07/05/2025 - politica-e-sociedade

Os Leões também escrevem

Por Facundo Alvarez Santana

Os Leões também escrevem

No ano passado, por ocasião do Dia do Trabalhador, escrevi uma nota intitulada "Uma memória esculpida na luta". Nela, falava do Primeiro de maio como aquilo que ele realmente é: uma data nascida do conflito, da organização, do sacrifício de milhares que lutaram por condições justas num mundo desigual.

Alguns dias depois, um amigo respondeu-me com uma mensagem que incluía um texto de Eduardo Galeano. Não era uma simples citação: era uma história. Uma daquelas que nos obrigam a parar e a pensar.

Hoje, quero partilhá-la na íntegra. Porque vale mais do que qualquer introdução.


Chicago está cheia de fábricas.
Há fábricas mesmo no meio da cidade, à volta do edifício mais alto do mundo.
Chicago está cheia de fábricas.
Chicago está cheia de trabalhadores.

Ao chegar a Haymarket, peço aos meus amigos que me mostrem o local onde, em 1886, foram enforcados os operários que o mundo inteiro saúda todos os dias de maio.
Deve ser aqui ", dizem-me. Mas ninguém sabe.

Nunca foi erigida uma estátua em memória dos mártires de Chicago na cidade de Chicago.
Nenhuma estátua, nenhum monólito, nenhuma placa de bronze, nada.

O primeiro de maio é o único dia verdadeiramente universal de toda a humanidade, o único dia em que coincidem todas as histórias e todas as geografias, todas as línguas, religiões e culturas do mundo;
Mas nos Estados Unidos, o Primeiro de maio é apenas mais um dia.

Nesse dia, as pessoas trabalham normalmente e ninguém, ou quase ninguém, se lembra que os direitos da classe operária não saíram da orelha de um bode, nem da mão de Deus ou do patrão.

Depois da exploração fútil do Haymarket, os meus amigos levam-me a ver a melhor livraria da cidade.
E aí, por mero acaso, descubro um velho cartaz que está à minha espera, escondido no meio de muitos outros cartazes de filmes e de música rock.

O cartaz reproduz um provérbio de África:

"Até que os leões tenham os seus próprios historiadores, as histórias de caça continuarão a glorificar o caçador."

Desmemória - Eduardo Galeano


Esta última frase resume tudo.
É por isso que é tão importante continuar a escrever, continuar a contar, continuar a recordar. Porque se não o fizermos, outros fá-lo-ão. E eles contarão a história de forma diferente. Contá-lo-ão de cima, do conforto de quem nunca teve de sair e lutar por um dia de oito horas ou por um salário digno.

O Primeiro de maio não é apenas uma data histórica. É um espelho. Mostra-nos de onde viemos, mas também nos questiona sobre o presente. Num mundo em que os direitos laborais são vistos como um custo, em que o trabalho perde estabilidade e significado, o alerta de Galeano ganha força: a memória não é automática. É preciso construí-la. E defendê-la.

Feliz Dia do Trabalhador. Que o caçador não seja glorificado. Que os leões escrevam. E que sejam ouvidos.

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Facundo Alvarez Santana

Facundo Alvarez Santana

Advogada pela Universidade Argentina John F. Kennedy. Cursando MBA em Talentos na Pontificia Universidad Católica Argentina.

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