William Acosta, CEO da Equalizer Investigations para FinGurú
Introdução
A penetração chinesa na América Latina se manifesta além dos acordos comerciais e do investimento público. Empresas estatais, intermediários e operadores encobertos formaram verdadeiras redes de influência que utilizam o suborno sistemático como ferramenta principal. O Paraguai é o epicentro desse fenômeno por sua postura geopolítica frente a Taiwan, mas a estratégia chinesa impactou toda a região, desde a Amazônia brasileira até os Andes equatorianos, utilizando arquiteturas financeiras complexas, contatos políticos e práticas de corrupção judicial que minam a soberania latino-americana (Lee, Leong & Lee, 2025; Forensic Risk, 2023)
Cada caso envolve não apenas operações econômicas, mas também decisões humanas, traições institucionais e efeitos concretos sobre sociedades inteiras. Este relatório expõe, com nomes e cifras, como a China aperfeiçoou o uso de intermediários provenientes de sua comunidade empresarial para comprar favores estatais e remodelar as dinâmicas políticas locais. A inclusão de exemplos internacionais permite dimensionar a ameaça e projetar estratégias regionais para contê-la.
Modus Operandi Chinês no Paraguai e na América Latina
A China articula sua estratégia transversalmente, confiando em uma rede de cidadãos chineses radicados na região, associações locais e em casos-chave executivos de conglomerados estatais. Através desses atores, a China canaliza pagamentos de facilitação, subornos e presentes valendo-se de empresas fantasmas, transferências internacionais e contratos pouco transparentes vinculados a megaobras públicas e energéticas.
O Papel da Inteligência Chinesa, Cérebro e Sustentação Operacional
Talvez um dos elementos menos visíveis, mas mais decisivos, dessa dinâmica seja o papel que a inteligência chinesa desempenha como verdadeiro arquiteto da expansão estratégica. Ao contrário de outros países, o aparato de inteligência chinês não se limita a observar: é quem planeja, coordena e acompanha cada etapa do processo de penetração e influência.
Antes de iniciar qualquer incursão significativa, como a busca de contratos-chave ou alianças diplomáticas, os serviços de inteligência chineses realizam um mapeamento exaustivo dos atores relevantes no país-alvo. Analisam vulnerabilidades políticas, detectam “portas de entrada” em setores-chave e avaliam os potenciais aliados ou intermediários que possam facilitar a execução dos planos (Fundación Andrés Bello, 2025)
A ação da inteligência se faz sentir tanto no plano oficial, em embaixadas, acervos comerciais e missões diplomáticas, como no subterrâneo: de empresários aparentemente independentes a líderes de associações chinesas locais, passando por consultores e operadores com acesso privilegiado à informação governamental. Não é por acaso que onde aparecem grandes contratos de infraestrutura ou processos secretos de “negociação” com a China surgem ao redor nomes bem conectados e cadeias de favores ou ameaças que respondem a interesses maiores (Forensic Risk, 2023)
Esses agentes atuam como pontes, supervisam e treinam os facilitadores locais sobre como implantar pagamentos discretos, manipular licitações, proteger documentação ou até mesmo gerenciar campanhas de desinformação quando a resistência social ou política se torna muito visível (Lee, Leong & Lee, 2025). Seu papel também inclui a criação de zonas cinzentas onde a responsabilidade é difusa, protegendo o Estado chinês de acusações diretas enquanto maximizam sua capacidade de pressão sobre Estados frágeis.
