A recente eleição de Donald Trump desencadeou uma série de questionamentos sobre o futuro das relações internacionais e o papel dos Estados Unidos no cenário global. Após um primeiro mandato marcado pela política de “America First”, as expectativas em torno de suas decisões políticas e econômicas estão gerando diversas reações e especulações a nível internacional. Neste análise, exploram-se as possíveis consequências de uma nova presidência de Trump na política externa americana e o impacto sobre atores internacionais.
Durante seu primeiro mandato, Trump implementou uma política de “America First” que priorizava os interesses econômicos e de segurança dos Estados Unidos acima dos compromissos multilaterais e alianças tradicionais. Uma estratégia nacionalista focada em diversas áreas-chave, como comércio, política externa, segurança nacional e energia, e que teve como objetivo restabelecer a competitividade e autossuficiência econômica americana.
Essa estratégia impactou profundamente os vínculos externos dos Estados Unidos, pois baseou-se em medidas que priorizavam o protecionismo e uma postura unilateral. Trump promoveu uma política comercial protecionista, voltada para renegociar ou retirar-se de acordos que, segundo sua perspectiva, desfavorecessem os Estados Unidos. No âmbito internacional, reorientou o país para o afastamento ou redução de sua participação em organismos e acordos multilaterais, defendendo uma menor dependência dos compromissos militares e financeiros no exterior, e incentivando aliados da OTAN e outras alianças a assumirem maiores responsabilidades em defesa. Sua administração manteve uma política de forte pressão sobre países como China e Irã, implementou restrições migratórias severas para proteger o emprego e os salários dos americanos, e fomentou a independência energética ao impulsionar a produção nacional de petróleo e gás. Consequentemente, as relações com vários aliados tradicionais e a dinâmica em organizações internacionais foram afetadas. A pergunta agora é: ele manterá essa postura ou será forçado a se adaptar ao novo contexto mundial? Um possível retorno de Trump à presidência poderia consolidar uma política externa menos comprometida com o multilateralismo e mais protecionista, gerando incerteza entre os atores globais.
Principais áreas de impacto na política internacional
A tensão entre os Estados Unidos e a China se consolidou como um eixo chave durante a administração anterior, desencadeando uma guerra comercial com efeitos significativos na economia global. Agora, é provável que seu novo mandato busque manter uma posição firme contra a China, especialmente em áreas sensíveis como tecnologia e investimento em países em desenvolvimento. Como parte de seus anúncios de campanha, prometeu impor tarifas de até 60% sobre produtos chineses, acusando a China de práticas comerciais abusivas. Sua postura novamente coloca as duas principais economias em uma guerra comercial, impactando as cadeias de suprimento globais e afetando a economia da região Ásia-Pacífico. Apesar da interdependência entre ambos os países, Trump poderia intensificar os controles sobre a propriedade chinesa em infraestruturas americanas e gerar uma maior desconfiança nos mercados asiáticos.
A China, em resposta, se prepara para lançar um pacote de reativação econômica, aumentando seus gastos em até 20% para mitigar as consequências de uma nova escalada tarifária. Esse contexto de rivalidade impulsiona os “tigres” asiáticos, como Coreia do Sul e Japão, a manter um delicado equilíbrio entre os EUA e a China. Por outro lado, Taiwan se torna um foco de tensão potencial na região, dada a retórica de ambos os países.
Nesse contexto asiático, poderia gerar uma maior militarização no Indo-Pacífico e uma reação defensiva da China em áreas de interesse estratégico. Além disso, a política de retirada impulsionada pela administração Trump, que incluiu a saída dos Estados Unidos de importantes acordos internacionais como o Acordo de Paris sobre mudança climática e o Acordo de Parceria Transpacífico (TPP), gerou um vazio na cooperação multilateral que outros atores começaram a preencher. Essas ações, fundamentadas em uma visão de protecionismo e em um recuo da liderança americana em favor de uma política externa mais unilateral, debilitaram os espaços de diálogo e coordenação internacional, particularmente no âmbito de segurança regional e comercial.
Uma nova presidência de Trump poderia desafiar ainda mais a influência dos EUA em organismos internacionais. Durante seu mandato anterior, Trump mostrou uma atitude crítica em relação a organizações como a ONU, a OTAN e a OMC. Nesta ocasião, poderia tentar limitar sua participação ou financiamento, enfraquecendo a capacidade dessas organizações de enfrentar desafios globais, como a mudança climática ou a migração. Essa abordagem unilateral poderia empurrar outros países a assumir papéis de liderança e buscar novos mecanismos de cooperação sem a presença predominante dos EUA.
Em relação à OTAN, reafirmou sua negativa em oferecer apoio incondicional aos membros da aliança, exigindo ainda que os aliados aumentem seus orçamentos de defesa. Essa postura introduz sérios riscos para a estabilidade na Europa Oriental, especialmente frente às ameaças provenientes da Rússia. Países como Polônia e as repúblicas bálticas poderiam ser impulsionados a aumentar seus gastos militares, abrindo um novo capítulo de insegurança e autodefesa na região.
