William Acosta, CEO da Equalizer Investigations para Poder & Dinero e FinGurú
Introdução
Quem caminhou pelos sinuosos corredores da política latino-americana intui que, por trás das manchetes formais, se trava uma partida muito mais obscura e reativa. O xadrez que jogam Havana e Caracas raramente concede tréguas a seus peões: aqui, qualquer aliança é mais mística do que eterna, e as revoluções, tão logo se veem encurraladas, estão dispostas a sacrificar peças.
A lógica de poder que une Cuba e Venezuela excede qualquer clichê. Há testemunhos nos círculos de Havana que insistem que a sobrevivência de Maduro deixou de ser prioritária muito antes do que se imaginava fora da ilha. A razão é tão brutal quanto pragmática: se Maduro cair nas mãos americanas, o torrente de segredos incômodos — de pactos petrolíferos a arquivos de operações clandestinas e acordos silenciados com o Irã e a Rússia — ameaça arrastar para baixo d'água toda a estrutura do regime (Infobae, 2025; El País, 2025; Diário Las Américas, 2025).
O Debut e Queda do Mártir Útil
No Caribe se diz — poucas vezes em voz alta — que o ditador assalariado acaba sempre pagando o preço dos favores recebidos. Maduro personificou a docilidade diante de Castro, foi o canal do petróleo para a ilha, o amortecedor de sanções internacionais. Mas hoje não é mais que uma peça desgastada. “Fraco, impopular e convertido em um problema de segurança nacional para os cubanos”, seu papel terminou reduzindo-se a tapar fissuras enquanto servia. Na ótica do castrismo, a verdadeira sobrevivência passa porque os segredos morram com quem os guarda. Se necessário, a história — veja-se Allende, veja-se Ochoa — sempre pode se renovar com outro mártir revolucionário.
Os Soles, a guilhotina invisível e o toque cubano
Para falar do Cartel dos Soles, é necessário saber ler nas entrelinhas. Aqui poder, ouro e coca se entrelaçam em uma rede de pactos e silêncios temidos. A estrutura criminosa que Maduro liderou ou tolerou transformou boa parte da região em uma plataforma privilegiada do narcotráfico global. Cuba, longe de se limitar a ser espectadora, monta e modula rotas, fornece cobertura diplomática e, quando as tempestades aumentam, age para que o escândalo nunca atinja seus operadores internos (BBC Mundo, 2016; Diário Las Américas, 2018).
Uma vez que o roteiro o exige, o sacrifício é vendido como gesto revolucionário: Castro e seus émulos aperfeiçoaram a arte de reciclar mártires e queimar traidores.
Cronologia de Fatos Chave e O Triângulo Cuba–Venezuela–Irã
A história Real Nunca Foi Linear, Mas Há Marcos Claros:
Anos 60–80: Cuba, em nome da revolução, cria rotas clandestinas e depois executa suas peças quando a DEA e a imprensa tocam na cúpula (Letras Libres, 2016; SciELO, 2005; Amnesty International, 1989).
Décadas 90–2000: O Cartel dos Soles surge entre comandos venezuelanos, usando a receita cubana de infiltração total e alianças criminosas.
Era Chávez: A inteligência cubana toma corpo: controle aduaneiro, militar e de repressão na Venezuela. Surge Irã como aliado logístico e financeiro: voos especiais, empresas mistas e triangulação de dinheiro (Infobae, 2025; El País, 2025).
2014–2025: Aparecem fatores Hezbollah e Irã. Redes de tráfico, ouro e lavagem se fundem via bancos iranianos, concluindo na África e na Europa (Infobae, 2025; Yahoo News, 2025; State Department, 2025).
O general Ochoa e os sacrificados
Arnaldo Ochoa é símbolo: general condecorado, purgado e executado quando os vínculos da cúpula ficaram expostos. Antonio e Patricio de la Guardia, José Abrantes, todos descartados como traidores quando se tornaram arriscados. O sistema sempre salva a cabeça a qualquer custo, e o processo exemplar de Ochoa continua sendo um aviso para aliados e rivais (Letras Libres, 2016; BBC Mundo, 2016; SciELO, 2005; Amnesty International, 1989).
Maduro: o “palhaço útil”
O papel que o castrismo escreve para seus subordinados sempre termina igual: executar o roteiro, servir de tela, aceitar o descrédito. Maduro é o “palhaço útil”, útil até que deixe de conter os segredos, depois será apenas mais um nome no panteão dos caídos por conveniência (Cuba Encuentro, 2015; El País, 2025; Infobae, 2025).
Impacto Regional do Narcotráfico Venezuelano
A triangulação Cuba–Venezuela–Irã globalizou o tráfico: lavagem internacional, fluxos migratórios, crescente força das máfias e violência na América do Sul e no Caribe. Cuba garante logística, a Venezuela é ponte, o Irã financia e blanqueia via Hezbollah. O negócio corrompe toda a institucionalidade e mantém viva a máquina da impunidade (Infobae, 2025; Yahoo News, 2025; State Department, 2025; Diário Las Américas, 2025; El País, 2025).
Conclusão
É inegável que a complexidade que cerca o triângulo Cuba–Venezuela–Irã vai muito além do lugar-comum midiático. O inquietante é que, enquanto os discursos oficiais insistem na legitimidade revolucionária e na suposta defesa da soberania, nos fatos encontramos não apenas um vasto aparato de impunidade, mas uma maquinaria cuidadosamente aperfeiçoada para sobreviver a qualquer custo, esquecendo que as histórias humanas e as consequências sociais raramente são simples danos colaterais.
