecuária ou a agricultura).
Em teoria, este esquema permitia conciliar o desenvolvimento produtivo com a preservação dos ecossistemas. Na prática, porém, a sua aplicação foi deixada ao critério de cada província. A lei nacional não estabeleceu mecanismos de controlo ou de sanção eficazes para garantir que os regulamentos provinciais respeitassem os objectivos gerais de conservação. Assim, cada jurisdição foi livre de definir os seus mapas de acordo com os seus próprios interesses políticos e produtivos, com consequências muito díspares em termos ambientais.
O caso de Formosa é particularmente preocupante. Apesar de possuir uma das maiores áreas de Floresta Chaqueño, sua aplicação da OTBN tem sido deficiente. A desflorestação continua a avançar, sobretudo nos departamentos menos povoados, onde não existem actores sociais organizados que possam exigir o cumprimento da lei. Este artigo analisa estas dinâmicas e propõe algumas vias possíveis para as inverter.
Porque é que a OTBN não está a ser cumprida em Formosa?
Formosa tem uma configuração política estável há mais de quatro décadas: o mesmo partido tem governado ininterruptamente desde o retorno da democracia. Mas esta estabilidade não se traduz em políticas ambientais eficazes.
A explicação não está tanto na capacidade do Estado, mas na ausência de pressão social organizada. Em províncias como Chaco e Santiago del Estero, onde existem fortes movimentos conservacionistas, a Lei Florestal é aplicada com mais rigor. Em Formosa, por outro lado, os grandes proprietários de terras têm carta branca para pressionar por uma utilização mais laxista da terra, sem controlos e equilíbrios eficazes.
Além disso, apesar de cada província ter de aprovar a sua própria lei de ordenamento do território com base nas orientações estabelecidas pela Lei Nacional 26.331, não existe um mecanismo de controlo rigoroso que garanta que estes regulamentos provinciais estão fielmente em conformidade com os objectivos nacionais. Isto deixa uma ampla margem de discrição aos governos locais, que podem conceber regulamentos permissivos sem consequências legais ou sanções concretas. Assim, o espírito da lei nacional pode ser esbatido na sua aplicação concreta.
Esta situação é agravada pela distribuição demográfica: mais de 70% da população vive em dois departamentos na parte oriental da província (Formosa Capital e Pilcomayo), enquanto o resto do território - onde se concentra a maior parte da floresta do Chaco - está praticamente vazio. Sem vizinhos organizados, ONGs activas e movimentos indígenas com poder de negociação, não há ninguém para defender a floresta. Como resultado, as áreas "verdes" (de baixa conservação e aptas à transformação produtiva) coincidem quase perfeitamente com os departamentos menos povoados. A desflorestação avança, portanto, em silêncio.
O caso de Bermejo: uma amostra do problema
O departamento de Bermejo, situado no oeste de Formosa, resume as principais falhas do modelo atual. Trata-se de uma região extensa, com uma densidade populacional muito baixa e grandes áreas classificadas como zonas verdes, ou seja, aptas para a transformação produtiva da terra. É, portanto, um terreno ideal para o avanço da pecuária extensiva e da desflorestação, sem resistência social significativa.
Em Bermejo não existem movimentos ambientalistas activos nem comunidades organizadas que possam articular reivindicações de conservação. Também não há uma presença constante do Estado provincial ou mecanismos efectivos de fiscalização. A aplicação da OTBN é quase inexistente. Como resultado, o destino da floresta é deixado exclusivamente nas mãos dos interesses produtivos, principalmente dos grandes proprietários rurais que operam sem controlo.
A escolha do Bermejo como caso de estudo revela uma lógica preocupante: onde não há pressão social, a lei não é aplicada. A falta de habitantes não só facilita a desflorestação, como também impede a formação daquilo a que os investigadores chamam "coligações de conservação", ou seja, grupos sociais com capacidade de exercer influência política para exigir a proteção da floresta.
Pela mesma razão, Bermejo também representa uma oportunidade. Qualquer estratégia que procure melhorar a implementação da lei - como a introdução de incentivos económicos para a produção sustentável, a atração de novos actores com interesse na conservação, ou o reforço da presença do Estado - deve começar em áreas onde a lei está atualmente ausente. Se a tendência em áreas como o Bermejo puder ser invertida, poderá criar um precedente que poderá ser replicado noutras regiões do país.
O que pode ser feito?
Perante este cenário, é necessário pensar em estratégias inovadoras que não dependam apenas da pressão social (que não existe) ou do voluntarismo político (que é pouco provável). Uma alternativa explorada em nossa pesquisa é o Manejo Integrado Floresta Pecuária (MIFP): uma técnica que combina a produção pecuária com a conservação ambiental.
Embora o IFLM não resolva o problema estrutural subjacente, pode gerar novos actores interessados em preservar a floresta, oferecendo rentabilidade económica àqueles que produzem de forma sustentável. Além disso, sua implementação poderia ser financiada por meio de títulos verdes ou sociais, ferramentas financeiras que canalizam investimentos com critérios ambientais. Isso pode criar uma nova coalizão ambiental em Formosa? Pode interessar o governo provincial em troca de benefícios fiscais ou votos rurais? Não há garantias, mas é urgente pensar em alternativas.
A história do OTBN em Formosa é um aviso: ter boas leis não é suficiente. Se as regras não forem cumpridas, e se não houver quem as defenda, o desmatamento continuará avançando. A solução não passa por uma única ferramenta técnica ou por um novo plano mágico, mas por uma combinação de incentivos políticos, pressão social e estratégias de desenvolvimento sustentável. Para que as florestas sejam salvas, elas precisam ser defendidas - e, para isso, devem primeiro ser povoadas com novos interesses que olhem além do desmatamento imediato.
Agradecimentos
Esta nota foi inspirada em pesquisas realizadas no âmbito da Universidade Torcuato Di Tella. Agradeço especialmente a orientação das Professoras Candelaria Garay e Florencia Gallinger, bem como o trabalho partilhado com Pilar Bartolomé, María Lourdes Castillo e Lisandro Zilbervarg. O foco da análise retoma, em parte, as ideias desenvolvidas por Garay e Fernández Milmanda em sua pesquisa sobre política ambiental na Argentina (2019; 2020), cujas contribuições foram fundamentais para pensar sobre os desafios institucionais de conformidade e proteção ambiental em contextos subnacionais.
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