Elon Musk e Lula Da Silva
O dilema do Ocidente: Liberdade de expressão ou regulação de conteúdo?
Nas últimas semanas, as democracias do Ocidente enfrentaram um debate que abala os esquemas de liberdade, divisão de poderes e as noções de censura no século XXI. Foi no dia 30 de agosto de 2024 que o Supremo Tribunal Federal (STF) do Brasil ordenou a 'suspensão imediata' da rede social X (ou Twitter), após a negativa da empresa de nomear um representante legal no país sul-americano. A falta de um representante no país ocorreu após os pedidos do juiz Alexandre de Moraes para bloquear contas vinculadas à instigação de atentados contra os poderes públicos do Brasil, no que ficou conhecido como a causa 'Milícias Digitais', catapultando a saída do país e a escalada com o próprio Elon Musk em meio a acusações de censura e perseguição política.
Após as acusações de censura por parte de Elon Musk, que critica o regime 'ditatorial' de Lula da Silva e seu 'sócio' Alexandre de Moraes, Musk dedicou-se a lançar uma ofensiva através de memes e paródias onde comparava o juiz De Moraes a Lord Voldemort, satirizando o magistrado. Na lógica de seu próprio algoritmo, e aproveitando seu potente megafone, Musk colocou a discussão no plano da direita liberal e libertária contra os impulsos canceladores da cultura 'woke' e da esquerda, ocultando que, por trás disso, há uma discussão de poder muito maior, que é o poder do estado-nação contra o das multinacionais.
E é que, existe nos últimos 20 anos uma crescente colisão entre os poderes estatais e o das redes sociais transnacionais que operam em escala global; o debate brasileiro não é um caso isolado. Em 2022, a União Europeia lançou-se contra o gigante tecnológico “Meta” (antiga Facebook), com Bruxelas tentando impor regulações sobre as redes sociais. A Meta sugeriu que se essas regulações fossem implementadas, Facebook e Instagram poderiam se tornar inacessíveis para os cidadãos europeus. Funcionários públicos da Alemanha responderam aos avisos da empresa afirmando: 'Estaremos bem sem o Facebook', uma reação que obrigou a Meta a se retratar e garantir que não abandonaria a Europa.
Além disso, após as eleições de 2016, quando Donald Trump foi eleito presidente, Mark Zuckerberg, CEO da companhia, tornou-se um ‘convidado’ habitual do Congresso dos Estados Unidos, onde frequentemente era convocado a dar explicações acusado por supostas intervenções de sua empresa no processo eleitoral.
No dilema entre as companhias de redes sociais e o estado está subjacente a pergunta de quem é o legítimo proprietário das informações que os usuários entregam às grandes empresas, para que essas plataformas utilizam essas informações e se o estado deve zelar pela segurança dos cidadãos que entregam essas informações a um privado. A entrega por parte dos cidadãos de suas informações para depois serem comercializadas por grandes companhias que não realizam grandes investimentos locais, nem empregam uma grande quantidade de cidadãos, nem geram maior inovação na indústria tecnológica local, acabam convertendo essas empresas em caixas de ressonância de interesses privados que não têm nenhum tipo de mediação ou regulação. Além disso, quando analisamos a vida cotidiana, a notável falta de coordenação entre o Estado e as empresas tem consequências para os cidadãos em situações que vão desde o hackeamento de uma conta de WhatsApp e a interminável burocracia que resulta na recuperação da conta, até situações de compartilhamento de imagens sem consentimento da parte contrária.
Modelos de Controle Estatal sobre as Redes Sociais na Ásia
No entanto, esse modelo de navegação livre, sem restrições e sem coordenação público-privada não é de forma alguma universal. Na Ásia, tanto nos totalitarismos opacos como na China ou na Coreia do Norte, assim como também nas democracias liberais como Japão e Coreia do Sul, existem fortes controles por parte dos estados no que se refere à divulgação de conteúdos.
