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Depois que o presidente Alberto Fernandez agradeceu a cada “argentine” por participar ativamente no censo 2022, abre-se novamente o debate sobre esta prática que começou nos anos 70.
Impulsada por uma crítica feminista que buscava denunciar as marcas masculinas da língua castelhana, deixou em evidência hierarquizações que arrasta a língua e privilegiando o gênero masculino. Expondo tanto a exclusão como a subordinação moral, biológica e jurídica. Apesar de ter alta difusão, essa análise não costuma ser reconhecida por ter raízes argentinas. Foi justamente Delia Suardíaz, a linguista autora de “O sexismo na língua espanhola”, a primeira em diagramar seus tramas problemáticas em 1973, demonstrando a ausência de mulheres em diversos usos sexistas da língua castelhana e apostando na necessidade de um giro linguístico.
Mais tarde, a linguagem inclusiva foi envolvida em uma nova disputa relacionada à divisão não binária. Embora no início se buscava a visibilidade da mulher, a segunda etapa busca visibilizar também as minorias sexuais. O questionamento tenta trazer à cena variações que são irredutíveis à compreensão hetero-centrada. Esta aposta política talvez tenha sido menos compreendida por aqueles que criticam o “todes” por uma nova invisibilização das mulheres. Mas nesta análise não se trata de antepor a visibilidade trans à do resto das mulheres, mas antes de assumir a impossibilidade de conter através da linguagem a diversidade de gênero e sexualidade. Trata-se de gerar fissuras nas convenções linguísticas, mediante as quais as versões do gênero mudam e atualizam-se.
A linguagem inclusiva, através do uso do morfema “e” ganhou popularidade em 2018 durante o debate público e político sobre o projeto do aborto na Argentina. Os grupos que apostam e defendem o uso da linguagem inclusiva são, especialmente, o movimento feminista e a comunidade LGTBIQ. Na Argentina, em algumas escolas e instituições como a Universidade de Buenos Aires, sua utilização foi aprovada e este pode ser empregado em trabalhos oficiais. Por sua vez, o governo da Cidade de Buenos Aires autorizou o uso do “línguagem não sexista” na administração da justiça.
Do outro lado da fenda, encontra-se a Real Academia Espanhola que se recusa a validar a linguagem inclusiva. Nomear ambos os gêneros cada vez, por exemplo “ninhos e meninas” foi talvez o primeiro impulso de linguagem inclusivo. Como bem menciona Mercedes Bengoechea, acadêmica da RAE, “Os falantes que não estão conformes com a representatividade de gênero que oferece a academia, buscam formas dentro da mesma normatividade para expressar seu discurso”. No entanto, esta forma de “dobrete” também teve uma resposta negativa, uma vez que, apelando à “economia linguística”, se considera completamente desnecessária. Para a RAE, o problema é confundir a gramática com o machismo. Enquanto seus opositores levantam que, sendo a linguagem um reflexo direto da sociedade de uma época determinada, não se podem pensar como coisas separadas.
Quanto às vozes de especialistas em linguística, há uma posição bastante homogênea sobre certa necessidade social. A Tradutora Pública Sylvia Falchuk afirma que atravessamos um processo e um movimento que já está em andamento, porque a humanidade está entrando em uma era pós patriarcal. Para a doutora em Semiótica Laura Abratte, há uma insistência histórica em naturalizar os usos linguísticos e evitar a reflexão. Segundo ela, para se estabelecer uma mudança primeiro, deve-se dar o debate e enfrentar a grande resistência que gera o movimento que égrime a RAE como voz de autoridade. Por outro lado, a escritora argentina Claudia Piñeiro participou do VIII Congresso Internacional da Língua Espanhola, fórum de reflexão sobre o idioma, desenvolvido em Córdoba no ano 2019. Ali se discutiu a problemática e os desafios da língua. A romancista apresentou o debate em contraposição com o discurso de quem revindicam o espanhol como língua unitária, e comparou os detractores da linguagem com perspectiva de gênero com os antigos conquistadores. “O território já não é geográfico, mas humano, hoje há que colocar o olho nas mulheres e os gêneros não binários”, diz.
Aportando talvez a conclusão mais sincera, Beatriz Sarlo rematou “A militância pode favorecer essas mudanças, mas não pode impor-los” em outubro de 2018 em Babelia (Revista cultural do jornal El País).
Para além dos debates que ocorrem no ambiente intelectual e militante, é impossível ignorar a realidade dos cidadãos comuns e ver se as práticas de inclusão como esta proposta de leigagem são eficazes ou se, afinal, são um movimento político que não traz à redução da desigualdade.
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