06/09/2024 - politica-e-sociedade

A postura antipolítica de Milei, suas consequências e o caminho para o pragmatismo

Por Poder & Dinero

A postura antipolítica de Milei, suas consequências e o caminho para o pragmatismo

Sergio Berensztein, Analista Político, Presidente da consultoria que leva seu nome, e Miguel Steuerman, Diretor da Rádio JAI, a rádio mais ouvida da comunidade judaica da América Latina, analisam esses temas em uma entrevista apaixonante que reproduzimos para FinGurú.

Uma equipe de governo sem experiência, que deve aprender com seus erros. Salto pragmático: Milei chama de idiotas aqueles que hoje criticam o que ele questionava na campanha eleitoral. É possível compatibilizar a Macroeconomia e a Microeconomia? O risco de uma abertura econômica sem um programa que a sustente.

 

Sergio Berensztein, Analista Político, Presidente da consultoria que leva seu nome, e Miguel Steuerman, Diretor da Rádio JAI, a rádio mais ouvida da comunidade judaica da América Latina, analisam esses temas em uma entrevista apaixonante que reproduzimos para FinGurú.

 

Miguel Steuerman: Sergio, como você analisa este momento onde o país ainda tem problemas profundos, e no entanto, a política parece estar mais preocupada em nos entreter com temas como o caso de Alberto Fernández, o romance de Milei com Amalia González, a Vice-presidente e os Montoneros, as brigas no Congresso da Nação, para mencionar apenas alguns.

 

Sergio Berensztein: Quando analisamos qualquer país hoje, vemos que as brigas políticas são muito profundas, de tal forma que nos perguntamos se os sistemas políticos podem manter esses níveis de fricção sem comprometer a governabilidade e até mesmo a segurança nacional. É preciso aceitar que haverá fricções, diferenças, problemas de coordenação, diferenças ideológicas. Na Argentina em particular, o que chama a atenção é que isso ocorre em um contexto onde o presidente busca refundar o país, e tem uma posição e um discurso antipolítico, despreza a política, e está pagando um custo altíssimo por isso.

 

Supor que se pode, tecnocraticamente, tomando medidas entre aspas, corretas, mudar a sociedade, é um absurdo onde a história demonstrou que isso sempre falha sistematicamente. No máximo existe alguma medida de curto prazo que pode funcionar, mas mais cedo ou mais tarde seus efeitos se reverterão. Já vimos isso com governos autoritários como o de Onganía ou o Processo de Reorganização Nacional, mas também democráticos como uma parte do Plano Austral de Raúl Alfonsín e depois com Carlos Menem. Essa utopia de mudar sociedades de forma ordenada, limpa, como no setor privado (como se nesse setor não houvesse política!!), é absurda e não aconteceu em nenhum lugar do mundo.

 

O que estamos vendo agora é um processo de aprendizado do presidente, mas também do resto dos atores políticos que não se acostumam a essa espécie de tremor ou terremoto que sofreu a política argentina com a vitória de Javier Milei, que é a expressão do fracasso da velha política. E há uma parte disso que não reconhece e outra que sim, mas não se acostuma a essa nova realidade ou não sabe como se realinhar. Portanto, há um processo de aprendizado do governo, que tem funcionários sem experiência, começando pelo próprio presidente, ou a vice-presidente, ou a secretária geral da presidência ou o principal assessor presidencial. Portanto, o que devemos esperar são erros infantis (que é o que está acontecendo). Mas ao mesmo tempo vejo uma enorme cota de pragmatismo: Milei critica aqueles que ele chama de "libertontos" pelas coisas que ele dizia durante a campanha eleitoral. Isso me parece um traço de maturidade, porque uma coisa é fazer campanha e outra é sentar-se em um sofá na Rivadavia e tomar decisões. Se você vai com a ingenuidade e com a frescura de uma campanha, não dura muito no poder.

 

O pragmatismo de Milei me parece um traço positivo. Para alguns dos meus amigos pro-mercado e liberais, é uma espécie de sacrilégio que o governo intervenha no mercado financeiro ou que não saia do controle cambial, e para outros é um traço de maturidade e de senso comum (principalmente os mais heterodoxos), portanto, sob esse aspecto a situação é interessante.

