28/09/2023 - politica-e-sociedade

A Intervenção Estadual na Atividade Privada. A Igualdade diante da Lei. Duas falhas do Supremo Tribunal dos EUA.

Por enrique tourvel

A Intervenção Estadual na Atividade Privada. A Igualdade diante da Lei. Duas falhas do Supremo Tribunal dos EUA.

A ruptura do princípio convencional de igualdade perante a lei.
Em dezembro de 2011, você poderia comprar um Bitcoin pela módica soma de dois dólares americanos. Em novembro de 2021 o ativo digital chegou a seu maior preço histórico ao colocar-se na soma de 69.044 dólares por unidade. Hoje, quando muitos gurus das finanças predeciam que seu preço seria estimado acima dos 100 mil dólares, a mesma ronda os 25 mil dólares.

Nos últimos 50 anos, a doutrina de intervenção estatal na atividade privada para impor regimes de discriminação positiva foi a mesma sorte que a criptomoeda mencionada. Pois, de interpretar a igualdade perante a lei em sentido formal, a jurisprudência compreendeu - com o decorrer dos anos - que essa igualdade deve ser considerada tendo em conta as características próprias de pertença a algum grupo desaventado do indivíduo a quem querem aplicar as políticas. Esta situação - hoje - encontra-se menguando a níveis longe dos prognósticos pensados há não mais de 5 anos.

Ou seja, em princípio e como regra geral, todos somos iguais perante a lei pelo único fato de ser pessoas, mas com o decorrer do tempo, essa igualdade foi regulamentando dependendo da origem vulnerável - ou não - de determinados grupos ou particulares.

O caso "Students for Fair Admissions Inc. v. President and Fellows of Harvard College" (29/06/2023).
Por este conceito modificado de igualdade concorreu à Justiça Federal dos Estados Unidos uma associação de estudantes universitários e congratulou-se com uma demanda contra as autoridades de Harvard e da UNC (University of North Carolina). Neste caso, em particular, este grupo alegou que a existência de quotas raciais (que a corte tinha validado em uma falha de há cerca de 20 anos) violava o seu acesso às universidades e fazia com que o princípio da igualdade não fosse escolhido para os aplicantes pela sua capacidade ou antecedentes acadêmicos, mas pela sua cor de pele.

Surpreendentemente, na perspectiva dos últimos precedentes, o Tribunal falhou a favor dos estudantes. Para esse efeito, alegou que as regras de quotas devem ser estabelecidas com carácter temporário e não permanecer por sempre, pois isso reforçaria a estereotipação.

Também se referiu ao sentido e finalidade que as vagas raciais devem ter nessas aplicações. Manifestou que as universidades demandadas não puderam testar os objetivos devidamente mensuráveis de seus programas de admissão racial. Esta circunstância levaria a utilizar parâmetros que geram estereótipos raciais.

Por último, a Corte concluiu que "os estudantes devem ser tratados com base em suas experiências como indivíduos, não tomando sua raça como base". E terminou dizendo que "muitas universidades por muito tempo fizeram exatamente o contrário. E nessa prática, concluíram, erroneamente, que a pedra de toque da identidade individual não é a superação de desafios, a construção de habilidades ou os ensinamentos apreendidos, mas a cor de sua pele. Circunstância que não pode ser tolerada pela nossa história constitucional".

O caso "303 Creative LLC v. Aubrey ELENIS" (30/06/2023).
303 Creative LLC é uma sociedade de membro único integrada pela Sra. Smith, que começou a desenvolver no seu negócio um ramo comercial dedicado à venda de páginas web para casais que vão se casar. Agora, Smith vê-se profundamente enraigada por suas crenças religiosas e pede ao Estado do Colorado que se inhiba de a obrigar a vender seu produto a casais homossexuais, alegando que, através de suas páginas web, ela exerce sua liberdade de expressão protegida pela Primeira Emenda, hierarquicamente superior às Public Acommodation Laws.

A maioria faz lugar ao planteo e revoga a decisão do Supremo Tribunal do Colorado, a cujo fim alega que a Primeira Emenda contempla os Estados Unidos como um país onde as pessoas são livres de se expressar e pensar como quiserem e não como os Estados se amamem.

Com efeito, tal como prevê o voto da minoria, o problema desta decisão reside numa problemática que se acreditava superada há mais de 50 anos nesse país. As Public Acommodation Laws foram criadas para que, entre outras coisas, qualquer aquele que ofereça um produto ou serviço ao público, tenha a obrigação de vendê-lo sem olhar para quem, evitando situações já conhecidas nesse país que - segundo diz a minoria - a doutrina desta falha garanteria. Isto é, cartazes nos comércios onde se deixe expressamente assentado que não se aceitam determinadas pessoas por sua cor, sexo, religião, orientação sexual, etc.

Conclusões e considerações finais.
Quanto à falha "303 Creative LLC", podemos concluir que o mundo está mudando. As crises econômicas, políticas e sociais vão fazendo fortes atores que já se acreditavam derrotados. Começa-se a alertar um setor que se enraiga em seus direitos constitucionais para discriminar. Esta situação, perpetrada no tempo, faz-nos voltar aos comércios que não aceitam pessoas por sua raça, religião, cor ou ascendência, como há 80 anos.

Distinto é o caso da falha de aplicações universitárias. A Corte conclui que, com as medidas de discriminação positiva, se estabelece um sistema que rompe com o princípio da igualdade. Isso viola o acesso à educação universitária a outros atores que, por sua capacidade e habilidades, estariam em condições de ingressar. Aqui estamos num debate sobre a finalidade dos sistemas de quotas. As medidas de discriminação positiva devem ser temporárias, diz a Corte. Com esta última afirmação, coincidimos. Devemos deixar de estabelecer quadros que criem estereótipos e começar a gerar situações de preferência apenas após a análise da situação de um indivíduo em particular. Pois, como conclui a SCOTUS "nada nesta falha proíbe as universidades a considerarem aplicantes de como sua raça afetou sua vida, seja através de discriminação, inspiração ou outras circunstâncias".

A decisão de 303 Creative é, na minha opinião, inaceitável numa sociedade moderna.

Por outro lado, o resolvido contra Harvard adquire certo sentido toda vez que devemos reconsiderar a doutrina de "grupos desaventados" e levá-la para um conceito de "individuos desaventados" aos efeitos de pensar a igualdade perante a lei para além do sentido formal. Os tempos estão mudando. As sociedades tornam-se mais conservadoras. É preciso encontrar o devido equilíbrio.

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enrique tourvel

enrique tourvel

Olá sou Henrique Tourvel, advogado com orientação em direito público. Atualmente eu me desempenho no Poder Judiciário da Nação- Fuero Comercial. Docente de Elementos Gerais de Direito Comercial e de Sociedades na Universidade de Buenos Aires.
Especializado em Direito Societário.

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