17/10/2024 - politica-e-sociedade

Tarifas para estrangeiros e a necessidade de auditar as universidades: para onde vão os fundos?

Por Uriel Manzo Diaz

Tarifas para estrangeiros e a necessidade de auditar as universidades: para onde vão os fundos?

Universidade de Filosofia e Letras

O novo projeto do governo para que as universidades públicas comecem a cobrar dos estudantes estrangeiros reabre uma discussão e um dilema constante. A universidade pública deve continuar sendo um direito universal e gratuito, ou estamos diante de um modelo que já não pode se sustentar em um país em crise? Spoiler: como tudo neste país, a resposta não é tão simples quanto parece.

Alguns veem a medida como um golpe à inclusão educacional, enquanto outros —como eu— acreditamos que é um passo necessário para salvaguardar um sistema que há tempos está em crise. E é que, às vezes, as palavras bonitas e os princípios universais de "educação gratuita para todos" escondem uma realidade menos decorosa: as universidades têm fundos, só que nem sempre são destinados onde mais se precisam. Dizem aos estudantes e docentes que não há dinheiro, mas a verdade é outra.

Um projeto polêmico que divide águas

O governo de Javier Milei, em uma reviravolta que não surpreende ninguém, propôs uma mudança radical: as universidades públicas deverão cobrar taxas aos estudantes estrangeiros não residentes. Em outras palavras, se você é de fora e não tem residência legal no país, terá que começar a pagar pela sua educação. Qual o objetivo? Supostamente, aliviar as finanças das universidades que, como o resto do país, estão amarradas com fio.

Primeiro, coloquemos em contexto. A educação na Argentina é gratuita. Gratuita para todos. Há décadas, milhares de estudantes estrangeiros —na sua maioria latino-americanos— escolhem vir ao país para cursar cursos universitários, principalmente em áreas como Medicina e Ciências Sociais. Isso não é casual: enquanto em outros países a educação superior é um luxo, na Argentina continua sendo um direito.

E é aí que as coisas começam a complicar. Em 2024, a Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de La Plata informou que quase 40% de seus ingressantes são estrangeiros. Qual é o problema? A infraestrutura está saturada, os recursos são escassos, e muitos argentinos começam a se perguntar se a solidariedade internacional não está afetando suas próprias oportunidades. O que era antes motivo de orgulho —ter uma universidade aberta para todos— agora é um "desperdício".

Está errado que venham estudar? Claro que não. É justo que o façam sem contribuir em nada para o sistema enquanto os próprios argentinos pagam com seus impostos? Essa é outra história.

Sustentar um sistema educacional que recebe milhares de estudantes de outros países sem pedir-lhes um mínimo aporte econômico é um luxo que, lamentavelmente, já não podemos nos dar. Porque enquanto nossos recursos se esgotam, a qualidade da educação se deteriora. E quem mais perde, ironicamente, são os próprios argentinos.


Esta é a solução que a universidade precisa?

A pergunta do milhão é: este projeto vai resolver algo? O governo o vende como uma solução pragmática. A lógica por trás da medida é que, se os estudantes estrangeiros não residentes começarem a pagar, o sistema universitário argentino poderia obter receitas adicionais para cobrir as deficiências orçamentárias. Mas, como costuma acontecer neste país, a realidade é muito mais complicada do que uma simples equação de receitas e despesas.

Por um lado, estão os que argumentam que a universidade pública está quebrada. E eles não estão totalmente errados. As universidades têm sido alvo de cortes orçamentários há anos, os salários dos docentes são baixos e as condições em algumas faculdades, lamentáveis. Nesse contexto, qualquer fonte extra de receita parece uma ideia sensata. Mas, é realmente?

Porque o outro lado da discussão é igualmente válido: se a Argentina começar a cobrar dos estrangeiros, o país corre o risco de perder seu prestígio como centro educacional regional. Milhares de estudantes estrangeiros escolhem vir às nossas universidades não apenas pela gratuidade, mas pelo nível acadêmico. 