 

O que me preocupa? Existe o que se chama "paciência social", uma sociedade que tolera um ajuste sem precedentes, uma queda da renda e uma recessão muito profunda, e a pergunta é até quando? Não temos a resposta, é claro, mas muitas dessas brigas políticas, sem sentido, erodem um pouco a confiança no governo. Vemos o presidente desferindo críticas contra os meios de comunicação igual ou pior do que Néstor Kirchner, insultando jornalistas que quando ele era funcionário de Scioli na campanha presidencial de 2015 e recebia dos fundos do Banco da Província de Buenos Aires; esses jornalistas arriscavam suas vidas contra Cristina, por exemplo denunciando o Memorando de Entendimento com o Irã. Essas coisas, claro, para muitas pessoas geram medo, preocupação, reações negativas, e faz sentido.

 

Outros acreditam que o presidente, por não montar uma estrutura política mais sólida, por não aceitar a ajuda de seus aliados, está perdendo uma grande oportunidade. O que aconteceu nos últimos dias nos mostra que Milei percebe essa situação, já que vimos um presidente um pouco mais sensato, que está montando uma estrutura um pouco mais resistente. O mercado pede correções econômicas, pede maior rentabilidade, transparência nas decisões econômicas, mas acima de tudo pede certeza política. Isso é exigido tanto por investidores estrangeiros quanto locais.

 

Último ponto. O governo está bastante consciente de algumas de suas limitações. Por exemplo, o ministro da Economia, Luis Caputo, trouxe para sua equipe, talvez, o economista mais prestigiado que tenha ocupado um cargo relevante na Argentina em muito tempo: José Luis Garza. De nacionalidade chilena, é um homem com grande experiência em Wall Street, com formação acadêmica, com conhecimento das instituições multilaterais, que vem agregar ao time muita experiência de gestão, muito prestígio nos mercados e, creio eu, uma frescura para a tomada de decisões em situações complexas, como o famoso controle cambial, que permitiu ao governo essa transição relativamente tranquila e ao mesmo tempo impede uma recuperação econômica um pouco mais vigorosa.

 

Miguel Steuerman: Se você tivesse hoje uma ligação do presidente, o que diria a ele?

 

Sergio Berensztein: Com muita modéstia, não? Porque nada é mais difícil do que estar sentado nesse lugar. É o pior trabalho que alguém pode ter, independentemente do país em que se está e das circunstâncias. A primeira coisa é compreender e, obviamente, ser muito prudente ao fazer qualquer sugestão. O presidente tem mais informação do que qualquer analista, até mesmo daqueles que estamos obsessivamente observando a realidade, buscando indicadores e vendo o comportamento da opinião pública. O presidente é quem mais conhece suas próprias limitações, mas com todas essas ressalvas, eu diria que ele deve revisar sua equipe de governo. Algo que presidentes fazem constantemente e, após esses dez meses de gestão, é uma boa oportunidade para olhar e perguntar o que funciona bem, regular ou mal. Sempre há algo para melhorar e não se deve ter medo de fazer mudanças.

 

Essa visão oferece possibilidades, como por exemplo, fortalecer seu vínculo com Mauricio Macri e com outros setores aliados, incorporando pessoas com experiência na gestão, com sabedoria política, com uma agenda um pouco mais ampla e menos preconceituosa. Milei pode perfeitamente continuar mantendo suas posturas, seus valores e suas ideias, mas avançar na direção do pragmatismo me parece algo a ser considerado, e sempre com respeito.

 

Outra sugestão seria prestar atenção em pensar medidas controversas considerando o contexto. Por exemplo, o governo acabou de decidir abrir a importação de aço e alumínio. A Argentina tem grupos que produzem isso, a preços mais caros… tudo é mais caro em nosso país… os sapatos são mais caros, as calcinhas são mais caras… o aço e o alumínio também são. Por quê? Por causa dos custos trabalhistas, fiscais, do financiamento, da logística… tudo na Argentina é muito difícil. Agora, você vai abrir a economia e destruir o emprego industrial em áreas críticas quando o mundo está revisando essa política, começando pelos Estados Unidos, que propõe políticas protecionistas? Você vai gerar mais demanda por dólares quando não tem dólares? Me parece que pode ser uma boa política abrir a economia para que o preço dos produtos importados possa pressionar para baixo os preços locais, mas não estou certo de que este seja o momento, considerando o contexto, e principalmente o "timing". Dê um ano para essas empresas se reconverterem, diga a elas "vou colocar seus custos em níveis internacionais, mas me dê preços internacionais". O que você não pode fazer é pedir às empresas preços internacionais com custos argentinos.

 

Miguel Steuerman: Conto uma última coisa para finalizar, que tem a ver com o que você acabou de dizer. Na semana, estive com um funcionário que poderíamos chamar do "núcleo do presidente". E perguntei sobre a visão do governo nesse tema. A resposta foi: "Nós nos ocupamos da macro, da micro não queremos saber nada". A gente se pergunta se isso é possível, onde está a linha exata que divide uma da outra. E acrescentou: "Do déficit fiscal, do que o presidente entende, nós vamos nos ocupar; o resto deixamos para os empresários". Acredito que é um tema que tem seus riscos, considerando o que pode vir a acontecer em setores muito específicos.

