18/09/2024 - politica-e-sociedade

A diplomacia do desacordo: O jogo de tensões entre a Argentina e o Chile.

Por Valentina

A diplomacia do desacordo: O jogo de tensões entre a Argentina e o Chile.

Geopolítica Regional

Os conflitos bélicos do passado, como a Guerra do Pacífico, deixaram uma profunda marca na memória coletiva de ambos os países, e as relações diplomáticas entre Argentina e Chile se desenvolveram ao longo de muitos anos sobre certas desconfianças mútuas, pois em cada país a história foi ensinada apresentando o vizinho como expansionista e usurpador de território. Por isso, uma sequência de importantes acontecimentos que ocorreram neste ano reitera os problemas históricos desses países limítrofes e gera novos entraves nas relações bilaterais de ambos.

Para começar, no dia 15 de março de 2024, durante um encontro realizado por ambas as embaixadas no complexo internacional Cristo Redentor, também conhecido como passo Los Libertadores, ambas as delegações, uma chilena e outra argentina, realizaram um recorrido pela Área de Controle Integrado (ACI), onde trabalham funcionários responsáveis pelos controles fronteiriços de Aduanas e Migrações, além de fiscais do Serviço Agrícola Ganadero (SAG) do Chile. Lá, o embaixador argentino Jorge Faurie, diante de todos os funcionários do Ministério das Relações Exteriores chileno, fez declarações que, no mínimo, foram desrespeitosas “Meu país (pela Argentina) já era uma potência agrícola enquanto vocês apenas aprendiam a comer”.

Além disso, Faurie não cumprimentou o delegado presidencial de Los Andes na Sala de Reuniões da Área de Controle Integrado, Cristian Aravena Reyes, e o interrompeu quando ele quis se apresentar, mencionando em voz alta “Nosso Governo não reconhece tal cargo e não lhe atribui nenhuma importância ou validade ao mesmo”.

Vendo a negativa do conglomerado chileno, o embaixador se alterou ao ponto de elevar de forma exacerbada seu tom de voz e começar a bater na mesa, questionando o representante da Direção de Fronteiras e Limites do Chile, Pedro Pablo Silva, manifestando que “ele tinha anos de experiência e não lhe viriam contar histórias”

Houve tal descontentamento que suas polêmicas frases resultaram em queixas formais do Ministério das Relações Exteriores do Chile, que apresentou quatro ofícios denunciando “a atitude negativa” do diplomata argentino. Além disso, o senador Iván Moreira, da ultraconservadora União Democrática Independente (UDI), afirmou que "o embaixador da Argentina foi muito impertinente" e que "sabemos o estilo de Javier Milei, mas isso não pode ser uma estratégia permanente da Argentina, de mal-entendidos ou, mais precisamente, de gerar, através da política externa, uma ação que traz benefícios para a política interna", e o deputado Stephan Schubert, do partido ultradireitista Republicanos, apoiou as declarações e pediu que "o embaixador se desculpe, pois as autoridades chilenas devem ser respeitadas, assim como nosso povo".

Depois, no dia 29 de abril, também de 2024, a Armada Argentina inaugurou o Posto de Vigilância e Controle de Trânsito Marítimo Hito 1, em Terra do Fogo, na fronteira que separa o país do Chile na plena Patagônia. No entanto, alguns painéis solares utilizados para fornecer eletricidade foram deslocados três metros para o território chileno, causando desconforto no governo desse país, que reclamou formalmente ao Ministério das Relações Exteriores argentino. É importante mencionar também que esses painéis foram doados pela empresa de tecnologia Mirgor, parte do capital acionário da qual pertence a Nicolás Caputo, primo do ministro da Economia, Luis Toto Caputo.

Diante desse incidente, a preocupação do Chile é que o posto no Hito 1 tenha como objetivo controlar a navegação pelo Estreito de Magalhães, que é soberania plena chilena, e que alegaram que até o final dos anos 90 o posto estava mais ao sul (no farol Magalhães, a 650 metros da localização atual) e agora está justo na entrada do estreito, para este argumento se ampararam, entre outras coisas, no decreto 457, emitido pela Argentina em 2021, que explica que é fundamental continuar trabalhamos pelo controle conjunto do estreito de Magalhães, ao que o Chile respondeu com uma nota diplomática, já que o estreito corresponde apenas ao Chile, mas a Argentina não revogou o que foi dito.

A Argentina, por sua parte, destaca que este posto tem como objetivo o controle da navegação no Oceano Atlântico, ressaltando que todos os navios que entram ou saem do Estreito de Magalhães devem transitar por águas territoriais argentinas.

