25/01/2023 - politica-e-sociedade

Viver na exceção é viver no limite: nove iniciativas que demandam ser resolvidas

Por Valentín Olavarría

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Quando a exceção se torna regra, nos encontramos com um problema. O ano começa e as notícias políticas não faltam. O Executivo voltou a convocar para esta semana sessões extraordinárias, como é costume há anos no país (desde 2009, só numa ocasião não sessionou extraordinariamente), para debater 27 iniciativas. Assim, são 88 projetos que são enviados nas extraordinárias desde o início do mandato de Alberto Fernández, aprovando-se apenas 10. No entanto, as sessões não são a única exceção que se fez regra. Em seguida, nomeamos outras nove iniciativas ou acusações que pedem ser valados:

  1. Provedor de Justiça da Nação

Já são 14 anos desde que renunciou o último Provedor de Justiça. Segundo a Constituição Nacional (CN), são necessários dois terços dos presentes de ambas as câmaras para preencher a vaga. Segundo o artigo 86 CN: “sua missão é a defesa e proteção dos direitos humanos e outros direitos”. Para um país que governou em 2022 da Presidência do Conselho de DDHH da ONU (CDH), é uma situação preocupante. O mesmo opinou The Human Rights Watch em seu relatório 2023, como também a Organização dos Estados Latino-Americanos (OEA) em 2014 e a CSJN, que exortou o Congresso a escolher um defensor, em 2016. Mais de uma década transcorreu sem que a sociedade argentina tenha um defensor a cargo, que tem múltiplas atribuições judiciais para enfrentar políticas injustas. Além disso, continuando com a ONU, é a única instituição nacional de DDHH reconhecida pelas Nações Unidas e, para alguns analistas, pode correr o risco de perder o status no organismo.

Roberto Gargarella, advogado constitucionalista, falou-nos das implicações políticas da falta de Provedor de Justiça: “Trata-se de indícios que sugerem que a atual liderança, de modo conjunto e transversal, está pouco interessada nas questões institucionais; e que, em particular, ela se mostra recelosa frente à presença de instituições destinadas a controlar e fiscalizar seu próprio trabalho”.

  1. Pesquisa Geral da Nação

Há cinco anos e poucos dias, Eduardo Casal assumiu como Procurador-Geral da Nação Provisório, após a renúncia de Gils Carbó. No entanto, ainda não foi aprovada qualquer lei para cobrir a vaga faltante há meia década. O cargo constitucional precisa legislativamente de dois terços dos membros presentes para ser confirmado. O Executivo atual manifestou sua intenção de que Daniel Rafecas seja o próximo procurador. Ainda o Congresso não o aceitou. Além disso, no temário publicado sobre as extraordinárias, o ponto sete é este. Por sua vez, em 2020, o Senado aprovou um projeto que buscou reduzir a maioria necessária para designar esse cargo, mas deputados não acabou de aprovar a norma. O procurador é o chefe do Ministério Público Fiscal, e o encarregado de projetar sua política, que, segundo o artigo 120 CN, se baseia em: “promover a atuação da justiça em defesa da legalidade dos interesses gerais da sociedade”. Parece não ser coisa menor a falta de procurador por cinco anos consecutivos...

  1. Membro da Suprema Corte da Nação (CSJN)

Há um ano e dois meses, mantém-se uma vaga na mesa da CSJN após a renúncia de Elena Highton de Nolasco, depois de se reformar. Essa situação não modifica o afazer cotidiano da Corte, mas sim outorga, em primeiro lugar, maior poder individual a cada um de seus membros, menor legitimidade e poder e, o risco da acefalia. Sobre isso último, sabemos que no final de 2024 o juiz Juan Carlos Maqueda cumpre 75 anos, pelo que deveria se reformar, e assim a CSJN ficaria com três membros, situação que a deixaria imobilizada. Este também é um problema que terá o próximo governo. Para escolher o faltante são necessários dois terços do Senado. Para ilustrar a severidade da situação, o presidente também está descumprindo um decreto de 2003 (que tem sua assinatura), que lhe concede ao Executivo trinta dias para enviar o caderno ao Senado de um nome para cobrir essa vaga.

O Dr. Alejandro Chehtman, Decano da Escola de Direito da Universidade Torcuato Di Tella (UTDT), cooperou conosco para esclarecer a temática. Com a vacancia, a CSJN “pode funcionar quase com normalidade” embora, por sua vez, “não poder encontrar figuras de consenso para nomear um juiz da Corte é um sintoma muito preocupante da solidez institucional e da nossa democracia e, da falta de preocupação da liderança pela institucionalidade”.

  1. Juízes federais

Segundo descreveu a Human Rights Watch, em setembro de 2022 havia 257 vagas na justiça federal e nacional. Além disso, desde 2021 não há audiências no Senado para a designação de magistrados, ou seja, há mais de um ano não se nomeiam juízes. Por isso, em 2015 a CSJN estabeleceu que a demora “atenta contra a independência judicial”. Também o fez o seu presidente no ano passado: "reclamamos também a cobertura das vagas federais". Com isso, já não é apenas uma questão de enfraquecimento institucional, mas também uma clara falta de justiça e de segurança para os cidadãos.

