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O inverno demográfico: de Ceaușescu a Repovoar o ocidente.

Por Tobias

O inverno demográfico: de Ceaușescu a Repovoar o ocidente.

Fonte: Revista 5W

Em 1º de outubro de 1966, quando o outono começava na Romênia comunista e o frio começava a ser sentido no país, Nicolae Ceaușescu, o ditador que governava na época, assinou e promulgou o Decreto nº 770, uma disposição destinada a promover a natalidade na nação.

Era tempos de um verdadeiro inverno demográfico na Romênia. O regime tentava frear uma tendência que se arrastava desde a Segunda Guerra Mundial, quando a população do país havia começado a reduzir tanto pelas baixas no front quanto pela crise do pós-guerra. Nesse contexto, o governo apresentou a maternidade como um dever patriótico e como uma estratégia para impulsionar a economia nacional, incentivando as famílias a crescer sem limites.

O decreto foi inicialmente apresentado como uma medida destinada a proibir o aborto. No entanto, na prática, a política também se estendeu à retirada de todos os anticonceptivos (tanto masculinos quanto femininos) das farmácias estatais, com o objetivo de eliminar qualquer controle voluntário da natalidade. A posição oficial do regime ficou expressa nas palavras de Ceaușescu, que chegou a advertir em um discurso: “O feto é propriedade de toda a sociedade… Quem evita ter filhos é um desertor que abandona as leis da continuidade nacional.”

A política foi um sucesso estrondoso no início. Nos três primeiros anos de aplicação do Decreto 770, nasceram dois milhões de crianças que impulsionaram o crescimento da população do país comunista.

No entanto, a economia nacional não decolou como havia sido previsto. Na verdade, a saída do inverno demográfico ocorreu à custa de uma autêntica catástrofe social. Forçar a população a ter filhos sem possibilidade de controle resultou em numerosos gravidezes indesejadas e em situações de profunda dificuldade familiar. A consequência trágica foi o abandono de milhares de crianças, vítimas de um sistema que transformava a maternidade em dever. A maioria das famílias romenas da época era pobre demais para sustentar quatro ou cinco filhos, e muito menos oferecer-lhes condições de vida dignas.

Muitas das crianças abandonadas acabaram vivendo nos esgotos das grandes cidades ou foram confinadas em orfanatos insalubres, onde cresceram em condições desumanas. Nesses tristes estabelecimentos, se acumulavam pequenos afetados por diversas doenças, entre elas a AIDS, e cuja atenção era praticamente inexistente.

Fonte: Mike Abrahams


“É a Economia, Estúpido”

No pleno século XXI, muitos países do Ocidente, mesmo os mais relegados como a Argentina, colocaram em marcha planos de incentivos estatais para orientar a natalidade nas famílias. Em outras regiões onde essas políticas já deixaram marcas profundas, como na China, chegamos a ter casos de casamentos fictícios para acessar os suculentos benefícios que o Estado oferece às novas famílias.

Não é novidade que os países do Ocidente atravessam um inverno demográfico, particularmente na Europa. As taxas de decréscimo ou estagnação populacional afetam hoje nações de todo o mundo, embora o fenômeno atinja com especial intensidade o continente europeu. Em 2024, o bilionário Elon Musk se referiu a esse problema afirmando que “A civilização pode terminar com uma explosão ou com um gemido (em fraldas de adulto)” em referência à prolongada fraqueza demográfica da Europa.

Essa tendência já começa a desembarcar na América Latina, como mostram os recentes números de decréscimo demográfico registrados no primeiro semestre de 2025.

Ao mesmo tempo, também não é novidade que as economias dos países desenvolvidos atravessam uma crise sem precedentes desde a pandemia, uma situação agravada pelas tarifas impulsionadas durante a administração Trump, o rápido crescimento da China em setores estratégicos como o de carros elétricos, que afeta especialmente países como a Alemanha, e a impotência europeia para se consolidar como um verdadeiro motor de inovação e desenvolvimento.

Em resumo, a experiência romena sob Ceaușescu demonstra que forçar a natalidade sem um sustento econômico sólido nem uma visão social de longo prazo pode resultar em tragédias coletivas. Hoje, diante do novo inverno demográfico que atravessam o Ocidente e a América Latina, o desafio não está em impor nascimentos por decreto nem em oferecer incentivos isolados, mas em construir sociedades capazes de sustentar suas novas gerações com emprego digno, educação, saúde e um horizonte de oportunidades. Só assim a população poderá crescer de forma equilibrada, sem repetir os erros de um passado onde a quantidade foi buscada acima da dignidade.

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Tobias

Tobias

Sou Tobías Belgrano, analista político e consultor especializado na América Latina e no Sul Global. No Austral Education Group, projeto programas acadêmicos internacionais junto a universidades de todo o mundo. Sou apaixonado por construir pontes entre culturas e contextos: trabalhei na Argentina, Taiwan, Itália e Estados Unidos, e colaboro regularmente com mídias e think tanks internacionais. Se você está interessado em política global, educação internacional ou em entender melhor as dinâmicas do Sul Global, convido-o a ler meus artigos e análises. Bem-vindo!

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