A estrutura hierárquica da China permite que os resultados coletados no terreno sejam rapidamente transmitidos para escalas decisórias superiores, seja em empresas estatais ou órgãos partidários, facilitando a adaptação imediata das táticas conforme mudam as condições políticas ou midiáticas do país-alvo (Fundación Andrés Bello, 2025)
Esse despliegue estratégico, além de sofisticado, é paciente e culturalmente informado. A inteligência chinesa estuda as histórias locais, os sistemas de lealdade e até mesmo os padrões de conflito interno, sabendo explorar fissuras históricas ou necessidades pontuais, como a crise de saúde, a recessão econômica ou os processos eleitorais polêmicos. Assim, a mão invisível da inteligência é capaz de mover fios no cotidiano de Assunção, Quito, Caracas ou Brasília, muitas vezes sem que o público ou as próprias autoridades locais compreendam a dimensão e a sofisticação do movimento (Expediente Público, 2023)
Cronologia e Exemplos Destacados de Corrupção Chinesa no Paraguai e na América Latina
Em 2014, no Paraguai, o promotor Villalba recebeu subornos na forma de veículos de luxo e dinheiro em espécie para arquivar causas de fraude, o que demonstrou a vulnerabilidade do sistema judicial frente à corrupção organizada (GAN Integrity, 2020)
Em 2016, no Brasil, o escândalo Petrobras envolveu subornos de mais de US$30 milhões entregues por executivos da Sinopec, como Zhang Jianhua, a intermediários brasileiros (El País, 2016)
Em 2017, na Bolívia, executivos da CHEC, especialmente Liu Xinhua, realizaram pagamentos de aproximadamente US$2,7 milhões em propinas para assegurar concessões de obras viárias, canalizando fundos através de intermediários (Forensic Risk, 2023)
Em 2018, na Venezuela, a CAMC Engineering canalizou mais de US$100 milhões em subornos ao Ministério da Agricultura, envolvendo Zhang Chunyan e o ministro Wilmar Castro Soteldo (Forensic Risk, 2023)
Em 2021, no Paraguai, surgiu o caso materiais chineses, relacionado a materiais médicos importados fraudulentamente; a operação envolvia pagamentos a funcionários (ABC Color, 2021)
Em 2022, no Equador, no caso Sinohydro Coca Codo Sinclair, foram transferidos US$76,4 milhões a intermediários políticos vinculados ao então presidente Lenín Moreno (Fundación Andrés Bello, 2025)
Em 2023, no Paraguai, os empresários Shi Dizi e Lin Fan canalizaram pagamentos de até US$20.000 por residências e para influenciar campanhas presidenciais, também relacionados a projetos industriais ligados à política em relação a Taiwan (Lee, Leong & Lee, 2025; LPO, 2025)
Em 2023, no Paraguai, o Ministério das Migrações expulsou os cidadãos chineses Jinxing Zhuang e Xiwu Yan por entrada irregular no Chaco, com supostos pagamentos indevidos a funcionários (Dirección Nacional de Migraciones, 2025)
Análise Estratégica Regional
A ação chinesa na América Latina revela um planejamento meticuloso, aproveitando vazios de controle institucional e adaptando seus mecanismos a sistemas burocráticos e políticos múltiplos. O recurso à inteligência permite à China antecipar ameaças, controlar danos e redobrar esforços nos países onde encontra resistência. Essa rede opera com uma eficiência que só é possível graças à interconexão constante entre níveis diplomáticos, empresariais e clandestinos.
Conclusão
Talvez a maior lição que deixa este percurso pelos meandros da corrupção ligada às redes chinesas no Paraguai e na América Latina seja reconhecer que o fenômeno transcende números e manchetes: falamos de histórias concretas, de trajetórias humanas muitas vezes truncadas pelo peso de interesses estrangeiros, de janelas de oportunidade fechadas para comunidades inteiras simplesmente porque alguém, em algum escritório anônimo, cedeu à tentação de uma maleta recheada. Em cada país exposto aqui, em cada nome e em cada cifra, pulsa uma dinâmica silenciosa, mas devastadora, onde o global se filtra no local não apenas com dinheiro, mas com uma lógica que corrói lentamente o tecido social e as regras do jogo democrático.
Não é fácil descrever o impacto real desses casos quando em qualquer cidade do Paraguai, Equador ou Bolívia alguém vê como uma obra pública prometida permanece inacabada ou como um hospital nunca é equipado porque esses fundos desapareceram em contas offshore. São realidades que não costumam fazer parte dos relatórios técnicos, mas que marcam a fogo a confiança, a esperança e a capacidade de sonhar de gerações inteiras. Quando um empresário como Shi Dizi ou um alto executivo como Zhang Jianhua decide pagar por um atalho, a consequência não é apenas um escândalo transnacional, mas a perpetuação de um círculo de exclusão e desigualdade que, lamentavelmente, continua sendo o pão nosso de cada dia em muitos cantos da América Latina (Lee, Leong & Lee, 2025; Forensic Risk, 2023)
Durante a avaliação das informações para escrever este artigo, é difícil não se indignar ao corroborar que a sofisticação dos mecanismos, longe de ser simples má prática, responde a uma estratégia amplamente pensada, que reconhece debilidades estruturais e as explora com precisão. Onde a justiça é lenta, onde um funcionário ganha pouco ou teme perder seu cargo, onde a fiscalização parece ser uma palavra distante. E, no entanto, entre tanta decepção, também brilham centelhas de dignidade cívica: procuradores que resistem a arquivar processos, jornalistas que arriscam tudo para lançar luz sobre os pactos obscuros, trabalhadores que denunciam mesmo sabendo que jogam seu futuro em risco.