 

Sergio Berensztein: Concordo totalmente. Acredito que sem uma macroeconomia ordenada, sem as contas públicas controladas, é impossível planejar qualquer coisa, e o país não tem rumo sem esse fundamento, mas deixar que o mercado resolva tudo tem custos enormes e nenhum país faz isso. Me parece que o pragmatismo que o governo tem mostrado em tantas áreas deveria também predominar nesse aspecto, especialmente porque o pouco emprego "formal" que temos deve ser protegido, cuidado, oferecendo, em todo caso, oportunidades para que as empresas se modernizem e se tornem mais competitivas, mas não da noite para o dia mudando as regras. Se você é um investidor estrangeiro e olha isso, o que você se pergunta? "Ele vai fazer o mesmo comigo, amanhã?"

 

Miguel Steuerman: Sergio, obrigado por dedicar seu tempo para entendermos um pouco mais sobre aqueles temas que às vezes não estão ao alcance de todos nós. E é verdade, como você expôs, os processos de transformação cultural, em democracia, são complexos, levam tempo, estão cheios de fricções entre diferentes interesses. Sergio Berensztein, Analista Político e um homem que monitora constantemente a atualidade política argentina.

Sergio Berensztein Doutor em Ciência Política (University of North Carolina, Chapel Hill) e Licenciado em História (UBA). Obteve um Certificado de Pesquisa em Ciências Sociais no CEDES (Centro de Estudos de Estado e Sociedade). É presidente da Berensztein®, consultoria de análise política e estratégica que fundou em 2014, com uma perspectiva regional e comparativa com base em métodos de pesquisa rigorosos e inovadores, tanto tradicionais (qualitativos e quantitativos) quanto de big data. Nela trabalha com alguns dos principais líderes da Argentina e da região, tanto do setor público quanto do privado, ajudando-os a compreender o ambiente doméstico e global em mudança, e a tomar decisões em um contexto de alta incerteza. Geralmente dá conferências e aulas dentro e fora da Argentina, tanto em espanhol como em inglês. Além disso, atua como professor do Mestrado em Negócios da Faculdade de Ciências Econômicas da UBA. Desde o início de 2019, foi designado presidente da IPS (International Pres Service) para a América Latina.

Atuou como assessor de instituições de grande relevância internacional como a Co

Corporación Andina de Fomento (CAF), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial (BM).

Foi diretor da Mestrado em Políticas Públicas e Professor de diferentes programas da Universidade Torcuato Di Tella (1997-2017), onde integrou o Conselho de Administração (2012-2014). Foi também professor convidado em instituições acadêmicas do exterior como as universidades de Duke, Georgetown, Stanford, Princeton, Novo México, FLACSO e CIDE (México) e Salamanca (Espanha).

É autor dos livros “A primeira revolta fiscal da história. A 125 e o conflito com o campo” (junto com María Elisa Peirano, Margen izquierdo, 2020), “Somos todos peronistas?” (El Ateneo 2019), “Por que todos os governos falham?” (junto com Marcos Buscaglia, El Ateneo, 2018), “Donos do Sucesso” (com Alberto Schuster, Edição, 2017), “Os benefícios da liberdade” (junto com Marcos Buscaglia, El Ateneo, 2016), 125 Anos do Banco Nación (Banco Nación, 2016) e “O poder narco” (junto com Eugenio Burzaco, Sudamericana, 2014), entre outros. Além disso, publicou mais de 30 artigos acadêmicos em revistas especializadas e volumes editados.

Desempenha o papel de apresentador de “Poder e Dinheiro”, pela Americano Media (Miami). Também é apresentador de El Tornillo (Canal de la Ciudad) e co-apresentador de Radioinforme 3, pela Cadena 3 Rosario. Foi co-apresentador dos programas de rádio “Politicamente incorretos” Radio Rivadavia, “Voo de volta” (Milenium) e “Política e bolas” (Splendid). Também foi co-apresentador de “Emergência Intelectual” (América TV), painelista de «Animais Soltos» (América TV) e colunista da A24. Publica regularmente colunas de opinião no jornal La Nación, TN.com.ar e El Cronista Comercial e anteriormente também nos jornais Perfil e La Gaceta, e é frequentemente consultado pelos principais meios de comunicação do país e do exterior.

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