27/05/2025 - politica-e-sociedade

O que Javier Milei vê que os outros não veem?

Por Poder & Dinero

O que Javier Milei vê que os outros não veem?

Sérgio Berensztein para Poder & Dinero e FinGurú

“Temos necessidade de diálogo, de forjar a cultura do encontro, de frear urgentemente o ódio” disse o arcebispo de Buenos Aires, Jorge Garcia Cuerva, na ocasião do tradicional Tedeum de 25 de maio, em uma exortação geral a deixar de lado os insultos, as desqualificações e as humilhações aos outros. O ouvinte estelar na Catedral Metropolitana era Javier Milei, seguido de perto pelas câmeras que registraram sua total indiferença em relação às presenças de Victoria Villarruel e Jorge Macri. Os posts no X que se seguiram a tal episódio, com a legenda “Roma não paga traidores”, demonstraram que o chamado eclesiástico à tranquilidade foi apenas uma anedota diurna para o presidente, mais interessado em exibir a gestualidade do poder, exercido de maneira implacável, diante do derrotado Chefe de Governo porteño.

Enquanto isso, a reaparensão de Cristina Kirchner, em um discurso incomumente breve, trouxe consigo um convite à sua audiência para refletir sobre os setores sociais insatisfeitos com a atual direção do governo, que em algum momento votaram pelo peronismo, mas que não estão dispostos a optar novamente por candidatos justicialistas. Isso explicaria, segundo a ex-presidente, a acentuada baixa participação nas comunas e bairros mais pobres da Cidade de Buenos Aires na última eleição. 
 
Pode a redução na participação eleitoral ser parte de um fato conjuntural, que está evidenciando a pouca relevância percebida pela cidadania em eleições para cargos “menores”? Ou há ali um testemunho de um fenômeno mais estrutural? Poder-se-ia entender que a Argentina está convergindo para tendências mundiais de desafeição democrática. Tal acontecimento emerge como consequência da desconfiança crescente em relação a certas instituições, como os partidos políticos, como já retratava em 2013 o politólogo Peter Mair em “Governando o vazio”. Assim, os partidos falham em prover laços orgânicos com os cidadãos e passam a ocupar o lugar de meros veículos eleitorais.   

Desde La Libertad Avanza (LLA) deixam transparecer que se encontram confortáveis em um ambiente no qual se contrapõem os núcleos duros de um lado e do outro, na aposta de que aquele eleitor algo insatisfeito com o estilo presidencial acabe convergindo ao final do caminho para a opção libertária, por ser o único instrumento competitivo para evitar uma vitória do kirchnerismo. Esta postura culminou se mostrando bastante convincente nas eleições da Cidade, mas é prudente que o governo a assuma como uma hipótese e não como uma lei. 

Segundo o último informe de Indicadores de Preferências Políticas (IPP) que elaboramos mensalmente com D’Alessio IROL, União por la Patria e La Libertad Avanza disputam o primeiro lugar em um cenário eleitoral hipotético a nível nacional, com 31% e 30%, respectivamente. Em paralelo, cerca de 25% dos consultados têm se inclinado sistematicamente, nos últimos meses, para a opção “nenhum” ao serem questionados sobre qual partido conta com as melhores propostas e candidatos. 

O mesmo ocorre quando se pergunta pelo espaço com melhores equipes e capacidade de gestão para resolver os problemas do país.  No contexto atual, existe a possibilidade de que surjam alternativas eleitorais suficientemente competentes e competitivas, com uma mensagem prospectiva atraente, e com a capacidade de persuasão necessária para gerar uma disrupção benéfica na oferta partidária?

Não é esperado que aquilo que hoje se apresenta desorganizado e fragmentado no universo opositor, com especial desconforto entre aqueles atores comprometidos com o liberalismo político, a defesa das instituições e a estabilidade macroeconômica, encontre um formato sintetizador a curto prazo. Se é muito cedo para entender o que é a oposição ao governo libertário e quem está em condições de representá-la melhor, é porque talvez também seja muito prematuro fazer uma sentença categórica sobre o que é Javier Milei. Apenas transcorreu um ano e meio desde o início de sua gestão, enquanto permanecem por diante reformas desafiantes para articular  e pôr em marcha, em meio a um contexto internacional cada vez menos previsível.