  1. Lei de Coparticipação Federal de Impostos

A disposição transitória sexta da CN é clara: “Um regime de coparticipação (...) serão estabelecidos antes do final do ano 1996”. A sociedade argentina está esperando após duas décadas e meia sua resolução. Embora não seja de aprovação fácil (es uma lei convênio), a falta de sanção repercute no dia a dia dos argentinos, já que os percentuais fiscais são anacrônicos (siglo XX). Isto não tem apenas efeitos econômicos, mas também políticos-sociais: os conflitos atuais com CABA e a CSJN vêm daí. O advogado Garret Edwards, diretor de Pesquisas Jurídicas da Fundação Liberdade, assistiu-nos a refletir sobre esses temas e disse que a questão da coparticipação “é uma problemática que a argentina tem de maneira histórica” e que, sobre a possibilidade de desfecho no curto prazo: “se não conseguimos resolver a problemática da inflação, também não vamos resolver o assunto sobre a coparticipação federal. Há falta de decisão política”.

  1. Distribuição de bancas na Câmara dos Deputados da Nação

A actual distribuição por províncias dos 257 deputados contém erros. Como vários escritores mencionaram, existe uma sub e sobrerrepresentação de algumas províncias na Câmara Baixa. Ou seja, existem algumas que de forma proporcional contam com mais e outras com menos deputados do que nomeia a lei e a Constituição Nacional. Dois exemplos claros são Buenos Aires, que tem um deputado por cada 223.215 habitantes, e Terra do Fogo, com um cada 25.441 (seguindo o censo de 2010). Desta forma, ainda não há solução para o problema dos legisladores, que continuam em uma exceção enquanto algumas províncias se beneficiam e outras se prejudicam. Assim nos explicou o politólogo Andrés Malamud: “A atual distribuição de bancas na Câmara dos Deputados é inconstitucional porque se baseia no censo de 1980, quando, segundo o artigo 45 da Constituição, deveria ter sido reajustada três vezes (após os censos de 1991, 2001 e 2010). No entanto, há 32 anos que esta situação “se mantém porque as províncias beneficiárias (em bancas e em coparticipação) têm poder de bloqueio no congresso. A solução só pode ser induzida pela Suprema Corte ou por uma crise política que ameaça levar os governadores e não apenas o presidente”, fechou o pesquisador da Universidade de Lisboa.

  1. Julgamentos Nacionais em CABA

Ainda no país, após a constituição nacional de 1994 e a da CABA de 1996, continuam existindo tribunais nacionais (distintos aos federais). Estes eram aqueles que se encontravam nos territórios federalizados pelo governo nacional (como era o caso de Terra do Fogo e a Prefeitura da Cidade de Buenos Aires). No entanto, na Cidade Autónoma de Buenos Aires, continuam existindo esses tribunais que segundo as constituições mencionadas deveria ter sido feito uma transferência para tribunais locais. Isso se mantém assim há 27 anos e parece manter-se.

  1. Conselho da Magistratura

Após uma decisão de inconstitucionalidade de 2021, o Conselho da Magistratura teve de modificar a sua estrutura. A lei até então era a 26.080, de 2006. Assim, a decisão da CSJN deixou sem uso uma lei após 17 anos de aplicação, voltando à lei anterior. Desde então, ainda não foi aprovada uma lei do Conselho da Magistratura. Tudo isto sabendo que é a encarregada de selecionar e sancionar os juízes, entre outras funções, ilustrando o essencial de uma lei dessas características.

  1. Presidente do Banco Central da República Argentina (BCRA)

Após a eleição de Frederico Sturzenegger para o cargo de presidente do BCRA, em 2015, nenhum outro foi designado, conforme estabelecido pela Carta Orgânica do BCRA (que deve ser refrendado pelo Senado). É assim que Miguel Pesce, atual presidente, é um “em comissão” ao não ter aprovado seus cadernos, tal qual o estabelece a página web do banco. Assim, há oito anos que o presidente do BCRA não é designado de maneira legal, o que gera menor legitimidade e prestígio internacional.

Em conclusão, vemos que o Estado argentino é altamente demandante preservar suas instituições. Talvez a causa que podemos encontrar esteja no que vislumbramos no mundo e na Argentina há várias décadas: a polarização. Todas estas leis e cargos precisam de maiorias especiais do Congresso para serem aprovadas, questão que resulta de impossível resolução em um cenário polarizado e rachado. Da mesma forma, a consultora Edelman expressou o seu relatório anual de há poucos dias: a sociedade percebe-se como a mais polarizada das 28 analisadas.

Esta situação produz diversos efeitos que vão desde o dano ao Estado de direito até menor quantidade de ferramentas institucionais para favorecer a sociedade. Embora não termina lá: os ocupantes atuais de cargos têm pouca legitimidade para agir e decidir sobre temáticas cruciais para a vida social. Ou mesmo do lado económico, ao não garantir estabilidade e segurança jurídica, decrece o investimento, bem como o prestígio internacional. Essas situações a curto ou médio prazo precisam ser resolvidas, mas se, no futuro, não forem resolvidas as causas de fundo, certamente se reproduzem mais exceções convertidas em regras.

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Valentín Olavarría

Valentín Olavarría

Olá, chamo-me Valentín Olavarría. Sou licenciado em Ciências Políticas (UCA). Fundador do blogue La Argentina Joven. va.olavarria@gmail.com

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