Por Alejo Lasala e Loana Ibañez*.
A subida ao poder e o ressurgimento liberal
Para compreender a atual relação executivo-legislativo, é necessário compreender a ascensão ao poder de um outsider sem organização partidária e sem filiação política, após apenas dois anos de mandato como Deputado Nacional. A origem do discurso liberal remonta a um contexto de restrições devido à pandemia de COVID-19, seguido daquilo a que o seu mentor, Alberto Benegas Lynch, chama o "segundo milagre argentino" depois de Juan Bautista Alberdi: o ressurgimento das ideias económicas "liberais", anteriormente apelidadas de "neoliberais", em oposição ao intervencionismo estatista. Além disso, a crise favorecida por esta mesma pandemia - recessão, aumento da pobreza e inflação descontrolada, associada a uma elevada carga fiscal e a um défice de despesas públicas - criou o ambiente propício, entre outros factores, à popularidade de um discurso que desprezava o défice e a emissão monetária, prometendo políticas de choque e apontando o establishment como uma "casta" culpada de sucessivos fracassos político-económicos.
A estratégia do conflito
O conceito de estratégia de conflito surgiu na política internacional da Guerra Fria. Schelling vê três cenários: conflito puro, cooperação pura ou conflito/cooperação. Em todas estas relações existe uma interdependência entre os actores, que desempenha um papel preponderante através da dissuasão: a vitória não está no combate mas na influência. É nisto que Milei parece concentrar-se, colocando a comunicação ao serviço da opinião pública, sem se deter em polémicas ou no politicamente correto. Isto, para muitos analistas, pode ser visto como uma demonstração de populismo institucional/político, em que o líder procura atacar retoricamente uma figura que identifica como inimiga - a casta - culpando-a pelos males causados pelas suas políticas inconsistentes - ou pelo seu populismo macroeconómico. Além disso, este líder reforça a sua ligação direta com os seus seguidores e baseia a sua legitimidade na origem do seu mandato (o processo eleitoral), sem necessidade de intermediários, e enfraquecendo a relação com instituições de responsabilização horizontal, como o Congresso.
Um passo em falso
Em 27 de dezembro de 2023, o Presidente Javier Milei apresentou ao Congresso um ambicioso projeto de lei "omnibus", caracterizado pela diversidade e número de questões que abordava, com a promessa de ser uma reforma considerável e heterogénea do Estado.
Após semanas de intensas negociações e uma redução significativa de cerca de 50% dos artigos do projeto de lei, este foi aprovado na generalidade pelo Congresso. No entanto, durante a votação em particular, ocorreu uma reviravolta inesperada: os votos que pareciam ser favoráveis tornaram-se negativos em aspectos fundamentais, como a delegação de poderes. Perante este cenário, o partido no poder retirou o projeto de lei da câmara.
A hiperminoridade do partido no poder
A ascensão de Milei à presidência, a procura de reformas, os conflitos institucionais e o estilo da sua liderança estão marcados por uma caraterística - ou fraqueza - fundamental: a hiperminoridade no Congresso. Desde que as hipóteses de vitória eleitoral eram escassas, os analistas alertaram para o facto de Milei não ter um número suficiente de deputados do partido para aprovar uma lei. Atualmente, a Câmara dos Deputados é composta por apenas 41 membros do La Libertad Avanza, enquanto o Senado tem apenas sete, a percentagem mais baixa de lugares pró-governamentais desde o regresso à democracia.
A hiperminoridade na América Latina não é amiga da retórica anti-establishment - ou do populismo político-institucional - na medida em que procura governar de forma plebiscitária, ao mesmo tempo que procura concentrar o poder com base na legitimação de origem. Isto pode ser visto em casos como o do Peru, com Alberto Fujimori e Pedro Castillo: o primeiro fechou diretamente o Congresso através de um auto-golpe, enquanto o segundo foi destituído por impeachment depois de ter tentado dissolvê-lo. Mas será que isso pode realmente acontecer na Argentina?
As hipóteses parecem remotas. A ausência de uma vocação autoritária para além da retórica pode ser vislumbrada na negociação interna que exigiu a aprovação - na generalidade - da lei omnibus. Para analisar a relação entre o executivo e o legislativo, parece mais adequado aplicar o raciocínio de uma estratégia de conflito, em que a dissuasão e a influência são utilizadas como ferramentas da "batalha", com o objetivo de realizar o ajustamento e tentar reformas profundas mesmo sem apoio político.
Da mesma forma, durante a abertura das sessões extraordinárias convocadas para o dia 1 de março às 21 horas - horário nobre -, o Presidente Milei apelou a um acordo alargado entre todos os actores políticos - ex-presidentes, governadores e legisladores - com base em dez premissas que poderiam assemelhar-se ao Consenso de Washington: a inviolabilidade da propriedade privada, o equilíbrio fiscal, a redução das despesas públicas, as reformas fiscal, da segurança social, política e laboral, a rediscussão da coparticipação, a exploração dos recursos naturais e a abertura ao comércio.
