Stefania Bargardi, novembro de 2023.
A pandemia marcou um ponto de viragem global na atividade econômica, e os Estados Unidos não foram exceção. Particularmente este país atravessou uma mudança de governo em plena onda de covid, o que significou também uma mudança de cor política e, portanto, ideológica. O que significaram estas mudanças no mercado mais capitalista do mundo?
Quando comparamos economias de diferentes países, ou mesmo a economia de um mesmo país, mas em diferentes períodos, recorremos às contas nacionais e principalmente à composição do PIB per capita.
A disjuntiva é fazer uma comparação entre dois períodos presidenciais em função do PIB per capita:
- O período presidencial de Donald Trump (2017-2021) com o de Joe Biden (2021-2024 com projeções).
Esta comparação ajudará-nos a analisar o desempenho da gestão de um dos países mais importantes do mundo, geopolíticamente falando, durante a maior crise que a humanidade atravessa nas últimas décadas.
Introdução
“O PIB é definido como o valor total de todos os bens, serviços e estruturas produzidos pela economia de uma nação durante um período especificado; por outras palavras, o valor total da produção da economia.” (C.R.O; 2022)
No entanto, o crescimento do PIB não dá nenhuma indicação de como o rendimento está a crescer distribuídos dentro da economia (C.R.O; 2022) por isso utilizaremos o PIB per capita.
Segundo dados do Banco Mundial (2023) a economia global vinha com crescimento estável nos últimos anos, mas foi interrompida pela pandemia do COVID-19 com um grande declínio em 2020. A OCDE (2021) calculou que o PIB mundial caiu 4,2% durante 2020.
Por sua vez, os Estados Unidos foram afectados em semelhante medida por esta situação, resultando numa contracção do seu PIB de 3,7%.
Devido ao COVID-19, tanto o PIB real como o PIB real per capita caíram na primeira metade do ano, mas desde então recuperaram e ultrapassaram os níveis pré-pandémicos.
Outra particularidade deste período foi a expansão massiva do comércio digital, devido às medidas de isolamento e prevenção pela pandemia. Isto representou uma oportunidade para a economia americana que representa 68% do comércio mundial digital. (Samples, 2022)
Além disso, é prudente salientar que a economia dos EUA apresenta muitas desigualdades, mas também é muito diversa entre cada estado, já que alguns têm desenvolvimento maioritário da agricultura, mas outros de serviço e tecnologia, pelo que a composição da economia de cada estado varia muito.(Aromi, 2023)
Para Cuervo (2023), a política económica americana é definida em relação à economia mundial: os eixos são a política comercial externa, a geopolítica com organismos multilaterais, os fluxos de capital, a liderança tecnológica, as decisões das suas empresas transnacionais (MNC) e o poder militar.
Mas uma força deste país é que tem soberania monetária absoluta, uma vez que a sua moeda é a moeda de reserva internacional e, acima de tudo, o meio de pagamento global; por esta razão, uma crise global afecta directamente a economia dos EUA, provavelmente mais do que outros Estados.
Para conseguir analisar estas variáveis num período (Biden) é necessário contrastar evolutivamente no tempo e, por isso, o compararemos com o período presidencial imediatamente anterior (Trump).
Análise comparativa
As contas nacionais dos EUA nos últimos anos parecem permanecer num declínio que resulta em retracção do PIB e défice fiscal. (Aromi, 2023)
Com uma inflação que quadruplicou entre 2021 e 2022 (Cuervo, 2022), mais rapidamente que a inflação global causada pela Guerra na Ucrânia.
Embora uma dicotomia seja levantada entre o carácter ideológico de Donald Trump e o de Joe Biden por pertencer a partidos opostos, republicano e democrata, respectivamente, ambos representa políticas econômicas do Neo-Keynesianismo (Cuervo, 2022) Por conseguinte, no sector económico, os objectivos são semelhantes para ambos, mas a nível ideológico as “formas” reflectem discrepâncias.
Para Cuervo (2023) a era Trump foi um período de transição entre o segundo paradigma (Consenso de Washington que vê o Estado como o problema e procura reduzi-lo ao mínimo), e o terceiro paradigma da volta à política industrial estratégica e o limite para a hiperglobalização representado na gestão de Biden.