O secretário-geral da OTAN, Mark Rutte, parabenizou Trump e destacou a relevância de sua liderança. No entanto, entre os membros orientais persiste o temor de uma possível retirada de apoio em caso de conflito. Essa abordagem unilateral também questiona a continuidade do apoio à Ucrânia frente à agressão russa, levantando a possibilidade de uma redefinição da política de defesa europeia e exercendo pressão sobre a Comissão Europeia para explorar alternativas de segurança.
A relação dos Estados Unidos com a União Europeia se tensionou sob a primeira administração de Trump devido a políticas comerciais e divergências em temas de defesa e mudança climática. Nesta nova presidência, os líderes europeus poderiam se ver diante do desafio de se adaptar novamente a uma relação menos cooperativa. Isso poderia implicar em maiores barreiras comerciais, principalmente devido a suas declarações de aumento de direitos de importação sobre diversos produtos. A UE, por sua vez, poderia redobrar seus esforços para fortalecer sua autonomia estratégica e seus acordos comerciais com outros parceiros, como Ásia e América Latina.
Com o retorno de Trump, o protecionismo retoma protagonismo no comércio internacional. O dólar em alta e as sanções tarifárias aumentarão o custo de bens estrangeiros nos EUA, afetando as economias da União Europeia, Japão, México e outros parceiros comerciais-chave. Sua política de atrair a manufatura de volta para os EUA e cortar impostos pode incentivar o investimento interno, mas aumenta a fricção comercial.
Esse cenário apresenta desafios para a Organização Mundial do Comércio (OMC) e outros organismos multilaterais, cuja capacidade de mediar e resolver disputas comerciais pode ser limitada diante da intransigência dos EUA.
Sua antiga postura frente à América Latina foi firme, especialmente sobre temas de migração e comércio com o México. Nesta nova administração, é possível que volte a reforçar políticas de controle migratório e que intensifiquem os operativos de fronteira, afetando não apenas o México, mas também a América Central. Suas afirmações no contexto da campanha eleitoral demonstraram uma postura de zero tolerância, com a reativação da construção do muro na fronteira com o México e um endurecimento das políticas de deportação, especialmente contra aqueles vinculados a atividades criminosas.
Os tratados comerciais como o T-MEC poderiam ser revisados, provocando incerteza para as economias da região. Além disso, uma menor cooperação em questões de segurança e narcotráfico poderia desestabilizar ainda mais a relação entre os EUA e vários países latino-americanos.
Durante o primeiro mandato de Trump, seu apoio explícito a Israel e Arábia Saudita modificou consideravelmente a dinâmica de poder no Oriente Médio, propiciando a assinatura dos Acordos de Abraão. Seu retorno à presidência poderia reafirmar esse apoio, intensificando a pressão sobre o Irã e aumentando as divisões regionais. Nesse contexto, é provável que se revisem as posturas dos Estados Unidos em conflitos como o da Síria e Iémen, colocando em risco o frágil equilíbrio na região.
A postura de Trump em relação a Israel e sua política de confronto com o Irã permanecerão firmes, com potencial para escalar as tensões no Oriente Médio. Embora essa posição possa desincentivar as ações de grupos como Hamas e Hezbollah, aumenta o risco de um confronto direto com o Irã, situação que preocupa aliados ocidentais. A questão palestina, enquanto isso, atravessa um momento crítico; as políticas de Trump, semelhantes às de Harris, têm sido percebidas pelos palestinos como uma constante desatenção às suas reivindicações no conflito israelense-palestino.
No âmbito climático, Trump tem mostrado uma retórica cética, qualificando a mudança climática como um "enganos". Embora essa postura já tenha levado os EUA a se retirarem do Acordo de Paris durante seu primeiro mandato, é provável que em uma nova administração a indústria energética nacional seja ainda mais priorizada, minimizando regulamentos ambientais. Isso poderia reduzir a influência dos Estados Unidos na cooperação climática global, enfraquecendo os esforços internacionais frente a essa crise. Finalmente, as empresas multinacionais também enfrentariam o impacto de políticas protecionistas, com tarifas e restrições às importações que afetariam operações em setores-chave como tecnologia, farmacêutico e automotivo.
Em conclusão, um segundo mandato de Trump consolidaria um cenário de tensão global e recuo na cooperação multilateral, marcando um giro em direção a um sistema de blocos com alianças mais rígidas e posições polarizadas. A reafirmação do unilateralismo e do protecionismo americano, juntamente com uma postura confrontativa frente a potências como China e Rússia, poderiam intensificar o distanciamento dos EUA em relação a organismos multilaterais, empurrando a Europa, Ásia-Pacífico e América Latina a redefinir suas estratégias de cooperação e autonomia. Em última instância, a estrutura da ordem internacional, baseada em normas e em uma abordagem cooperativa, estaria ameaçada, impulsionando uma reorganização estratégica dos atores globais.
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