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A ONU considera que a Nicarágua pode estar envolvida em assassinatos de exilados.

Por Lautaro López

A ONU considera que a Nicarágua pode estar envolvida em assassinatos de exilados.

A Nicarágua aprofunda seu isolamento internacional

A recente publicação do Grupo de Especialistas da ONU sobre Nicarágua acendeu alarmes na comunidade internacional, ao sugerir a possível ligação do governo de Daniel Ortega e Rosario Murillo com o assassinato do exilado nicaraguense Roberto Samcam, ocorrido em 19 de junho em San José, Costa Rica. Segundo o relatório, não se pode descartar um vínculo entre o regime e essa execução, o que marca um ponto de inflexão na já deteriorada situação de direitos humanos que vive o país. A partir desse crime, a ONU destaca um padrão cada vez mais evidente: a repressão do Estado nicaraguense não se limita ao território nacional, mas se estende além de suas fronteiras, afetando opositores refugiados no exílio.

O caso Samcam, reportado pelo El País e AP News, expõe um modus operandi inquietante. Samcam, militar aposentado e um dos críticos mais visíveis do regime desde o exílio, foi assassinado por um sicário que simulou ser um entregador. Sua morte se soma a outros ataques sofridos por exilados como Joao Maldonado e Rodolfo Rojas, todos sob o mesmo padrão: vigilância, ameaças anteriores e execuções seletivas. A ONU, em seu relatório, não apenas alerta sobre esse fenômeno, mas o contextualiza como parte de uma estratégia sistemática de repressão transnacional, que inclui privação arbitrária de nacionalidade, confisco de bens, perseguição digital e hostigamento a familiares dentro da Nicarágua.


O que significa este relatório e por que é tão grave?

A declaração da ONU tem um peso jurídico e político considerável. Embora o relatório não processe criminalmente o governo de Ortega, reconhece um padrão de ação organizado que pode constituir crimes internacionais. A inclusão do assassinato de Samcam como um possível caso de repressão estatal transnacional marca um precedente, pois pela primeira vez se sugere que o Estado nicaraguense poderia estar cometendo delitos fora de suas fronteiras contra cidadãos sob proteção internacional.

Essa acusação tem múltiplas implicações. Em primeiro lugar, compromete a imagem da Nicarágua diante dos organismos multilaterais. Em segundo lugar, abre a possibilidade de que sejam ativados mecanismos de justiça internacional, como o princípio da jurisdição universal, especialmente se a participação estatal nesses assassinatos for confirmada. Finalmente, revive o debate sobre a efetividade do asilo político e a capacidade real de proteção dos países receptores como Costa Rica, cuja comunidade de exilados nicaraguenses é uma das mais numerosas da região.


Consequências internacionais e isolamento crescente

O relatório chega em um momento de profundo isolamento diplomático do regime Ortega-Murillo. A Nicarágua já se retirou de organizações como a OEA, o Conselho de Direitos Humanos da ONU e a FAO, buscando escapar aos mecanismos de escrutínio internacional. No entanto, esse distanciamento não serviu para reduzir as pressões. Pelo contrário, o novo relatório pode estimular a imposição de sanções mais rigorosas, tanto de organismos multilaterais quanto de países individuais. A ONU até sugere em seu texto que poderiam ser revisados os vínculos com a Nicarágua a partir de instituições como o FMI ou o Grupo de Ação Financeira Internacional (GAFI), diante do possível uso de estruturas financeiras estatais para financiar operações repressivas fora do país.

O documento também levanta perguntas sobre a viabilidade de continuar mantendo relações comerciais ou diplomáticas normais com um regime acusado de perseguir seus cidadãos além de suas fronteiras. A narrativa que o regime busca impor — de “soberania” frente a supostas ingerências externas — perde legitimidade quando se denuncia que as mesmas instituições estatais podem estar implicadas em violações de direitos humanos transfronteiriças.


O que nos aguarda no futuro? Entre o medo, a diáspora e a justiça internacional

O assassinato de Samcam e as conclusões do relatório da ONU podem ter um efeito dissuasivo imediato: aumentar o medo entre os exilados e ativar novos ciclos migratórios por razões de segurança. Espera-se que mais opositores procurem proteção em países distantes ou sob sistemas de refúgio mais robustos, o que apresenta novos desafios para governos como o da Costa Rica, Panamá ou mesmo Estados Unidos.

Por outro lado, as denúncias e as provas documentadas pelo relatório podem se tornar base para futuras investigações na Corte Penal Internacional ou outros fóruns regionais de direitos humanos. A nível diplomático, a pressão sobre os aliados estratégicos da Nicarágua, como Rússia, China ou Irã, pode aumentar, particularmente se esses países forem percebidos como cúmplices ou facilitadores desse modelo de repressão.

A nível interno, o relatório reafirma a imagem de um regime que se sustenta por meio do controle do aparato judicial, vigilância estatal e silenciamento de vozes dissidentes. A repressão não é mais apenas local: o recado político que o regime envia com essas ações é que não há lugar seguro para quem o questiona, nem mesmo fora do país.


Conclusão: um regime sem fronteiras, uma comunidade internacional sob teste

A situação atual da Nicarágua, agravada pelos achados do novo relatório da ONU, representa um dos maiores desafios para o sistema internacional de proteção de direitos humanos na América Latina. Ao ultrapassar as fronteiras com práticas repressivas, o regime de Ortega-Murillo não apenas vulnera direitos individuais, mas minar princípios fundamentais do direito internacional. O silêncio ou a inação, neste contexto, pode consolidar um perigoso precedente para outros governos autoritários.

Nos próximos meses, será crucial observar a resposta de organismos internacionais, governos democráticos e entidades judiciais. A Nicarágua não apenas arrisca seu lugar no mapa diplomático, mas também seu futuro econômico, sua relação com os países vizinhos e o destino de milhares de exilados que ainda esperam justiça.

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Lautaro López

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Meu nome é Lautaro López, sou experiente em comunicação, negociação e política. Tenho formação em oratória, especializado em comunicação, comunicação política, políticas públicas e política internacional.

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