William Acosta para Poder & Dinero y FinGurú
Introdução
Nos últimos anos, tem-se promovido a ideia de que algumas políticas dos EUA favoreceram, direta ou indiretamente, a expansão da China na América Latina (Americas Quarterly, 2019). Mas esse fenômeno necessita de uma análise mais completa que leve em conta não apenas a competição pela hegemonia entre os EUA e a China na região, mas também a autonomia dos países latino-americanos e as mudanças na economia global (Armony, Dussel Peters & Cui, 2016).
Contradições na política americana e oportunidades para a China
As recentes políticas dos EUA, como a imposição de tarifas e a pressão sobre aliados tradicionais, geraram desconforto na região (Faiola, 2025). Essa percepção, impulsionada pela Casa Branca, tem sido utilizada por Pequim como parte de sua estratégia global de expansão (Baptista, Cash & Lee, 2025). A China oferece comércio e investimento sem condições políticas, o que é muito atraente para muitos governos na América Latina (Conselho de Relações Exteriores, 2023). A retórica belicosa e a falta de uma estratégia clara em Washington levaram vários países da América Latina a diversificar suas relações internacionais e buscar novos parceiros, como a China (GIS Reports, 2025).
O fenômeno da multialinhamento regional
Uma boa parte dos países da América Latina traçou uma política muito clara: não escolher entre Washington e Pequim, mas praticar uma estratégia de multialinhamento (Atlantic Council, 2025). Nesse caminho, os países maximizam os benefícios de estar no campo de ambos os atores. Essa tendência é abordada no recente livro de Brian Winter intitulado O lado sombrio do proxenetismo: Nicarágua e os países da América Latina que mantêm relações com Pequim, onde podem ser encontradas profundas reflexões sobre o tema (Winter, 2025).
Limitações da estratégia dissuasiva dos EUA
A tática dos Estados Unidos de estabelecer "linhas vermelhas" para frear a penetração chinesa tem um saldo de eficácia bastante limitado (Rouvinski, 2025). Embora tenha havido alguns acertos, como a saída do Panamá da Iniciativa do Cinturão e Rota, a pressão de Washington até agora não conseguiu conter Pequim em seu esforço por alcançar uma presença mais profunda e sólida na região, onde tem investido e assinado acordos estratégicos (Jütten, 2025). Em contraste, a política chinesa é de longo prazo e já lhe permitiu assegurar uma presença fortalecida na região em setores estratégicos (Armony, Dussel Peters & Cui, 2016).
Fatores estruturais: decadência relativa da hegemonia americana
O crescimento da presença da China na América Latina
Não se deve apenas a erros ou políticas equivocadas dos EUA, mas responde a uma série de oportunidades estruturais que foram aproveitadas pelos países da região (Armony, Dussel Peters & Cui, 2016). Desde o ano 2000, o investimento vindo da China cresceu a um ritmo muito superior ao de outros atores externos, e já superou atores como a União Europeia ou o Japão em muitos setores (Jütten, 2025). Entre as razões que explicam esse fenômeno, mencionam-se a diversificação de fontes de investimento, a gigantesca demanda de matérias-primas que a China possui, e o acesso a financiamento quase ilimitado, que é oferecido sem as condições políticas que normalmente acarretam outras fontes de financiamento (Americas Quarterly, 2019).
Ameaça ou complemento? A perspectiva dos EUA e da região
A presença da China não ameaça diretamente os Estados Unidos, mas suscita preocupações em vários campos, como o de infraestrutura crítica, tecnologia e recursos estratégicos (Conselho de Relações Exteriores, 2023). Se em algum lugar sua presença pudesse derivar em um uso dual, teria que ser na infraestrutura, que, por sua natureza, é um setor onde a China poderia fazer uso de tudo o que se lhe ofereça em um cenário de conflito. O mesmo se aplica à tecnologia e aos recursos estratégicos (Rouvinski, 2025).
Inteligência estratégica: implicações e cenários Riscos para os EUA:
• Menos controle sobre áreas chave e organizações internacionais (Atlantic Council, 2025).
• Práticas comerciais pouco claras na região que podem nos expor a diversos riscos (Baptista, Cash & Lee, 2025).
• Potencial uso da infraestrutura chinesa contra nós em um cenário de pior caso (GIS Reports, 2025).