Transitamos por um período de anamorfose política, no qual estamos cercados de imagens e paisagens que parecem caóticas, deformadas e dificilmente inteligíveis para esquemas de compreensão convencionais. Na anamorfose como técnica artística, o observador só consegue dar com a aparência coerente das figuras quando se posiciona em um determinado ângulo, a partir do qual consegue completar o sentido por meio de uma construção óptica. É possível que a LLA tenha sido a primeira força partidária a conseguir chegar a esse ponto de vista de onde as coisas parecem ver-se mais claras e de onde “tudo marcha de acordo com o plano” (TMAP). Conseguiram resolver o enigma antes de ninguém, seria precipitado assegurar que vão ser os únicos.

Sérgio Berensztein Doutor em Ciência Política (University of North Carolina, Chapel Hill) e Licenciado em História (UBA). Obteve um Certificado de Pesquisa em Ciências Sociais no CEDES (Centro de Estudos de Estado e Sociedade). É presidente da Berensztein®, consultoria de análise política e estratégica que fundou em 2014, com uma perspectiva regional e comparada com base em métodos de pesquisa rigorosos e inovadores, tanto tradicionais (qualitativos e quantitativos) como de big data. Nela trabalha com alguns dos principais líderes da Argentina e da região, tanto do setor público quanto do privado, ajudando-os a compreender o ambiente interno e global em mudança, e a tomar decisões em um contexto de alta incerteza. Costuma ministrar conferências e aulas magnas dentro e fora da Argentina, tanto em espanhol quanto em inglês. Além disso, atua como professor da Mestrado em Negócios da Faculdade de Ciências Econômicas da UBA. Desde o início de 2019, foi designado presidente da IPS (International Pres Service) para a América Latina.

Desempenhou como assessor de instituições de grande envergadura internacional como a Corporação Andina de Fomento (CAF), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial (BM).

Foi diretor da Mestrado em Políticas Públicas e Professor de distintos programas da Universidade Torcuato Di Tella (1997-2017), onde integrou o Conselho de Administração (2012-2014). Foi também professor convidado em instituições acadêmicas do exterior como as universidades de Duke, Georgetown, Stanford, Princeton, Novo México, FLACSO e CIDE (México) e Salamanca (Espanha).

É autor dos livros “A primeira revolta fiscal da história. A 125 e o conflito com o campo” (junto a María Elisa Peirano, Margem esquerda, 2020), “Somos todos peronistas?” (El Ateneo 2019), “Por que todos os governos falham?” (junto a Marcos Buscaglia, El Ateneo, 2018), “Donos do Sucesso” (com Alberto Schuster, Edição, 2017), “Os benefícios da liberdade” (junto a Marcos Buscaglia, El Ateneo, 2016), 125 Anos do Banco Nación (Banco Nación, 2016) e “O poder narco” (junto a Eugenio Burzaco, Sudamericana, 2014), entre outros. Além disso, publicou mais de 30 artigos acadêmicos em revistas especializadas e volumes editados.

Desempenha como apresentador de “Poder e Dinheiro”, pela Americano Media (Miami). Também é apresentador de El Tornillo (Canal da Cidade) e co-apresentador de Radioinforme 3, pela Cadena 3 Rosario. Foi co-apresentador dos programas de rádio “Politicamente incorretos” Radio Rivadavia”, “Voo de volta” (Milenium) e “Política e bolas” (Splendid). Também foi co-apresentador de “Emergência Intelectual” (América TV), painelista de «Animales Sueltos» (América TV) e colunista de A24. Publica regularmente colunas de opinião no diário La Nación, TN.com.ar e El Cronista Comercial e anteriormente também nos diários Perfil e La Gaceta, e é habitualmente consultado pelos principais meios de comunicação do país e do exterior.

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Somos um conjunto de profissionais de diferentes áreas, apaixonados por aprender e compreender o que acontece no mundo e suas consequências, para poder transmitir conhecimento.
Sergio Berensztein, Fabián Calle, Pedro von Eyken, José Daniel Salinardi, junto a um destacado grupo de jornalistas e analistas da América Latina, Estados Unidos e Europa.

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