25/04/2025 - politica-e-sociedade

Os desafios do novo governo alemão (Primeira parte)

Por Poder & Dinero

Os desafios do novo governo alemão (Primeira parte)

Pedro von Eyken desde La Prensa para FinGurú

No dia 23 de fevereiro, os alemães foram às urnas, antecipadamente, para colocar o país de pé diante de uma das crises econômicas e sociais mais graves desde a criação da República Federal em 1949. O governo de coalizão liderado pelo social-democrata Olaf Scholz, golpeado por uma forte recessão econômica e o aumento dos combustíveis devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, colocou o país à beira do abismo.

O democrata-cristão Friedrich Merz, da CDU de Adenauer, Kohl e Merkel, alcançou o primeiro lugar com 28,6% dos votos. Nunca havia ficado abaixo de 30% durante os anos de Merkel e obteve 41,5% em 2013. Esperava-se agora um governo de Grande Coalizão da CDU junto com seu parceiro, o Partido Social Cristão da Baviera (CSU) e os social-democratas (SPD).

As negociações de coalizão terminaram no dia 9 deste mês. Na Alemanha, por seu sistema parlamentar, as alianças não são palavras ao vento. Os compromissos programáticos são cuidadosamente escritos e assinados. O acordo alemão, neste caso, tem 146 páginas.

FATO INÉDITO

O fato inédito destas eleições foi que o partido de extrema-direita “Alternativa para a Alemanha (AfD)”, criado em 2013 e que muitos comparam com o nazismo do século XX, ficou em segundo lugar nas preferências do eleitorado com 20,4% dos votos. Superaram os social-democratas, que sofreram a maior derrota eleitoral da história, com 16%, dez pontos a menos do que em 2021. Merz sempre expressou seu veemente rejeição em formar governo com a AfD, conhecida por seu racismo, anti-europeísmo, anti-imigração e simpatia com a Rússia. O partido é vigiado de perto pelo Escritório Federal de Proteção da Constituição, já que a Lei Fundamental de 1949 proíbe partidos extremistas. Aquele que está interessado em uma revisão rápida e objetiva da história alemã de 1933 a 1945 poderia verificar marcadas diferenças de fins e procedimentos entre a AfD e o nazismo, responsável pela II Guerra Mundial e pelo Holocausto. Mas as generalizações superficiais vendem mais do que o discernimento sério e, para muitos dentro e fora da Alemanha, a AfD é o novo nazismo.

Merz estava afastado da política. Voltou após a retirada de sua grande rival, Angela Merkel. Nem suas propostas nem seu estilo poderiam estar mais distantes dos da mulher que o precedeu na liderança da CDU e do país. É a mesma centro-direita, mas mais firme, menos “política” do que Frau Merkel.

INDICADORES DA CRISE

A sede argentina da Fundação Hanns Seidel, do Partido Social Cristão da Baviera, gentilmente me cedeu os seguintes indicadores da crise.


* ECONOMIA:  A Alemanha está, pelo segundo ano consecutivo, diante de uma forte recessão. Seu PIB caiu 0,3% em 2023 e 0,2% em 2024. Para a BDI, Associação Federal da Indústria Alemã, entramos em uma crise profunda e, para 2025, a produção econômica cairá mais 0,1%. Será o terceiro ano consecutivo de recessão.

As tarifas punitivas dos EUA complicarão o cenário de um país orientado para a exportação de sua indústria metalúrgica, principalmente de automóveis. A taxa de inflação anual, entre 2023 e 2024, alcançou 2,2% e foi de 5,9% no período de 2022-2023 e de 5,9% entre 2021 e 2022. São muito elevadas para a Alemanha. O custo de energia devido à guerra entre Rússia e Ucrânia levou às tarifas elétricas residenciais mais altas da Europa. A energia proveniente de usinas nucleares foi desativada em abril de 2023 sob pressão do partido Os Verdes.

Finalmente, a queda da produtividade tem se consolidado: foi de 0,1% em 2022 e 0,6% em 2023. Em 2023, a Alemanha ocupou a 14ª posição em produtividade a nível mundial, atrás da Suécia, Finlândia e Dinamarca, mas também atrás da Bélgica e dos EUA. A ausência laboral por doença, de 15,1 dias por funcionário em 2023, atingiu seu nível mais alto. Há muito a melhorar.

