William Acosta para Poder & Dinero y FinGurú
A Argentina enfrenta desafios persistentes e complexos na sua luta contra a lavagem de dinheiro, derivados tanto de fraquezas estruturais quanto de realidades contextuais. Esses desafios limitam a efetividade das políticas contra a lavagem de ativos e expõem o país a importantes riscos financeiros e reputacionais (La Nación, 2024; Infobae, 2025).
Principais desafios estruturais
Grande economia informal
A economia informal na Argentina representa aproximadamente um terço do PIB, com taxas de informalidade laboral que superam os 42% e afetam mais de 9 milhões de pessoas, segundo dados oficiais recentes (La Nación, 2025; Infobae, 2025a; OIT, s.f.). Esse alto nível de informalidade permite que atores criminosos movam e ocultem fundos ilícitos fora do alcance da supervisão regulatória formal (Scielo, 2024).
Fronteiras porosas e vulnerabilidades geográficas
As extensas fronteiras terrestres e marítimas do país, especialmente na Tríplice Fronteira com o Brasil e o Paraguai, facilitam o contrabando transfronteiriço, a lavagem de dinheiro baseada no comércio e o movimento de dinheiro e bens ilícitos. Esta região é considerada um núcleo chave para a lavagem de dinheiro e o financiamento de redes de crime organizado e terrorismo (Infobae, 2021; Infobae, 2025b).
Economia intensiva em dinheiro
O uso generalizado de dinheiro, incluindo dólares americanos, dificulta o rastreamento de transações financeiras e aumenta a vulnerabilidade à lavagem de dinheiro. A fuga de capitais e a preferência por manter ativos no exterior ou em dinheiro complicam ainda mais os esforços para monitorar e controlar os fluxos financeiros ilícitos (Infobae, 2025a).
Recursos e capacidades limitados
As autoridades argentinas de prevenção de lavagem enfrentam importantes limitações em recursos materiais, tecnológicos e humanos, o que restringe sua capacidade para implementar e fazer cumprir medidas sólidas contra a lavagem de dinheiro. A Unidade de Informação Financeira (UIF) e outros órgãos de supervisão costumam estar subdotados em relação à magnitude do desafio (La Nación, 2024).
Desafios contextuais e de política
Brechas regulatórias e legais
Mudanças recentes na política enfraqueceram os controles contra a lavagem de dinheiro, como elevar o limite para a declaração da origem de fundos e eliminar a obrigatoriedade de relatórios de operações suspeitas para transações de alto valor. Esses retrocessos regulatórios contradizem as recomendações internacionais e reduzem a efetividade do arcabouço legal argentino (La Nación, 2024).
Compreensão incompleta do risco
As autoridades têm uma compreensão crescente, mas desigual, dos riscos de lavagem de dinheiro, especialmente aqueles derivados da informalidade, corrupção e novas tecnologias. Existem lacunas nas avaliações de risco setoriais, particularmente em bens imóveis, ativos virtuais e prestadores de serviços profissionais (Scielo, 2024).
Fraca aplicação e baixas taxas de condenações
Apesar de algum progresso, o número de condenações por lavagem de dinheiro continua sendo baixo em relação à magnitude do problema, e a maioria dos casos envolve esquemas simples em vez de operações complexas e de alto valor. Os esforços de confiscamento de ativos são modestos e a recuperação de lucros ilícitos transferidos para o exterior é limitada (La Nación, 2024).
Corrupção e riscos políticos
A corrupção, tanto nacional quanto transnacional, continua sendo um crime principal e um obstáculo importante para a aplicação efetiva da prevenção de lavagem. O crime organizado infiltrou segmentos da polícia, do poder judiciário e alguns legisladores, criando redes de proteção que obstruem investigações. Funcionários corruptos em todos os níveis protegem redes criminosas em troca de benefícios econômicos ou políticos, como evidenciado no caso de Jorge Omar Castillo, onde autoridades locais facilitaram a operação de La Salada durante anos. A corrupção dentro das instituições governamentais permite a destruição de provas, o encobrimento de operações ilícitas e a desvios de recursos destinados à luta contra a lavagem de dinheiro (Infobae, 2025b).
Dimensões internacionais e regionais
O regime argentino de prevenção de lavagem está sob escrutínio por parte de organismos internacionais como o Grupo de Ação Financeira Internacional (FATF/GAFI), que destacou deficiências críticas e o risco de ser incluído na “lista cinza” se melhorias não forem realizadas. As vulnerabilidades do país têm implicações regionais, uma vez que fluxos financeiros ilícitos costumam cruzar fronteiras e envolver países vizinhos (Infobae, 2025b).
