William Acosta, CEO da Equalizer Investigations para FinGurú
Resumo Executivo
No atual cenário da Venezuela, a vigilância e a repressão não são improvisações do poder, mas o resultado de uma meticulosa arquitetura que convergente o que há de mais avançado em tecnologia chinesa, russa, italiana e israelense com a doutrina repressiva cubana. Todo esse ecossistema — que vai das câmeras das cidades até a interceptação de chamadas e e-mails — está coordenado e centralizado a partir de Caracas, garantindo um controle social preventivo e total (Human Rights Watch, 2025).
Introdução
A vida cotidiana venezuelana está cercada por mecanismos de monitoramento que frequentemente passam despercebidos pelo cidadão comum, mas que condicionam desde a conversa privada até a organização pública. A inteligência própria foi reforçada por assessoria direta do G2 cubano e uma imponente infraestrutura tecnológica importada e montada desde 2013, que inclui plataformas, softwares e dispositivos provenientes de países como China, Rússia, Itália, Israel e também dos Estados Unidos, sob aquisição formal (Havana Times, 2024; Voice of America, 2022).
Arquitetura e coordenação do aparato repressivo
O SEBIN, DGCIM, UCTS, CONATEL e CESPPA constituem a estrutura da vigilância estatal, aos quais se soma a coordenação direta com o G2 cubano, responsável pelo treinamento, planejamento e supervisão operacional das tarefas de controle e repressão política (Havana Times, 2024).
Treinamento e cooperação internacional
Descreve-se a formação de quadros da UCTS em técnicas de inteligência, repressão seletiva e controle urbano, sob direção cubana, juntamente com treinamento técnico fornecido pela Rússia (guerra eletrônica, operação SORM e satélite GLONASS), China (vigilância populacional e censura), Itália (intervenção digital) e Israel (análise forense) (Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos, 2025; Grey Dynamics, 2024).
Plataformas e sistemas de vigilância tecnológica
China: SIMA e VEN911 (CEIEC, Huawei e ZTE) equipam cidades com mais de 30.000 câmeras e reconhecimento facial; o Carnet de la Patria, desenvolvido pela ZTE, centraliza a gestão de dados biométricos e sociais; o aplicativo VenApp e o Grande Firewall venezuelano replicam os modelos de controle populacional chineses (Deutsche Welle, 2020).
Rússia: O sistema SORM permite a interceptação e armazenamento massivo de comunicações; radares e equipamentos de guerra eletrônica possibilitam o rastreamento eletromagnético, e o sistema GLONASS oferece cobertura satelital (The Moscow Times, 2024).
Itália: Genesis é o conjunto de ferramentas de espionagem digital implementadas na DGCIM para intervir em mensagen e-mails criptografados (ICIJ, 2024).
Israel: Cellebrite UFED analisa e extrai dados criptografados de dispositivos apreendidos durante operações ou detenções políticas, enquanto Pegasus representa a vanguarda na vigilância remota de telefones móveis (Great Reporter, 2025).
Estados Unidos / IBM: O SEBIN utiliza o programa IBM i2 Analyst's Notebook, uma das suítes de análise de inteligência mais avançadas a nível global. Este software é o eixo analítico do sistema BÚHO e o coração da arquitetura de big data aplicada à repressão e ao mapeamento de dissidentes (Business & Human Rights Resource Centre, 2022).
Localização e rede de salas de monitoramento
Desde o CESPPA e o Centro Nacional de Comando em Caracas, passando por 40 centros regionais e mais de 200 salas municipais conectadas ao SIMA e VEN911, toda a rede está integrada para coletar, analisar e centralizar as informações captadas pelas tecnologias mencionadas anteriormente.
Legalidade e arbitrariedade
A despeito das formalidades legais, os dados mostram que a interceptação e vigilância massiva são praticadas sem supervisão judicial nem controles reais (IFEX, 2020).
Impacto
Combinando os sistemas chineses, russos, italianos, israelenses e o software avançado do IBM i2 Analyst's Notebook/BÚHO, o Estado venezuelano implementou um modelo de vigilância digital total que permite repressão preventiva, criação de perfis, perseguição seletiva e supressão sistemática do dissenso social e político (Global Centre for the Responsibility to Protect, 2025).
Acesso a tecnologia por parte de regimes sancionados
A despeito das sanções internacionais direcionadas a regimes considerados repressivos, esses governos continuam acessando tecnologia, licenças e equipamentos necessários para operar seu aparato de controle. Entre os principais fatores que permitem essa continuidade estão:
• Vácuos e imprecisões legais: Muitas sanções são formuladas de maneira ambígua ou contemplam exceções, possibilitando transferências de tecnologia e equipamentos que não são estritamente ilegais, facilitando assim a evasão e permitindo que certas entidades continuem operando.
• Redes de evasão e uso de intermediários: Os regimes sancionados costumam recorrer a empresas de fachadas ou a terceiros países para adquirir produtos tecnológicos ou receber serviços de manutenção. Investigações mostraram o uso de empresas registradas em países neutros ou aliados para ocultar o destino final da tecnologia, dificultando a rastreabilidade.
