25/06/2025 - politica-e-sociedade

O dilema monetário de Lula: A unidade dos BRICS escapa ao Brasil e à América Latina

Por Miami Strategic Intelligence Institute

O dilema monetário de Lula: A unidade dos BRICS escapa ao Brasil e à América Latina

Jesus Daniel Romero de Miami Strategic Intelligence Institute

Enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva se prepara para ser anfitrião da Cúpula dos BRICS de 2025 no Rio de Janeiro, sua ambição de longa data de realinhar o poder global por meio da solidariedade Sul-Sul enfrenta novos obstáculos geopolíticos.

Ao posicionar o Brasil como defensor de um mundo multipolar, Lula tem promovido uma menor dependência do dólar americano por meio do comércio em moeda local e sistemas de pagamento alternativos (Reuters, 2024a). No entanto, à medida que a cúpula se aproxima, o simbolismo colide com a inércia estratégica.

Uma visão superada pela realidade

A Índia minimizou publicamente as perspectivas de uma moeda comum para os BRICS, afirmando que as conversas estão em uma "fase muito inicial" (Times of India, 2025). A China está focada na internacionalização do yuan em vez de construir um sistema monetário compartilhado. A Rússia, sob o peso das sanções ocidentais e da inflação de tempos de guerra, carece da capacidade econômica para liderar. A África do Sul continua estagnada economicamente.

Lula, que era o principal defensor de uma identidade financeira unificada dos BRICS, agora enfrenta os limites da influência do Brasil.

“Não podemos ficar presos ao passado, acorrentados a sistemas financeiros que não foram feitos para nós”, declarou Lula em um discurso recente na Confederação Nacional da Indústria.

Cada vez mais, ele se apresenta menos como o fundador de uma nova ordem financeira e mais como um mediador em um bloco dominado por interesses nacionais contraditórios.

Um anfitrião frustrado e uma região no banco do passageiro

Embora o Brasil tenha um lugar à mesa dos BRICS, não controla a agenda. Para grande parte da América Latina, o bloco tem oferecido mais retórica do que resultados. Apesar das reiteradas declarações e da criação do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB), os benefícios tangíveis para a região continuam limitados (Reuters, 2025c; New Development Bank, 2025).

A recente adesão da Colômbia ao NDB trouxe pouco até agora em termos de nova infraestrutura ou financiamento (AP News, 2025). A entrada da Argentina em 2024 nos BRICS durante sua crise econômica ainda não gerou um alívio fiscal significativo. Enquanto isso, países como Chile, Peru e Uruguai, que mantêm vínculos mais próximos com instituições ocidentais, permanecem à parte da iniciativa.

“Os BRICS oferecem uma solidariedade simbólica”, afirmou Paulo Velasco, professor de relações internacionais no Rio. “Mas estruturalmente, reforçam as mesmas hierarquias das quais a América Latina há muito tempo busca escapar”.

A decepção do Banco de Desenvolvimento

Criado em 2015 para financiar infraestrutura no Sul Global, o impacto do NDB na América Latina tem sido, na melhor das hipóteses, modesto. Segundo seus próprios dados, apenas 14,8% do total da financiamento aprovado foi destinado a países latino-americanos, principalmente ao Brasil e, em sua maioria, a projetos previamente aprovados (New Development Bank, 2025). Em contraste, os maiores receptores continuam sendo a China e a Índia.

Esse desequilíbrio no financiamento aponta para um problema estrutural mais profundo. O BRICS é um fórum impulsionado pelo consenso, mas sua tomada de decisão interna e a distribuição de capital favorecem consideravelmente seus maiores membros asiáticos. Sem reformas de governança, o bloco corre o risco de replicar as mesmas desigualdades que sua criação pretendia combater.

Plataforma de comércio ou ferramenta de influência?

BRICS Pay, uma plataforma de liquidação digital, foi apresentada como uma grande inovação nos esforços de desdolarização. No entanto, especialistas alertam que isso pode beneficiar mais a estratégia geopolítica da China do que ao empoderamento regional. O comércio em yuan está se expandindo, enquanto moedas como o real brasileiro e o peso argentino permanecem periféricas e voláteis (Coquidé et al., 2023).