Não há dinheiro? Não acredite

Recentemente, veio à tona uma informação que, para quem acompanha de perto a situação universitária, já não surpreende: $13.845.000,00 é quanto custa o motorista particular do reitor da Universidade Nacional de Rosario, Franco Bartolacci. Sim, você leu certo. Enquanto docentes, alunos e trabalhadores reclamam da falta de insumos e recursos, esse é o dinheiro destinado, não para melhorar as salas de aula, mas para o transporte pessoal de uma única pessoa. Portanto, quando te dizem que "não há dinheiro", lamento informar que sim, há, mas não para você. Mas atenção, para o motorista, sim.

Este é apenas um exemplo da má gestão que impera em muitas universidades públicas do país. Há fundos, mas os destinos desses fundos são, no mínimo, questionáveis. Por isso, a proposta de cobrar taxas a estudantes estrangeiros não residentes não é tão absurda. A universidade pública precisa ser sustentável, mas também auditada.


Auditar e cobrar: as duas faces da moeda

Agora, não quero que se malinterprete. Não estou dizendo que a universidade deva se tornar um espaço exclusivo ou privatizado. Muito pelo contrário. O que defendo é a necessidade de um equilíbrio. Por um lado, precisamos de uma universidade financiada de maneira responsável, o que inclui que aqueles que se beneficiam do sistema, como os estudantes estrangeiros não residentes, façam uma contribuição econômica. Por outro lado, também é imprescindível que auditemos de uma vez por todas a gestão interna das universidades.

O caso do motorista do reitor da Universidade Nacional de Rosario não é um fato isolado. Basta raspar um pouco a superfície para descobrir que grande parte do orçamento universitário vai em salários inflacionados de funcionários, gastos administrativos supérfluos e outras regalias que nada têm a ver com melhorar a qualidade educacional. Então, de que adianta pedir mais dinheiro se não sabemos em que está sendo usado o que já temos?

As universidades precisam ser auditadas de forma independente e transparente. Só assim poderemos saber se a falta de recursos é real ou se, como em muitos casos, o que falta é vontade de administrar corretamente.

O que realmente implicaria este projeto?

Suponha que a medida seja aprovada. O que mudaria? De imediato, as universidades teriam que implementar um sistema de cobrança e controle que, hoje em dia, não existe. Ou seja, mais burocracia. Além disso, não está claro se o dinheiro arrecadado seria suficiente para cobrir as necessidades urgentes do sistema educacional. 

Além do impacto financeiro, também haveria um custo social. A cobrança aos estrangeiros poderia desencadear tensões diplomáticas com os países de origem dos estudantes, muitos dos quais mantiveram relações bilaterais estáveis com a Argentina no âmbito educacional. Além disso, poderia gerar uma percepção de exclusão que não se alinha com a imagem que o país construiu ao longo dos anos.

O que vem a seguir?

O que segue agora é um debate necessário, mas também honesto. É hora de deixar de romantizar a gratuidade absoluta e começar a falar de soluções práticas. Cobrar taxas de estudantes estrangeiros é uma dessas soluções. Mas não deve ser a única. Precisamos auditar, melhorar a gestão e, acima de tudo, pôr fim aos privilégios que apenas beneficiam uns poucos, como o motorista particular do reitor de Rosario.

A universidade pública pode e deve continuar sendo um espaço de acesso e qualidade, mas para que isso aconteça, é necessário contar com uma administração eficiente e honesta. E sim, isso implica que aqueles que mais obtêm vantagens do sistema também assumam parte da responsabilidade de sustentá-lo.

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Uriel Manzo Diaz

Uriel Manzo Diaz

Olá! Meu nome é Uriel Manzo Diaz, atualmente estou em processo de aprofundar meus conhecimentos em relações internacionais e ciências políticas, e planejo começar meus estudos nesses campos em 2026. Sou apaixonado por política, educação, cultura, livros e temas internacionais.

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