A gestão Trump 2017-2021 America First
No sector nacional, Donald Trump herdou uma economia de recuperação completa: com uma taxa de desemprego de 4,7%; 76 meses consecutivos de crescimento de empregos com um aumento de 227.000 postos mensais por 35 meses. Enquanto o PIB continuava a crescer a 2,5% por trimestre e a inflação média de 2017/2020 de 1,4% por ano (Cuervo, 2023). No entanto, a nível internacional, Trump lançou a sua administração sob o lema “América Primeiro”, um programa que se baseou na “guerra comercial” com a China, o confronto com a Organização Mundial do Comércio (que paralisou grande parte da sua acção), a volta atrás com os projetos de integração económica, bem como na retirada dos compromissos ambientais da Cimeira de Paris de 2015. (Bargardi, 2019)
Na economia doméstica, introduziu um plano de isenções fiscais ao capital (stakeholders), que se somaram às já existentes e à promoção do consumo. Durante o desenvolvimento do seu governo, a taxa de desemprego caiu para 3,5 % e o crescimento do PIB teve uma média de 2,49 % anual para os primeiros três anos e uma queda de 3,40 % no quarto ano (pandemia-2020), com o PIB per capita a crescer a 1,94 % média entre 2017 e 2019 e a cair em 4.32 % em 2020.
Como período de transição analisado por Cuervo (2023), Trump começou a olhar para dentro, em vez de guiar-se pelas tendências internacionais.
Bidenomics
Ao contrário do seu antecessor, Biden bucou expor o novo formato do multilateralismo no comércio global, gerado a partir da política económica num mundo em que a China reafirma a sua presença através da Iniciativa da “Franja e da Rota”. A Bidenomics funciona como uma plataforma do Ocidente para instalar o III Paradigma da economia mundial desde 1945: a recuperação da Indústria Manufactureira e a volta da Política Industrial, a revitalização das comunidades, uma economia centrada nos trabalhadores e na classe média e uma política comercial oposta à hiper globalização. Ao contrário de Trump, Biden tenta adaptar os EUA à nova era da globalização, mas sem depender dela, de uma forma mais diplomática e dialoguista, do que a utilizada pelo republicano. Onde abrir o mundo não está mal visto enquanto as indústrias estratégicas estão preotegidas e a concorrência seja leal (Bargardi, 2022 e 2019)
A Bidenomics se nutre de políticas, leis e recursos com apoio “bipartidário”, convocando democratas e republicanos, com maioria no Congresso (Cuervo, 2023). As diferenças centrais não estão no que, porque ambos buscam fazer a América grandiosa de novo, mas no como.
O objetivo da Bidenomics é limitar a globalização, não a nega; com um paradigma da volta à geopolítica do comércio e da política industrial.
É necessário salientar que o contexto global da pandemia aumentou a necessidade de cooperação internacional perante um problema que ultrapassa as fronteiras nacionais e procura de soluções globais (Bargardi, 2020) e, por isso, foi necessário um giro diplomático e ideológico face à relação dos Estados Unidos com o resto do mundo durante a presidência de Biden.
Quanto às projecções económicas de 2023 e 2024, o crescimento mundial irá abrandar em 2023 para 2,1 %. Mas irá acelerar novamente para 2024 em 2,4%. (Banco Mundial, 2023) e afetará as economias avançadas como a dos EUA. Asensio (2023) assinala que o PIB dos EUA encerrará este ano com um crescimento próximo a 2% e que o ano que vem a expansão cairá até 1,3 pontos e se situará no intervalo entre 0,9% e 1%. Ou seja, a economia dos EUA cairá e isso gerará um efeito dominó com o resto de economias desenvolvidas ou emergentes do mundo.
Isto significa que o abrandamento do crescimento do PIB foi um factor que se manteve da era Trump à era Biden, mesmo com crescimento anual, mas cada vez menor.
Conclusão
Os Estados Unidos são um país em que as políticas de Estado perduram no tempo, independentemente da cor política que tenham a maioria dos seus representantes, pelo que entre os dois períodos analisados, os objetivos foram semelhantes e contínuos. Aqueles que diferenciou Biden e Trump foram os modos “idológicos” de fazer política, especialmente a projectada para a areia internacional quanto à relação deste país com o resto do mundo. Enquanto Trump foi menos “diplomático” e tajante em relação à sua política econômica e comercial nacionalista, Biden foi mais dialoguista e prudente em continuar construindo cooperação sem perder soberania.
Quanto ao desempenho económico, Trump assumiu uma base de crescimento que o ajudou a implementar os seus objectivos de política económica, mas foi interrompido pela pandemia. Joe Biden teve de assumir um mandato marcado pela recessão global e local, mas soube sair a flote, embora com um PIB em crescimento, se projeta que será mais desacelerado do que o do seu antecessor.
O desempenho económico da gestão democrata parece ser bastante bom se olharmos para a base em que deveria trabalhar, ao contrário de Trump que assumiu com uma economia estável e em crescimento. A verdade é que os últimos meses de um antecessor influenciam o desenvolvimento posterior de um novo governo, e independentemente de quem ganhar as eleições em 2024, as projeções dão resultados não tão bons. Veremos se as soluções são com a inclusão de uma agenda global ou com isolacionismo pleno.
Programa dos EUA 2023
Universidade de Buenos Aires
Embaixada dos Estados Unidos da América na Argentina
Stefania Bargardi
Novembro de 2023
Bibliografia
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