“Isso não é desdolarização. É uma possível reyuanização”, observou um funcionário financeiro latino-americano.

Os padrões comerciais também permanecem inalterados. A América Latina continua a exportar matérias-primas enquanto importa bens manufaturados de alto valor, especialmente da China. A dependência estrutural é econômica, mas suas consequências são estratégicas.

A aposta multipolar de Lula e o caminho a seguir

Diante do progresso limitado em direção à reforma dentro dos BRICS, Lula optou pelo diálogo diplomático. Ele continua promovendo a soberania financeira, a resiliência regional e um BRICS que reflita as aspirações do Sul Global. Esses temas ressoam, mas sem uma mudança institucional tangível, seu impacto continua sendo simbólico.

Se o Brasil pretende fortalecer seu papel na definição de normas internacionais, talvez deva procurar outras vias. O fortalecimento das iniciativas regionais através da CELAC e do MERCOSUL poderia oferecer uma cooperação financeira mais específica. Esses fóruns, embora de menor escala, podem gerar interesses mais alinhados e maior espaço para a liderança.

“Se o Brasil e seus aliados querem uma influência real”, declarou um ex-ministro da Fazenda, “devem exigir uma equidade baseada em regras, não apenas uma inclusão formal”.

Conclusão: Presentes na mesa, ausentes na estratégia

A cúpula do Rio provavelmente exibirá uma retórica contundente sobre solidariedade, desenvolvimento e soberania. Mas a menos que sejam implantadas reformas estruturais, os BRICS continuarão a funcionar como um palco geopolítico dominado por poucos, em vez de como uma plataforma para o avanço coletivo.

A América Latina pode ter um lugar à mesa, mas ainda carece de voz no desenho do plano estratégico.

Referências

AP News. (17 de junho de 2025). Colômbia busca se juntar ao banco de desenvolvimento com sede na China enquanto a América Latina se distancia de Washington. https://apnews.com/article/ae2f3b0da5c330c0cf051351857d1771

Coquidé, C., Lages, J. e Shepelyansky, D.L. (2023). Perspectivas do domínio monetário dos BRICS no comércio internacional [Preprint]. arXiv. https://doi.org/10.48550/arXiv.2305.00585

Novo Banco de Desenvolvimento. (2025). Projetos aprovados e divisão por países. Recuperado em 22 de junho de 2025 de https://www.ndb.int/projects

Reuters. (23 de outubro de 2024a). Lula, o presidente brasileiro, chama os BRICS a criar métodos de pagamento alternativos. https://www.reuters.com/technology/brazils-lula-urges-brics-create-alternative-payment-methods-2024-10-23/

Reuters. (2024b, 17 de dezembro). Explicação: O que é uma moeda dos BRICS e o dólar americano está em problemas? https://www.reuters.com/markets/currencies/what-is-brics-currency-is-us-dollar-trouble-2024-12-17/

Reuters. (2025a, 13 de fevereiro). Brasil rejeita a moeda dos BRICS e busca uma menor dependência do poderoso dólar. https://www.reuters.com/markets/currencies/brazil-nixes-brics-currency-eyes-less-reliance-mighty-dollar-2025-02-13/

Reuters. (2025b, 19 de maio). O diretor do Banco Central do Brasil afirma que não há uma carteira de ativos dos BRICS grande o suficiente para competir com o dólar. https://www.reuters.com/world/americas/no-brics-asset-pile-big-enough-rival-dollar-brazil-central-bank-director-says-2025-05-19/

Reuters. (2025c, 19 de junho). Colômbia anuncia sua adesão ao Novo Banco de Desenvolvimento dos BRICS. https://www.reuters.com/latam/negocio/LJ2A4UMP5FLBJIL4KT57R6ILTI-2025-06-19/

Jesús Daniel Romero é Comandante Aposentado de Inteligência Naval dos Estados Unidos. Co-fundador e Senior Fellow do Miami Strategic Intelligence Institute.

Escritor e consultor permanente em temas de sua especialidade para os meios de comunicação do estado da Flórida, Estados Unidos.

Colunista do Diário Las Américas, da cidade de Miami.

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