De acordo com Mainwaring e Pérez Liñán, por sua vez, a verdadeira ameaça à democracia está na concentração do poder presidencial, que está a sobrepujar os três poderes: aqueles que conseguem desarmar o poder de veto do Congresso, utilizando-o como via livre para aprovar leis e DNU através de maiorias irrisórias, bem como casos subnacionais de autoritarismo competitivo - Formosa -, suprimindo a competição política. Milei não é atualmente um presidente forte enquanto não procurar se desvincular do Congresso como instituição de accountability horizontal. É, sim, enquanto mantiver o poder dissuasor transmitido pelo apoio popular, mesmo num contexto económico desfavorável. Nesse sentido, e pela primeira vez em muito tempo, a oposição exigiu a constituição da Comissão Bicameral que trata dos Decretos de Necessidade Emergencial, mecanismo deixado de lado nas múltiplas presidências antecessoras: apenas três DNU's foram rejeitados pelo Poder Legislativo desde sua existência: DNUs 256/2015, 102/2017 e 1053/2018, anos após sua promulgação (2020). Após o segundo passo em falso, devido à rejeição da DNU 70/30 "Bases para a reconstrução da economia argentina" no Senado, resta saber a decisão na Câmara dos Deputados.
Por outro lado, se analisarmos quem tem a caneta na mão na hora de definir os candidatos a senador, os governadores têm uma influência fundamental. Por que isso acontece? Basicamente, os governadores precisam de recursos e, em troca, dão apoio político ao seu partido a nível nacional. O labirinto da coparticipação e os seus caminhos paralelos criaram um sistema redistributivo que Roberto Cachanosky (economista argentino) define negativamente, uma vez que, segundo ele, "os governadores têm o benefício político de gastar, mas não têm o custo político de cobrar", ou seja, de aumentar a carga fiscal, utilizando assim recursos co-participados de outras províncias. Desta forma, os legisladores sentem-se mais condicionados a alinhar-se com os interesses das suas províncias, independentemente do seu partido político; algo que era comum acontecer com os Senadores, mas não com os Deputados.
Esta questão criou um sistema em que a Nação ajuda as províncias e a CABA de uma forma que é difícil de seguir para os cidadãos, que têm de se ajustar mês a mês: os Fundos Fiduciários. Esta é uma das razões que Milei utiliza para justificar a sua tentativa de se ligar diretamente aos cidadãos, reforçando a dissuasão. Além disso, os impostos nacionais que deveriam servir ao Estado nacional para o seu exercício orçamental acabam por ser comparticipados para fornecer recursos às províncias em troca de um apoio político transitório, sendo que, uma vez comparticipado o imposto, não há retorno.
Assim, as bases da governação são constituídas pelos governadores e pelo poder legislativo, ambos com um forte poder de veto sobre o poder executivo. No entanto, a relação dinâmica entre eles é mediada pela dissuasão e pela influência da opinião pública. O cenário mais arriscado para o governo é a perda absoluta do apoio dos governadores; o prosseguimento do processo de impeachment no plenário, mas, mais ainda, a desaprovação dos cidadãos.
A ferramenta para reforçar a cooperação entre os actores reside na esperança de uma nova oportunidade de acordo a 25 de maio, mas em que a influência da opinião pública ainda permite a Milei fazer pressão para o consenso do seu próprio plano. Um novo fracasso poderia deixar o governo novamente na situação turbulenta que se seguiu à rejeição da lei omnibus, obrigando-o a continuar, como o próprio Milei referiu, a espremer os instrumentos do executivo para ajustar as contas económicas, aguardando ansiosamente a melhoria da inflação, uma vez que a aprovação popular do seu mandato depende em grande medida dela.
A Argentina conhece bem os pactos e acordos políticos ao longo da história. Graças a eles, foi possível avançar com a promulgação e as reformas da constituição nacional e da união territorial. Ao analisar a constituição, podemos ainda encontrar os princípios liberais derivados das Bases e Pontos de Partida de Alberdi. Por isso, o Pacto de 25 de maio teria a sua contrapartida numa nova Lei de Bases negociada por volta dessa data, sob valores liberais e uma regra orçamental praticamente inegociável: não se gasta mais do que se arrecada. Esta regra foi também concebida por Néstor Kirchner através da Lei de Responsabilidade Fiscal, pelo que não é ilógico pensar nela como uma política de Estado.
*Estudantes avançados de Ciência Política e Relações Internacionais da Universidade Católica Argentina.
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