• Dificuldade de controle global: A aplicação de sanções enfrenta o desafio logístico de vigiar todas as rotas possíveis de comércio, reexportação e manutenção de equipamentos; embora a exportação direta seja limitada, equipamentos, peças de reposição e serviços costumam chegar de forma indireta.
• Suprimento e manutenção como elos críticos: Os equipamentos tecnológicos requerem, além da aquisição, serviços contínuos de manutenção, calibração e atualização. Através de operadores em outras jurisdições ou sob identidades jurídicas distintas, técnicos e empresas continuam a fornecer esses serviços indispensáveis para o funcionamento do aparato repressivo.
• Responsabilidade limitada dos fornecedores: Em diversas jurisdições, fabricantes e distribuidores nem sempre enfrentam consequências legais se seus produtos chegam a países sancionados através de terceiros, especialmente quando a venda figura a outro cliente ou nação.
Em síntese, os regimes sancionados conseguem manter ativos seus sistemas tecnológicos através de lacunas legais, estratégias de evasão, mediação e a dificuldade de controlar todos os elos da cadeia de suprimento e suporte técnico.
Conclusão
A Venezuela encarna hoje o paradigma do Estado vigilante: a soma de tecnologia avançada, métodos de controle e ausência de garantias democráticas construiu uma máquina de vigilância que, como “o olho que nunca dorme”, observa, armazena e pune. Se não for abordada com reformas estruturais e supervisão internacional, seu impacto se estenderá a toda a região e perpetuará um ciclo de repressão quase impossível de reverter, mesmo diante de mudanças políticas superficiais (Human Rights Watch, 2025).
Referências
• Business & Human Rights Resource Centre. (2022, 22 de junho). Resposta da IBM às alegações sobre a venda de tecnologia de vigilância na América Latina. https://www.business-humanrights.org/en/latest-news/response-from-ibm-to-allegations-about-sale-of-surveillance-technology-in-latin-america/
• Deutsche Welle. (2020, 30 de novembro). EUA sanciona uma empresa chinesa que atua na Venezuela. https://www.dw.com/es/eeuu-sanciona-a-una-empresa-china-que-act%C3%BAa-en-venezuela/a-55736265
• Global Centre for the Responsibility to Protect. (2025, 18 de julho). Venezuela. https://www.globalr2p.org/countries/venezuela/
• Great Reporter. (2025, 28 de julho). Como a tecnologia de espionagem Cellebrite de Israel alimenta a vigilância móvel repressiva e muitas vezes ilegal em todo o mundo. https://greatreporter.com/2025/07/28/how-israels-cellebrite-spy-tech-powers-repressive-and-often-illegal-mobile-surveillance-everywhere/
• Grey Dynamics. (2024, 24 de novembro). Nova cooperação de inteligência Venezuela-Rússia. https://greydynamics.com/new-venezuela-russia-intelligence-cooperation/
• Havana Times. (2024, 15 de agosto). As pegadas da inteligência cubana na Venezuela. https://havanatimes.org/features/the-footprints-of-cuban-intelligence-in-venezuela/
• Human Rights Watch. (2025, 30 de abril). Venezuela: repressão brutal desde as eleições. https://www.hrw.org/news/2025/04/30/venezuela-brutal-crackdown-elections
• ICIJ. (2024, 24 de julho). Regime de Maduro dobra a censura e repressão em preparação para a eleição venezuelana. https://www.icij.org/inside-icij/2024/07/maduro-regime-doubles-down-on-censorship-and-repression-in-lead-up-to-venezuelan-election/
• IFEX. (2020, 24 de novembro). A ONU evidencia padrões de vigilância extrema e violação de privacidade por parte de organismos de inteligência da Venezuela. https://ifex.org/es/la-onu-evidencia-patrones-de-vigilancia-extrema-y-vulneracion-de-privacidad-por-parte-de-organismos-de-inteligencia-de-venezuela/
• Escritório do Alto Comissário da ONU para os Direitos Humanos. (2025, 18 de março). Venezuela: repressão severa e crimes contra a humanidade em andamento. https://www.ohchr.org/en/press-releases/2025/03/venezuela-harsh-repression-and-crimes-against-humanity-ongoing-fact-finding
• The Moscow Times. (2024, 8 de novembro). A Rússia assina acordos de segurança e energia com a Venezuela. https://www.themoscowtimes.com/2024/11/08/russia-signs-security-energy-deals-with-venezuela-a86944
• Voice of America. (2022, 14 de janeiro). China vista apoiando o “autoritarismo digital” na América Latina. https://www.voanews.com/a/china-seen-backing-digital-authoritarianism-in-latin-america-/6398072.html
Sobre o Autor:William L. Acosta é graduado pela PWU e pela Universidade de Alliance. Ele é um oficial de polícia aposentado do Departamento de Polícia de Nova York, além de ser fundador e CEO da Equalizer Private Investigations & Security Services Inc., uma agência licenciada em Nova York e na Flórida, com projeção internacional. Desde 1999, ele tem liderado investigações em casos de narcóticos, homicídios e pessoas desaparecidas, além de participar na defesa penal tanto a nível estadual quanto federal. Especialista em casos internacionais e multijurisdicionais, ele coordenou operações na América do Norte, Europa e América Latina.
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