Suspeitar e relatar essas redes de corrupção não é um exercício de conspiração nem um jogo de culpados globais; é, por outro lado, uma responsabilidade geracional. Cada vez que um cidadão escolhe não olhar para o outro lado, cada vez que um juiz profere uma sentença justa apesar das ameaças, faz uma diferença. A luta contra essa forma de intervenção estrangeira tão refinada nas formas, tão ousada nos métodos exige mais do que reformas legais ou auditorias. Necessita de uma reinvenção ética, uma coragem coletiva para proteger aquilo que ainda nos pertence e que não se pode comprar nem vender.
De algum modo, esta conclusão fica deliberadamente em aberto, como a porta que nunca se fecha para aqueles que continuam apostando em uma América Latina menos vulnerável, menos resignada. Que este relatório, além de servir como insumo estratégico e técnico, também seja um convite a não perder a capacidade de assombração nem a coragem de enfrentar aquilo que nos prejudica, seja poderoso, estrangeiro ou interno. É aí, nesse último fio entre o privado e o público, entre o ético e o pragmático, que se joga o destino de nossas democracias e a possibilidade real, concreta, de construir sociedades imunes à sedução do suborno e da impunidade. Porque a dignidade, aquela que não aparece nas estatísticas nem nas transferências bancárias, é o verdadeiro princípio e fim da política e da vida pública.
Referências
Lee, L., Leong, J., & Lee, A. (2025). Investigação da Al Jazeera sobre supostos presentes e subornos a políticos paraguaios por empresário vinculado à China. ABC Color. https://www.abc.com.py/politica/2025/09/27/investigacion-de-al-jazeera-habla-de-supuestos-regalos-y-sobornos-a-politicos-paraguayos-por-empresario-vinculado-a-china
Forensic Risk. (2023). O investimento chinês na América Latina aumenta os riscos de corrupção. https://www.forensicrisk.com/news-and-insights/chinese-investment-in-latin-america-raises-corruption-risks
Fundación Andrés Bello. (2025). Promotoria do Equador acusa Lenín Moreno de subornos em contrato com empresa chinesa. https://fundacionandresbello.org/noticias/ecuador-%F0%9F%87%AA%F0%9F%87%A8/fiscalia-de-ecuador-acusa-a-lenin-moreno-de-sobornos-en-contrato-con-empresa-china/
El País. (2016). A corrupção na Petrobras atinge executivos chineses da Sinopec. https://elpais.com/internacional/2016/03/09/actualidad/1457522477_500716.html
LPO. (2025). Um intermediário da China disse ter pago subornos a Peña e Efraín. https://www.lapoliticaonline.com/amp/327993-un-supuesto-intermediario-de-china-dijo-haberles-pagado-coimas-a-pena-y-efrain-durante-la-campana-de-2023/
GAN Integrity. (2020). Relatório de risco país do Paraguai. https://www.ganintegrity.com/country-profiles/paraguay/
ABC Color. (2021). Um ano após o caso dos insumos chineses, tentativa de fraude continua impune. https://www.abc.com.py/nacionales/2021/04/18/a-un-ano-del-caso-de-los-insumos-chinos-intento-de-estafa-sigue-impune/
Dirección Nacional de Migrações. (2025). Realizou-se a expulsão do país dos cidadãos chineses que entraram irregularmente na zona do Chaco. https://migracoes.gov.py/se-concreto-la-expulsion-del-pais-de-los-ciudadanos-chinos-que-ingresaron-irregularmente-en-zona-del-chaco/
Expediente Público. (2023). O roteiro da China no mundo: corrupção, influência econômica e política. https://www.expedienteabierto.org/el-guion-de-china-en-el-mundo-corrupcion-influencia-economica-y-politica/
Sobre o Autor:
William L. Acosta é graduado Magna Cum Laude pela PWU e pela Universidade de Alliance. Ele é um oficial de polícia aposentado do Departamento de Polícia de Nova York, bem como fundador e CEO da Equalizer Private Investigations & Security Services Inc., uma agência licenciada em Nova York e na Flórida, com projeção internacional.
Desde 1999, ele tem liderado investigações em casos de narcóticos, homicídios e pessoas desaparecidas, além de participar da defesa penal tanto em nível estadual quanto federal.
Especialista em casos internacionais e multijurisdicionais, ele coordenou operações na América do Norte, Europa e América Latina.
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