Oportunidades para a América Latina:
• Fontes de financiamento e tecnologia mais diversas (Americas Quarterly, 2019).
• Uma margem de manobra diplomática muito mais ampla (Atlantic Council, 2025).
• Condições de negociação com os EUA e a China muito melhores (Jütten, 2025).
Desafios para o gigante asiático:
• Atender às desconfianças e críticas que recebe no âmbito local e às que chegam de fora por supostas más práticas no cumprimento dos direitos trabalhistas, na proteção do meio ambiente e em assuntos de transparência e vinculação com o espionagem (Conselho de Relações Exteriores, 2023).
• Evitar que a sobreexposição diante do mundo exterior e, em particular, diante dos Estados Unidos, provoque irritações que levem à adoção de medidas punitivas por parte daquele país e de seus aliados (Faiola, 2025).
Conclusões
O mito de que as ações dos EUA são o principal facilitador do avanço chinês na América Latina simplifica demais o que é, na verdade, uma questão muito complexa. Certas políticas norte-americanas podem, claro, dar um impulso à chegada da China, mas o crescimento do gigante asiático na região tem muitos outros ingredientes (Americas Quarterly, 2019; Winter, 2025). Entre eles, o principal é que, apesar das deficiências democráticas que muitos governos da região apresentam, existe um interesse muito forte e muito claro em forjar alianças e desenvolver com a China tipos de relações que os envolvem a ambos (Armony, Dussel Peters & Cui, 2016). Então, de que se trata exatamente esse mito? O que dizem ou deixam de dizer as políticas norte-americanas a respeito? Não se trata apenas de competir com a China, que já recebeu vários rótulos. Trata-se de algo muito mais complexo: oferecer à América Latina e ao Caribe, no contexto do deterioro das relações bilaterais entre os países da região, algo que contrabalança os atrativos de cooperação que Pequim oferece (Rouvinski, 2025). Por isso, o que Washington precisa fazer não é apenas visitar a região, mas também oferecer a ela o “bom viver” que parece difícil de alcançar em um mundo cada vez mais dividido (Faiola, 2025).
Referências
• Americas Quarterly. (2019, 15 de agosto). China and Latin America 2.0: What the Next Phase Will Look Like.
• Armony, A. C., Dussel Peters, E., & Cui, S. (2016). A China constrói o caminho para uma nova era na América Latina e no Caribe: os projetos de infraestrutura e seu impacto. Universidade de Pittsburgh.
• Atlantic Council. (2025, 15 de maio). Quatro perguntas (e respostas de especialistas) sobre a cúpula China-América Latina.
• Baptista, E., Cash, J., & Lee, L. (2025, 13 de maio). A China sugere que pode competir com a influência dos EUA na América Latina e no Caribe, oferecendo bilhões em investimento e desenvolvimento. Reuters.
• Conselho de Relações Exteriores. (2023, 10 de janeiro). A crescente influência da China na América Latina.
• Faiola, A. (2025, 12 de maio). Seguindo as políticas comerciais de Trump, a China busca se aliar a Lula e conquistar a América Latina. The New York Times.
• GIS Reports. (2025, 20 de maio). A América Latina situada entre os EUA e a China.
• Jütten, M. (2025, fevereiro). A crescente presença da China na América Latina: O que isso significa para a UE. Serviço de Pesquisa do Parlamento Europeu.
• Rouvinski, V. (2025, 13 de maio). Causas de preocupação tarifária? Em seu namoro com a América Latina, a China está revelando uma alternativa aos Estados Unidos. Deutsche Welle.
• Winter, B. (2025, 15 de maio). A China reafirma seu compromisso com a América Latina. Americas Quarterly.
Sobre o Autor
William L. Acosta: Graduado Magna Cum Laude da PWU e Universidade de Aliança. É um policial aposentado do Departamento de Polícia de Nova York e fundador e CEO da Equalizer Private Investigations & Security Services Inc., uma agência licenciada em Nova York e na Flórida com alcance global. Desde 1999, ele tem conduzido investigações sobre narcóticos, homicídios e pessoas desaparecidas, participando também na defesa criminal estadual e federal. Especialista em casos internacionais e multijurisdicionais, coordenou operações na América do Norte, Europa e América Latina.
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