A reforma trabalhista apresentada pelo Executivo ao Congresso visa atualizar a Lei de Contrato de Trabalho, o núcleo regulatório do emprego na Argentina há meio século. O Governo alega que o sistema vigente requer modernização, maior previsibilidade jurídica e uma reordenação de custos, enquanto setores sindicais e especialistas discutem o alcance de suas implicações. De qualquer forma, o projeto introduz modificações estruturais que alteram a maneira como se organizam, remuneram e extinguem as relações laborais.
Com a inflação desacelerando para 2,5% ao mês em novembro —segundo o Indec— e em um contexto de reformas mais amplas, o texto avança sobre dimensões sensíveis do emprego. A seguir, uma análise detalhada de seus principais capítulos.
Indemnizações: limite, base de cálculo e alcance da reparação
O artigo 245, um dos pilares da Lei de Contrato de Trabalho, é reescrito. A fórmula do salário por ano trabalhado é mantida, mas a reforma estabelece três modificações substanciais:
A base de cálculo será a melhor remuneração mensal, normal e habitual do último ano.
O limite máximo indemnizatório será três vezes o salário médio do acordo aplicável.
A indemnização será a única reparação, excluindo reclamos civis adicionais.
O projeto também autoriza as empresas a constituir fundos de cessão laboral, instrumentos destinados a cobrir as indemnizações futuras. Essas ferramentas visam reduzir a imprevisibilidade e a litigiosidade, de acordo com a explicação oficial.
Férias: ordenação do período e novas regras de fracionamento
A reforma define um período oficial para conceder férias, que deve estar situado entre 1º de outubro e 30 de abril, embora trabalhadores e empregadores possam acordar datas fora dessa janela.
Estabelece ainda:
a possibilidade de fracionar o descanso em blocos de no mínimo sete dias,
a obrigação de garantir férias em plena temporada de verão pelo menos a cada três anos,
e um procedimento de reprogramação caso o trabalhador enfrente uma doença durante o período de férias.
O objetivo declarado é homogenizar critérios e dar previsibilidade administrativa.
Jornada de trabalho e bancos de horas: compensação e reorganização do tempo de trabalho
Uma das mudanças mais significativas é a incorporação do sistema de “bancos de horas”, através do qual as partes podem acordar a compensação de horas extraordinárias dentro de ciclos de trabalho mais amplos. Isso permite reorganizar picos e vales de atividade sem recorrer necessariamente ao pagamento tradicional de horas extras.
O esquema exige respeitar:
as 12 horas mínimas de descanso entre jornadas,
e os descansos semanais previstos pela lei.
Esse mecanismo se alinha com modelos aplicados em algumas atividades específicas e visa introduzir maior flexibilidade na administração do tempo de trabalho.
Salários: definição, métodos de pagamento e a entrada “dinâmica”
O projeto redefine com precisão quais conceitos integram a remuneração, permitindo seu pagamento:
em pesos,
em moeda estrangeira,
e parcialmente em espécie.
Uma novidade relevante é a possibilidade de estabelecer um “salário dinâmico”, uma porção variável da remuneração associada ao mérito, desempenho ou produtividade, que pode ser consensuada em convenções coletivas ou implementada por empresa. Este conceito introduz critérios de diferenciação interna e maior variabilidade em determinados segmentos da renda.
Licenças por doença: certificação e controle médico
A reforma estabelece requisitos mais rigorosos para certificar uma doença:
o atestado deve incluir diagnóstico específico, tratamento e quantidade de dias de repouso;
deve ser emitido exclusivamente por pessoal médico habilitado.
Se houver discrepância entre atestados, prevê-se a intervenção de uma comissão médica, que determinará a validade final. O objetivo declarado é padronizar critérios e reduzir controvérsias.
Reincorporação após acidente ou doença: continuidade com adequação
O projeto mantém a obrigação de conservar o emprego de trabalhadores que retornam com uma diminuição permanente de sua capacidade laboral. No entanto, permite a adequação do salário às novas tarefas, categoria ou jornada que passam a desempenhar. O vínculo é preservado, mas é introduzido um mecanismo de ajuste remuneratório em função da capacidade residual.
Período de experiência e aviso prévio: maior flexibilidade na entrada
Outra modificação relevante é a eliminação da obrigação de pré-aviso em caso de rescisão do contrato durante o período de experiência. Essa decisão concentra a maior flexibilidade nos primeiros meses da relação laboral, etapa em que se avalia a continuidade definitiva.
Uma reforma estrutural que abre um novo ciclo de debate
A reforma trabalhista de Milei reorganiza aspectos centrais do emprego argentino, desde a definição do salário até a compensação do tempo e a forma de calcular indemnizações. Sua aprovação ou modificação dependerá do processo legislativo, mas o texto já reinstalou um debate de alcance estrutural: como adaptar o regime laboral a novas dinâmicas produtivas sem desarticular os equilíbrios que definiram a proteção histórica.
Nos próximos meses, o Congresso e os diferentes atores sociais deverão discutir não apenas os detalhes técnicos, mas o modelo de emprego que a Argentina quer projetar para o futuro.

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