O caso da Coreia do Sul é bastante paradigmático. No âmbito de seu conflito histórico com o vizinho do Norte, a lei de Segurança Nacional proíbe a produção, distribuição e posse de qualquer material considerado simpatizante ou propagandístico a favor da Coreia do Norte. Isso inclui livros, filmes, músicas e outro conteúdo que possa ser interpretado como pró-norcoreano. A lei também é utilizada para restringir o acesso a sites que o governo considera que poderiam ser utilizados para promover ou glorificar o regime norcoreano. O governo sul-coreano bloqueia ativamente o acesso a sites que disseminam informações relacionadas ao Norte que poderiam ser consideradas propagandísticas ou ameaçadoras à segurança do Estado. Muitos críticos e organizações de direitos humanos argumentaram que a Lei de Segurança Nacional tem sido usada para suprimir a dissidência e restringir a liberdade de expressão.
O caso da China, por outro lado, apesar de ser uma ditadura autoritária, conta com um modelo de plataformas de redes sociais onde as empresas estão completamente submetidas ao estado chinês e às suas leis. Esse submetimento tem causado desconfianças no Ocidente, como ocorreu nos Estados Unidos com o Tik Tok. O modelo de redes sociais destaca-se pelo seu rigoroso controle governamental e pela integração de serviços diversos sob plataformas locais, que operam em um quadro de censura e promoção governamental. Essa configuração permite ao estado controlar as informações acessíveis, além de utilizar essas plataformas como ferramentas de vigilância e propagação da ideologia estatal.
Na Índia, que ostenta a posição de democracia mais extensa do mundo, o cenário das redes sociais tem sido particularmente tenso. Em 2021, um incidente significativo exacerbou essas tensões quando o Twitter etiquetou vários tweets de políticos do partido governante BJP (Bharatiya Janata Party) como "conteúdo manipulado". Essa ação do Twitter desencadeou uma reação vehemente por parte do governo indiano, que acusou a plataforma de parcialidade e falta de transparência em suas políticas de etiquetagem.
Como consequência dessa confrontação, o governo indiano implementou novas regulações que incluíam disposições para responsabilizar penalmente os funcionários das empresas tecnológicas por não cumprir com as solicitações governamentais de remoção de conteúdo. Essa medida foi percebida por muitos executivos da indústria como uma "disposição de reféns", elevando significativamente os riscos para as operações das empresas de tecnologia na Índia.
Caminhos possíveis para a América Latina
Podemos dizer que existem variedades de modelos de interação de estados com plataformas de redes sociais. No caso latino-americano, a região não possui a capacidade de gerar circuitos fechados de redes sociais que permitam a proteção absoluta dos dados. Além disso, os países da América Latina, de maneira particular, não têm o peso de mercado que a Índia possui para impor condições, tornando necessário propor modelos alternativos.
Existem muitas pequenas ações que poderiam gerar ambientes digitais onde o crime poderia ser melhor controlado. Por exemplo, redes sociais como “X” não solicitam documento ou verificação facial para criar novas contas, o que permitiria um maior acompanhamento de cibercrime ou penalizar ações de assédio digital como o “doxeo” (publicação de dados pessoais sem consentimento) ou o grooming. Ao ter dados de endereço, isso permitiria ao estado solicitar a desativação de contas que utilizem as redes sociais para infringir a lei.
Além disso, sendo a internet um espaço onde a soberania do estado não prevalece, torna-se necessário criar espaços de denúncia que permitam aos usuários reportar de forma ágil crimes digitais e que, uma vez provado o delito, possam solicitar a desativação mais automática das contas que infringem a lei. Mas para tudo isso são necessários recursos, decisão política e avançar em maior digitalização do estado.
O caso do Brasil é simplesmente uma ponta de lança para um debate que, na Ásia, já está consolidado, mas que na América Latina ainda apresenta grandes desafios.
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