Este conflito em relação ao trânsito e controle do estreito de Magalhães reside nos Tratados celebrados pelas Repúblicas do Chile e da Argentina nos anos 1881 e 1984, nos quais fixaram definitivamente o domínio do Estreito de Magalhães para o Chile; no entanto, esse domínio ficou sujeito a certas limitações relativas à livre navegação pelo estreito, à sua neutralização e à proibição de fortificar suas costas.

O Chile, como país soberano do estreito, deve se abster de limitar a livre navegação dentro do mesmo. Porém, a Argentina, que não possui costas no estreito, mas sim nas águas do acesso oriental, deve se abster de restringir o livre trânsito das embarcações que passarão do Atlântico para o estreito, ou vice-versa.

Devido à inação e minimização do governo da Libertad Avanza (LLA), o presidente Boric se manifestou publicamente a respeito. “As fronteiras não são algo com o qual se pode ter ambigüedades” porque “é um princípio básico do respeito entre países”. “Portanto, devem retirar esses painéis solares o mais rápido possível ou nós os retiraremos”, sentenciou.

A relação entre os governos dos presidentes Boric e Milei é fria, marcada por diferenças ideológicas. Antes de ser eleito presidente, em julho de 2023, Milei visitou Santiago do Chile e atacou o mandatário local: “Assim como esperamos expurgar a praga kirchnerista [...] espero que vocês tenham a sorte e a grandeza para também conseguirem se livrar desse empobrecedor de Boric”, disse então a seu público.

Por isso, já em funções, no dia 8 de agosto deste ano, o presidente Milei viajou ao Chile onde participou do ato comemorativo do primeiro TCF (Trillion Cubic Feet) de gás natural transportado da Argentina para o Chile através do gasoduto, além de se reunir com várias empresas em busca de investimentos para a Argentina. A Casa Rosada tentou viabilizar um cumprimento protocolar entre Boric e Milei, mas não prosperou, o mandatário chileno se desculpou dizendo que precisava resolver problemas de sua agenda.

Como último ato transcendental, no dia 29 de agosto de 2024, as FFAA chilenas disseram ter detectado um avião no Estreito de Magalhães, de acordo com os dados do Ministério da Defesa do Chile, aproximadamente a três mil pés entre o monte Aymond e o Estreito de Magalhães foi declarada essa alerta de violação de espaço, diante do ocorrido, foi autorizado o despego de dois aviões F-5 da Força Aérea do Chile (FACh) da base aérea de Chabunco, em Punta Arenas, para realizar uma supervisão na área, sem encontrar nenhuma aeronave.

A ministra da Defesa chilena, Maya Fernández Allende, mencionou que o país transandino recebeu um alerta sobre um tráfego aéreo não identificado na zona oriental do Estreito de Magalhães, ao sul de seu território, que deveria ser proveniente da Argentina, o que foi negado pelo ministro da Defesa argentino Luis Petri, insinuando que poderia ser um avião inglês proveniente ou adjacente às ilhas Malvinas.

É necessário ter em conta resolver questões com o Chile como:

·        A falta de precisão na localização de alguns pontos de referência estabelecidos nos tratados limítrofes, gerando incerteza sobre a linha exata da fronteira em certas zonas montanhosas, que no futuro podem gerar conflitos pelo acesso a recursos naturais, como depósitos minerais ou fontes de água.

·        A região glacial, chamada Campo de Gelo Norte, localizada na Cordilheira dos Andes, apresenta dificuldades para sua delimitação, a qual é crucial para definir os direitos de cada país sobre os recursos hídricos, o chamado ouro branco.

·        A forma como os meios de comunicação de ambos os países cobrem as notícias relacionadas com as relações bilaterais influencia significativamente na percepção pública.

·        Os interesses econômicos de ambos os países, especialmente no âmbito comercial e energético, podem gerar tensões. Ambos buscam a exploração, comercialização e predominância no mercado com produtos e matérias-primas similares.

Por isso, há uma necessidade imperiosa de manter relações diplomáticas cordiais devido à quantidade de imigrantes em comum, ou seja, cerca de 2 milhões de chilenos vivendo na Argentina e aproximadamente 50 mil argentinos vivendo no Chile, devido à extensão da comunicação territorial desses países, sendo sua fronteira comum a mais extensa em ambos os casos. É importante também o peso do intercâmbio comercial que cada país representa para o outro e os tratados assinados que requerem disposição e cooperação.

Claramente há arestas a serem aparadas e uma grande desconfiança pelo tratado antártico, que pausa as reclamações tanto chilenas quanto argentinas no continente branco, ambas sobrepostas, por isso é necessário entrar em diálogo. Pois a desconfiança mútua continua sendo um obstáculo para fortalecer os laços bilaterais, necessários para o bem de ambos os países.

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Valentina

Valentina

Aspirante a escrever sobre teoria política e ser parte do poder executivo argentino.

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