Além dos números: uma justiça sem voz nem defesa
No início de julho de 2025, um novo relatório da Anistia Internacional acendeu mais uma vez os alertas sobre a situação dos direitos humanos no Oriente Médio. Desta vez, o foco se concentrava em um Estado que, enquanto exibe megaprojetos futuristas, multiplica as execuções em silêncio. As estatísticas são eloquentes: apenas em 2024, foram executadas 345 pessoas. Nos primeiros seis meses de 2025, já são contadas 180 execuções, 37 delas concentradas em um único mês, quase todas ligadas a delitos relacionados a drogas.
A reanimação das execuções por tráfico de drogas, após uma moratória informal que terminou discretamente em 2022, devolveu ao país os primeiros postos no uso global da pena de morte. No entanto, o dado mais perturbador vai além da contagem: cerca de 75 % das pessoas executadas por esses delitos são estrangeiras. Trabalhadores migrantes de baixos recursos, provenientes de países como Paquistão, Nigéria, Somália e Jordânia, enfrentam processos sem tradutores, sem defesa adequada e, em muitos casos, sem aviso prévio para suas famílias. Alguns familiares foram notificados apenas depois que seus entes queridos já haviam sido executados.
Uma justiça que não alcança a todos de igual forma
Enquanto o discurso oficial fala de modernização, reforma e desenvolvimento, o sistema judicial mostra outro lado: uma estrutura penal que aplica seu rigor com especial dureza sobre aqueles que têm menos possibilidades de se defender. O relatório da Anistia documenta casos documentados de tortura, confissões extraídas sob coação e total ausência de garantias mínimas de devido processo. A isso se acrescenta um dado alarmante: pelo menos sete pessoas foram condenadas à morte por delitos cometidos sendo menores de idade, infringindo abertamente o direito internacional.
A nacionalidade e a condição socioeconômica se transformaram em fatores de vulnerabilidade frente a um sistema penal altamente opaco. Em nome da segurança ou da moral pública, impõem-se condenações irreversíveis sem espaço real para revisão, recurso ou defesa digna. A justiça é executada, mas raramente é explicada. E em muitos casos, nem mesmo é comunicada àqueles que mais precisam: as famílias.
A sombra por trás do espelho reformista
O programa “Visão 2030” busca projetar uma imagem de abertura, inovação e liderança regional. Mas as constatações do relatório contrastam duremente com esse relato. A aplicação sistemática da pena de morte por delitos não violentos, a falta de transparência nos procedimentos judiciais e a discriminação estrutural contra minorias como os xiitas, que representam apenas 10–12 % da população, mas acumulam mais de 40 % das execuções por “terrorismo”, expõem uma política judicial seletiva, rigorosa com uns e flexível com outros.
Os números, mais uma vez, ilustram uma tendência inquietante. Desde 2014 até meados de 2025, foram executadas 1.816 pessoas no país. Dessas, 597 foram por delitos relacionados a drogas. Longe de se tratar de um recurso excepcional, a pena capital parece fazer parte de um sistema que opera regularmente, sem condescendências, e que reserva sua maior dureza para aqueles sem influência ou proteção diplomática.
Vozes que não são ouvidas e responsabilidades que se diluem
Apesar das múltiplas protestas de governos cujos cidadãos foram executados, entre eles Jordânia, Paquistão e Nigéria, a resposta tem sido limitada. A capacidade real de pressão diplomática parece se diluir frente a interesses energéticos, investimentos multimilionários e alianças estratégicas. Em fóruns internacionais, como o Conselho de Direitos Humanos da ONU, as declarações de preocupação têm sido constantes, mas pouco efetivas para frear uma política que se mantém sem maiores consequências.
A partir da Anistia Internacional, Human Rights Watch e Reprieve, reiterou-se a necessidade de estabelecer uma moratória total sobre a pena de morte, especialmente para delitos não violentos como o tráfico de drogas. A exigência inclui a revisão independente de todos os casos pendentes, com o objetivo de evitar novas execuções que poderiam constituir graves violações do direito internacional.
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