Exemplo emblemático: Jorge Omar Castillo e La Salada
O caso de Jorge Omar Castillo, conhecido como “O Rei de La Salada”, ilustra como os desafios estruturais e contextuais da Argentina facilitam a lavagem de dinheiro em grande escala. La Salada é a maior feira informal da América Latina, com dezenas de milhares de pontos de venda e uma arrecadação que supera a dos principais shoppings de Buenos Aires. O negócio baseia-se na economia informal: aluguel de pontos, cobranças em dinheiro e administração de estacionamentos, tudo fora do controle fiscal. Castillo e sua rede utilizaram pelo menos 89 sociedades comerciais e mais de 160 pessoas para canalizar e legalizar receitas milionárias, ingressando dinheiro no sistema financeiro através de empresas de fachada e faturamento falso. Em maio de 2025, após uma investigação de anos e mais de 60 apreensões, Castillo foi detido junto a sua família e sócios, acusados de lavagem de dinheiro, evasão fiscal, contrabando e associação ilícita. Foram sequestrados documentos, registros financeiros e dinheiro em espécie, evidenciando manobras de lavagem de capital por cifras milionárias. O caso expôs a proteção política e judicial que permitiu o crescimento do império de La Salada, bem como a conivência com atores locais e barrabravas para o controle territorial e a arrecadação ilegal. Além disso, a existência de oficinas clandestinas que produzem para a feira, com situações de tráfico de pessoas, trabalho forçado e evasão fiscal, multiplica o impacto social e criminal do fenômeno (Direita Diário, 2025).
Importância da colaboração federal e provincial
A luta contra a lavagem de dinheiro e o crime organizado na Argentina requer uma colaboração efetiva entre o governo federal e os governos provinciais. Existem comitês e programas nacionais de coordenação que articulam estratégias e políticas entre a Nação e as províncias. A UIF lidera a coordenação nacional e supervisiona a aplicação de normas, além de fortalecer sua presença nas províncias com escritórios regionais e capacitações específicas para os governos locais. O trabalho articulado e a troca de informações entre a Nação, províncias e municípios são fundamentais para investigar tramas criminosas complexas e fechar os circuitos de impunidade aproveitados pelas redes criminosas (Infobae, 2025b).
Conclusão
A lavagem de dinheiro na Argentina representa uma ameaça sistêmica que enfraquece a justiça, a economia e a governabilidade do país. O caso de Jorge Omar Castillo e La Salada expõe como essas fraquezas estruturais e contextuais são aproveitadas por grandes redes criminosas para lavar dinheiro em escala industrial. A corrupção sistêmica em todos os níveis governamentais—desde funcionários locais até instâncias nacionais—constitui o principal obstáculo para investigações efetivas, ao proteger redes criminosas e enfraquecer órgãos-chave como a UIF. Abordar esses problemas requer não apenas reformas técnicas e vontade política sustentada, mas também uma colaboração efetiva, articulada e federal entre o governo nacional e os governos provinciais, garantindo uma resposta integral e coordenada frente ao crime organizado e a proteção do sistema financeiro e das comunidades.
Referências
Direita Diário. (2025). Jorge Castillo e sua rede caíram: megaoperação por lavagem de dinheiro e evasão em La Salada. Recuperado de https://derechadiario.com.ar/us/argentina/jorge-castillo-and-his-network-fell-in-a-mega-operation-for-laundering-and-tax-evasion
Infobae. (2021). A Tríplice Fronteira é um núcleo chave para a lavagem de dinheiro e o financiamento do terrorismo. Recuperado de https://www.infobae.com/america/2021/12/02/la-triple-frontera-es-un-nucleo-clave-para-el-lavado-de-dinero-y-el-financiamiento-del-terrorismo/
Infobae. (2025a). A informalidade laboral atingiu um recorde: já há mais de 8 milhões de trabalhadores sem registro. Recuperado de https://www.infobae.com/economia/2025/03/29/la-informalidad-laboral-alcanzo-un-record-ya-hay-mas-de-8-millones-de-trabajadores-en-negro/
Infobae. (2025b). Corrupção, fronteiras fracas e crime organizado: o caldo de cultivo que alimenta a influência do Hezbollah na América Latina. Recuperado de https://www.infobae.com/america/america-latina/2025/03/31/corrupcion-fronteras-debiles-y-crimen-organizado-el-caldo-de-cultivo-que-alimenta-la-influciencia-de-hezbollah-en-america-latina/
La Nación. (2024). Lavagem de dinheiro: condenações, apreensões e os desafios da Argentina. Recuperado de https://www.lanacion.com.ar/politica/lavado-de-dinero-condenas-decomisos-y-los-desafios-de-la-argentina-nid15032024/
La Nación. (2025). Mais de 9 milhões de pessoas trabalham na informalidade na Argentina. Recuperado de https://www.lanacion.com.ar/economia/mas-de-9-millones-de-personas-trabajan-en-la-informalidad-en-la-argentina-nid14042025/
OIT. (s.f.). Economia informal na Argentina. Recuperado de https://www.ilo.org/es/media/105276/download
Scielo. (2024). Informalidade e trabalhadores pobres na Argentina (2003-2023). Recuperado de http://www.scielo.org.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2448-718X2024000400809
Sobre o Autor:
William L. Acosta é graduado Magna Cum Laude da PWU e da Universidade de Alliance. É um oficial de polícia aposentado da polícia de Nova York, assim como fundador e CEO da Equalizer Private Investigations & Security Services Inc., uma agência licenciada em Nova York e Florida, com projeção internacional.
Desde 1999, ele liderou investigações em casos de narcóticos, homicídios e pessoas desaparecidas, além de participar da defesa penal tanto em nível estadual quanto federal. Especialista em casos internacionais e multijurisdicionais, coordenou operações na América do Norte, Europa e América Latina
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