* MIGRAÇÕES:  A Alemanha continua liderando a atratividade europeia para a imigração. Dos quase 14,5 milhões de migrantes na União Europeia ultimamente, 40%, seis milhões, chegaram à Alemanha. A alta e controversa abertura de Angela Merkel, que permitiu a entrada de mais de 1,2 milhões de refugiados e solicitantes de asilo entre 2015 e 2016, no auge do conflito na Síria, é talvez o aspecto mais criticado de seu extenso governo. No primeiro semestre de 2024, havia 3,48 milhões de refugiados vivendo na Alemanha.

Isso constitui um fenômeno que preocupa o cidadão alemão médio, que começa a demonstrar rejeição. Segundo depoimentos pessoais que me foram referidos, incomoda o mero fato de ouvir idiomas estrangeiros em uma grande estação de trem, sem mencionar os atentados de migrantes muçulmanos em concentrações públicas. Um controle mais rigoroso dessa variável está por vir com o novo governo de Merz.


* DEFESA: O gasto da participação alemã na assistência militar à Ucrânia desde a invasão russa de 2022, por si só elevado, aumentará consideravelmente diante da ameaça dos Estados Unidos de retirar ou diminuir seu apoio militar à Europa, especialmente perante o conflito russo-ucraniano, no qual a União Europeia e, acima de tudo, a Alemanha estão claramente do lado da Ucrânia. Apesar dos anúncios do presidente Trump, minha condição de cientista político realista, respeitoso da geopolítica, me inclina mais para uma diminuição do que para uma retirada total do apoio de Washington. Mas assim se negocia.

 

REMINISSCÊNCIAS PROFISSIONAIS

O tema para mim traz reminiscências profissionais concretas. Em 1997, eu estava finalizando meu segundo destino diplomático na Alemanha quando precisei escolher um tema para um trabalho de pesquisa exigido pelo Ministério para ascender a ministro plenipotenciário. Optei por intitular “A política de segurança da nova Alemanha. Entre o interesse nacional e a responsabilidade internacional” e está acessível na biblioteca do ISEN. Eu assisti à queda do Muro de Berlim em 1989 e à segunda reunificação do país em 1990, que resultou na primeira extensão da OTAN para o Leste ao aceitar o país reunificado como membro da aliança segundo o Acordo 2 + 4. Eu ressaltava em meu trabalho que a Alemanha deveria abandonar essa absurda “culpa coletiva” pela guerra e pelo Holocausto, sem qualquer fundamento mais de quarenta anos após 1945. Deveria enfrentar as responsabilidades que lhe impunha sua nova condição, sempre dentro da Europa. Mas o país adiou essa responsabilidade até o dia 9 de abril passado. A era Kohl (1982-1998), seguida pela era Merkel (2005-2021), continuou a repousar na comodidade de uma OTAN completamente conduzida e apoiada pelos EUA. Hoje, uma das reformas em análise é o retorno ao serviço militar obrigatório, ao qual a social-democracia se opôs firmemente.

 

LIDERANÇA E MEIOS

Friedrich Merz não deseja se esconder atrás do apoio de Washington. Compreende que seu país deve assumir sua liderança, criando os meios para isso. O Parlamento Alemão aprovou no dia 18 de março, com o apoio dos Verdes, fundos especiais de cerca de um trilhão de euros destinados a financiar projetos de infraestrutura e gastos substanciais de defesa. Esses fundos, que serão obtidos por meio de endividamento nacional e estrangeiro, visam superar dois anos seguidos de recessão e enfrentar um cenário de defesa que a invasão russa da Ucrânia, em fevereiro de 2022, alterou como nunca a Europa desde a II Guerra Mundial.

Merz deverá cuidar, além disso, que os maiores gastos de defesa não comprometam o estado de bem-estar e as despesas ambientais. Um desafio concomitante será deter o crescimento da AfD, que se tornou a segunda força política da Alemanha. Quase nada.

Pedro von Eyken é Doutor em Ciências Políticas, diplomata e escritor. Ex-Embaixador da República Argentina no Haiti. Assumiu a embaixada do mesmo país em Cuba como encarregado de negócios, foi Cônsul na Finlândia e em Hamburgo, Alemanha, onde também atuou como Conselheiro Comercial na embaixada.

É autor de dois livros, baseados em suas experiências pessoais em Cuba (“Testemunha de uma revolução traicionada”) e Haiti (“Haiti, entre o silêncio e a fome”).

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