Cada episódio analisado aqui deixa uma sensação agridoce. Não apenas porque se constata a facilidade com que uma aliança estratégica — construída entre Caracas, Havana e Teerã — pode contaminar sistemas inteiros e comprometer gerações; mas porque por trás da épica e das consignas estão as vidas trocadas, os cúmplices reciclados e, acima de tudo, os traídos. De Ochoa a Maduro, o que se repete é a fábula da peça útil: quando a lealdade deixa de ser rentável, sua morte política ou literal é recoberta com retórica de martírio, enquanto o engrenagem clandestina segue girando com novos operadores.
O mais preocupante não é apenas o dano que o narcotráfico exporta sob forma de violência e corrupção para toda a região. É, acima de tudo, o preço que pagam as sociedades civis que tiveram que conviver com Estados capturados, migrações forçadas e criminalidade impune. As consequências são medidas em instituições corroídas, famílias fragmentadas e países inteiros mergulhados em uma espiral de ceticismo e desesperança.
Talvez a pergunta mais honesta seja o que nos resta fazer quando a experiência desses regimes ensina que sempre é possível reinventar mártires e sacrificar peças, mas muito raramente prestar contas à história. Talvez a resposta passe por deixar de ver esses episódios como anedotas isoladas e começar a pensá-los como advertências: apenas a transparência real, a pressão coordenada e — não menos importante — a reconstrução da ética social permitirão romper o círculo de silêncio e violência.
Olhando para frente, a lição é simples e urgente: enquanto o poder continuar acreditando que pode “queimar peças” sem custo real, todos os demais, de uma forma ou de outra, continuaremos sendo espectadores forçados de uma partida que ainda, lamentavelmente, não termina.
Referências
Amnesty International. (1989). Ação urgente: Cuba – Arnaldo Ochoa Sánchez. https://www.amnesty.org/es/wp-content/uploads/sites/4/2021/06/amr250071989es.pdf
BBC Mundo. (2016). Fidel Castro: as mortes, desaparições e detenções que marcaram sua era. https://www.bbc.com/mundo/noticias-america-latina-38153673
Cuba Encuentro. (2015). Maduro: tema do déspota e do palhaço. https://www.cubaencuentro.com/internacional/articulos/maduro-tema-del-despota-y-el-payaso-322377
Diário Las Américas. (2018). A Cuba é apontada como ponte para lavagem de dinheiro das FARC. https://www.diariolasamericas.com/america-latina/senalan-cuba-puente-lavado-dinero-las-farc-n4143797
Diário Las Américas. (2025). O legado de Raúl Castro: Nepotismo, narcotráfico e repressão em Cuba. https://www.diariolasamericas.com/america-latina/el-legado-raul-castro-nepotismo-narcotrafico-y-represion-cuba-n5373190
El País. (2025). O cartel dos Soles, a rede criminosa que enfrenta os Estados Unidos e a Venezuela. https://elpais.com/internacional/2025-09-07/el-cartel-de-los-soles-la-red-criminal-que-enfrenta-a-estados-unidos-y-venezuela.html
Infobae. (2025). Como a aliança entre Hezbollah, Irã e a ditadura de Maduro construiu um império do narcotráfico na Venezuela. https://www.infobae.com/venezuela/2025/09/07/como-la-alianza-entre-hezbollah-iran-y-la-dictadura-de-maduro-construyo-un-imperio-del-narcotrafico-en-venezuela/
Infobae. (2025). Cartel dos Soles: como a rede criminosa de Maduro transformou a Venezuela em ponte do narcotráfico. https://www.infobae.com/venezuela/2025/09/06/cartel-de-los-soles-como-la-red-criminal-de-maduro-convirtio-a-venezuela-en-puente-del-narcotrafico/
Letras Libres. (2016). O julgamento do general Arnaldo Ochoa. https://letraslibres.com/wp-content/uploads/2016/05/pdf_art_14631_12785.pdf
Martín Noticias. (2018). Cuba ajudou com o narcotráfico para que a Venezuela se tornasse um Estado falido. https://www.martinoticias.com/a/cuba-el-narcotrafico-y-venezuela-/178078.html
Ocando, C. (2024). Assim opera o narcotráfico a partir de Cuba e Venezuela. https://www.youtube.com/watch?v=eIFfvrF7Yas
SciELO Colombia. (2005). A conexão cubana. Narcotráfico, contrabando e jogo em Cuba. http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0121-47052005000200008
Yahoo News. (2025). Hezbollah e Irã exploram a Venezuela de Maduro para obter dinheiro da cocaína. https://es-us.noticias.yahoo.com/conexi%C3%B3n-c%C3%A1rteles-hezbol%C3%A1-ir%C3%A1n-explotan-100006372.html
State Department. (2025). Designação de cartéis internacionais. https://www.state.gov/translations/spanish/designacion-de-carteles-internacionales
Wikipedia. (2022). Narcotráfico em Cuba
https://es.wikipedia.org/wiki/Narcotráfico_en_Cuba
Wikipedia. (2022). Cártel de los Soles. https://es.wikipedia.org/wiki/C%C3%A1rtel_de_los_Soles
Sobre o Autor
William L. Acosta é graduado pela PWU e pela Universidade de Alliance. É um oficial de polícia aposentado de Nova York, ex-militar e fundador da Equalizer Private Investigations & Security Services Inc. Desde 1999, tem liderado investigações complexas sobre narcóticos e homicídios, participando da defesa criminal e coordenando operações nas Américas e na Europa.
Comentários