Sérgio Westphalen Etchegoyen para FinGurú
As relações entre o Brasil e os Estados Unidos, a primeira nação a reconhecer nossa independência, foram consolidadas graças às nossas posições nos três grandes conflitos do século passado: as duas guerras mundiais e a Guerra Fria.
Na Primeira Guerra Mundial, enviamos um hospital de campanha completo e vários oficiais que lutaram ao lado de unidades francesas e britânicas. Na Segunda Guerra Mundial, enviamos 25.000 combatentes, incluindo 133 mulheres (o acadêmico brasileiro Frank McCann escreveu um belo artigo sobre "O Aliado Esquecido": https://eialonline.org/index.php/eial/article/view/1193/1221). Durante a Guerra Fria, trouxemos a confrontação ideológica para nossas casas, ruas, escolas, universidades e até quartéis, e nos matamos uns aos outros em nome dos valores ocidentais. A carta amplamente divulgada de Donald Trump é, sem dúvida, uma intromissão absurda e injustificada nos problemas alheios, mas o mesmo se aplica ao antiamericanismo juvenil e à preferência por ditaduras e autocracias. Em divórcios como este, não há inocentes. Nossa política externa contribuiu enormemente para essa desgraça. Abandonamos o Ocidente, ao qual pertencemos, por um clube que nos despreza, como demonstram nossas ausências na reunião do G20. É impossível terminar bem. No final, todos pagaremos as consequências.
O Brasil sempre soube compensar nosso histórico déficit de poder, que só aumentou, com uma orgulhosa política externa de neutralidade inteligente e produtiva que nos garantiu diálogo e mercados em todo o mundo.
Trump é um louco irresponsável, e nós o ajudamos a ser ainda mais. Só podemos esperar que nossa reação não seja um patriotismo temerário, ou nos afundaremos ainda mais. E entre nós, o Supremo Tribunal sim armou uma confusão, se excedeu e se intrometeu.
A carta merece minha mais enérgica condenação, mas não posso eximir de responsabilidade os exabruptos de Lula nem o esquerdismo assemblearista estudantil de Celso Amorim. Essa desgraça recai sobre nossos diplomatas, profissionais que admiro e que, tenho certeza, estão exasperados por não terem sido ouvidos. O filho autoexilado de Bolsonaro pagará as consequências por mencionar seu pai. Agora, precisamos esperar uma avaliação mais pensada dos danos e aguentar a bravata de plataforma que surgirá de um governo que só lhe resta uma garganta muito oxidada.
Mas, como gosto de buscar analogias na história, lembrei da postura de Getúlio Vargas nos anos que antecederam a Segunda Guerra Mundial.
Segundo dados da já extinta Sociedade das Nações, as exportações brasileiras para os Estados Unidos entre 1933 e 1938 caíram de 46,7% para 34,3% da balança comercial, enquanto as importações cresceram de 21,2% para 24,2%. No mesmo período, à medida que avançava a Alemanha nazista, as vendas e as compras dispararam de 8,1% para 19,1% e de 12% para 25%, respectivamente.
Hitler já se perfilava como a grande ameaça que se tornaria. Os Estados Unidos enfrentavam um enorme conflito interno entre uma sociedade majoritariamente isolacionista e um presidente (FDR) ciente de que a guerra era inevitável e de que seu país seria arrastado para ela. Aqui, ainda tínhamos que pagar nossas dívidas com o Reino Unido, onde o então Primeiro Lorde do Almirantado, Churchill, era a voz mais eloquente do mundo contra a ameaça alemã.
Foi neste cenário incerto e repleto de dificuldades que a política externa brasileira conseguiu a proeza de aumentar o comércio com Berlim e facilitar nosso caminho para o que se sabia inevitável: unir-nos aos Aliados. O resultado foi nossa industrialização.
O paralelismo é inevitável: em ambos os casos, tínhamos os Estados Unidos de um lado e, do outro, uma potência totalitária que buscava derrubá-los. Em cada caso, adotamos posturas diplomáticas distintas. No primeiro, o talento de Oswaldo Aranha e sua equipe conseguiu expandir o comércio com a Alemanha mantendo o que já descrevi como uma neutralidade orgulhosa e responsável. O lema era "Neutralidade e Paz". Uma linda página do Ministério das Relações Exteriores. Hoje, unimo-nos à Rússia, Irã e China, considerados por Washington como suas maiores ameaças, para culpá-los pela Ucrânia, condenar Israel e defender o fim do dólar como moeda internacional, sem mencionar o impasse militar em Moscou ou o apoio às FARC no Fórum de São Paulo. Se a isso somarmos um Trumperamental obstinado e iconoclasta, é fácil compreender as consequências de nossos arrebatos e bravata.
Naquela época, o país irrelevante que uma vez fomos soube ver a oportunidade e aproveitá-la ao máximo em benefício do interesse nacional. Hoje, como uma das maiores economias do planeta, nos comportamos como agitadores de sindicatos estudantis.
Essa interferência, como já disse, é inaceitável e injustificada, mas espero que não tentem resolver o problema com mais declarações patrióticas nem convidem aqueles que teremos que pagar a conta a levantar a cortina do falso patriotismo que encobre os erros que cometeram.
O general Sérgio Westphalen Etchegoyen, foi Chefe do Estado Maior do Exército Brasileiro e ministro do Gabinete de Segurança Institucional durante o governo de Michel Temer. Destacado analista político e homem de consulta permanente por diretores de bancos e principais empresas do Brasil.
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