Javier Milei e Xi Jinping
China e Argentina: De Parceiros a Dúvida na Política Externa
Às vezes parece que Argentina tem uma espécie de "síndrome da grande potência". Passamos a acreditar que somos o umbigo do mundo a agir como se estivéssemos em um canto que ninguém se importa. E neste jogo de espelhos entre nossa autoestima e a realidade, China aparece como um ator silencioso, mas importante. Desde 1972, quando foram estabelecidas relações diplomáticas formais, o gigante asiático se tornou um dos parceiros comerciais mais importantes do país.
A China compra soja, carne bovina, cevada... Sim, tudo muito agro, mas para a economia argentina isso é ouro puro. Em momentos em que as reservas do Banco Central estão à beira da extinção, as exportações para a China são um fôlego de ar fresco. Mas não só isso: a energia, mineração e infraestrutura são setores nos quais o país asiático colocou seus olhos, investindo cifras astronômicas que, para muitos, representam um salva-vidas.
Então, por que questionar uma relação que parece ser a solução para tantos problemas? Bem, a política internacional é um campo sensível, e com a chegada de Javier Milei à Rosada, as dinâmicas podem mudar.
Fernández e China: Amor à Primeira Vista
Se olharmos para trás, no governo de Alberto Fernández, a Argentina formalizou sua adesão à Iniciativa da Cinta e da Rota, esse megaproyecto global de infraestrutura chinês. À primeira vista, pode parecer um daqueles acordos onde o país se ajoelha diante de uma potência estrangeira, mas a realidade é diferente. Foram assinados treze documentos reservados, abrangendo áreas estratégicas como ciência, tecnologia, agricultura e educação, o que permitiu o desenvolvimento de projetos como o radiotelescópio CART em San Juan e a estação de acompanhamento do sistema global de navegação Beidou.
A Fernández não se importava muito se a China era ou não comunista. O que via era uma oportunidade econômica, uma chance de “oxigenar” as reservas do Banco Central e assegurar exportações em tempos difíceis. Ou seja, havia mais pragmatismo do que ideologia ou talvez o contrário. O que se buscava era aproveitar o que havia no horizonte sem muito conflito de valores. Mas Milei é diferente.

Milei e o Anticomunismo: Um Novo Paradigma?
Ao contrário de Fernández, Javier Milei não consegue parar de falar sobre comunismo. Para ele, a China é muito mais do que um parceiro comercial; é a representação de tudo o que despreza em termos ideológicos. Em seus primeiros discursos e entrevistas, Milei deixou claro que buscará fortalecer as relações com os Estados Unidos e outros países ocidentais, em uma tentativa de realinhar a política externa da Argentina para um quadro mais alinhado com suas convicções libertárias.
Agora, não nos enganemos. A retórica anti-China de Milei soa muito forte, mas uma coisa é o discurso e outra a realidade. A China é o segundo destino das exportações argentinas, e cortar a relação seria um suicídio econômico. Nos primeiros meses no poder, Milei mostrou sinais de que entende essa dualidade: não gosta do comunismo, mas precisa do comércio com a China para evitar que a economia colapse.
Nesse contexto, a viagem programada de Karina Milei à China em novembro pode ser chave. Ela é a Secretária Geral do presidente e, de acordo com algumas fontes, sua principal conselheira. Se Milei realmente quiser recalibrar a relação com a China sem destruí-la, essa viagem será um ponto de inflexão.

Os Números Não Mentem: O Comércio com a China, uma Realidade Indiscutível
Enquanto Milei discute sobre comunismo e liberdade, a realidade econômica continua seu curso. Neste ano, a China autorizou quatro plantas frigoríficas argentinas para exportar produtos de origem animal. Este é apenas um exemplo de como, além da política, o comércio entre ambos os países continua crescendo. Não estamos falando apenas de soja e carne; a indústria agroexportadora argentina depende desses intercâmbios para se manter à tona.
Por outro lado, a China não é ingênua. Em várias ocasiões, utilizou ferramentas comerciais como a pressão tarifária ou as restrições de licenças para expressar seu descontentamento diplomático. Se Milei decidir esfriar as relações, como muitos de seus seguidores desejam, quão rápido a China reagirá? Sabemos que a nível global, a potência asiática tem uma longa história de usar a economia como ferramenta diplomática. E a Argentina, com sua fraqueza estrutural, é um alvo fácil.
Ideologia vs Realismo: A Dificuldade de Governar
Milei chegou ao poder com a promessa de uma revolução liberal: encolher o Estado, eliminar regulações e, acima de tudo, realinhar as relações exteriores com o mundo ocidental. O problema é que, no caso da China, não se pode simplesmente cortar a relação sem enfrentar consequências econômicas graves.
Muitos concordam que, apesar do esfriamento nas relações diplomáticas com a China, o comércio entre ambos os países continua sem maiores alterações. Espera-se que o governo de Milei adote uma abordagem pragmática para evitar uma crise econômica. Em definitivo, a ideologia e o pragmatismo estão em conflito, e embora Milei mantenha seu discurso firme, não poderá ignorar os números que falam por si sós.
As Províncias e o Lítio: Uma Troca Que Não Se Detém
Se algo ficou claro nos últimos anos é que, além do que acontece a nível nacional, as províncias argentinas têm seu próprio jogo com a China. Governadores de províncias como Jujuy, Salta e Catamarca aproveitaram o interesse chinês no lítio para atrair investimentos multimilionários. O embaixador chinês na Argentina percorreu o país assinando acordos com governos subnacionais, o que demonstra que a troca entre ambos os países não depende exclusivamente da vontade do governo central.
Por que isso é importante? Porque, embora Milei queira se distanciar da China a nível nacional, os interesses econômicos a nível provincial continuarão pressionando para manter o fluxo de investimentos. As províncias precisam de lítio, cobre e outros recursos naturais para gerar emprego e desenvolver suas economias locais. Se o governo central decidir cortar os laços, não será apenas Buenos Aires quem sofrerá as consequências.
A Geopolítica Regional e o Fator Milei
Finalmente, é necessário olhar ao nosso redor. A relação com a China não se desenvolve em um vácuo. A América Latina está em constante mudança e a posição da Argentina neste contexto é chave. Países como Brasil, Peru e Chile fortaleceram suas relações com a China nos últimos anos, o que gera uma dinâmica regional de interdependência. Se a Argentina decidir se distanciar, como reagirão esses países? Isso afetará nossa capacidade de negociação em organismos internacionais?
A administração Milei terá que caminhar em um terreno geopolítico complicado. A China não é um sócio qualquer, é um ator relevante que influencia toda a região. A pergunta que fica é se Milei conseguirá lidar com essa relação com o mesmo pragmatismo que seus predecessores ou se sua ideologia o levará a tomar decisões que poderiam isolar a Argentina em um momento de mudanças importantes.
Entre a Retórica e a Realidade
A chegada de Javier Milei marca um antes e um depois na política externa argentina. Sua retórica anticomunista gerou incertezas sobre o futuro das relações com a China, mas a realidade econômica obriga a uma visão mais pragmática. As exportações, os investimentos e a necessidade de divisas impõem limites ao que Milei pode fazer sem colocar em risco a estabilidade do país.
O verdadeiro desafio de Milei: Defender seus princípios sem ceder à dependência econômica da China. Nos próximos meses, sua habilidade para manter suas convicções ideológicas enquanto enfrenta as exigências da realidade econômica será colocada à prova.
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