Tokenização da obra “O Beijo” do artista plástico Gustav Klimt exibido no Museu Belvedere
O IMPACTO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A
TECNOLOGIA BLOCKCHAIN NA CULTURA E NA ARTE.
María Raquel Burgueño
BREVE INTRODUÇÃO:
O efeito “MALINOWSKI”:
Muitos se perguntarão como cheguei ao mundo das tecnologias. Quando
converso com outras pessoas que estão imersas em outros âmbitos
diferentes do notarial, a pergunta obrigatória que me fazem é: o que faz uma
escrevente falando de tecnologias? E é aí que eu respondo que tudo é
graças ao “efeito Malinowski”.
.
Muitos já ouviram falar do famoso etnógrafo e mestre da
Antropologia, Bronislaw Malinowski, que foi fundador da Antropologia
Social Britânica no início do século XX e que revolucionou os estudos
etnográficos da época com o desenvolvimento de uma metodologia renovada: o
trabalho de campo através da “OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE”.
.
Aqueles que gostam das ciências sociais saberão que em
1914 Malinowski viajou para as Ilhas Trobriand e devido à declaração
da Primeira Guerra Mundial acabou vivendo nelas sem poder retornar à
Inglaterra de imediato. Isso lhe permitiu exercer sua profissão com um
olhar diferente e decidiu passar um tempo entre a população nativa dessas
ilhas, aprendendo seus costumes, sua maneira de se organizar, suas comidas e
até mesmo sua própria língua. Depois, ao voltar para a Inglaterra em 1922, Malinowski
publica sua obra-prima “Os argonautas do Pacífico Ocidental”
, onde
compartilha essas vivências e faz recomendações que fundam as bases da
antropologia moderna: seu método de observação participante.
Bronislaw Malinowski com os habitantes das Ilhas Trobriand.
Conto esta anedota colorida porque quando a pandemia chegou e o
confinamento foi inevitável, assim como Malinowski, fui morar nas ilhas
digitais da internet, embora já fosse uma hábil internauta por natureza e por
herança, e foi assim que fiquei "vivendo" com muitas tribos digitais e
informáticas e comecei a aprender seus costumes, a própria lógica desses
grupos e, acima de tudo, entendi, como boa aluna de Malinowski, que era
fundamental aprender também seu idioma. E assim começou minha história no
campo das tecnologias, como uma observadora participante, uma mente
curiosa que explorava em outros mundos a maneira de resolver os enigmas dos
ambientes digitais e da minha profissão. Depois nos reunimos com outras
mentes curiosas e assim formamos a Comissão de Inovação da nossa
escola onde todos saímos para explorar outros mundos para buscar inovações e
novidades e compartilhá-las com nossos amigos e colegas, e juntos, no estilo Walt Disney, “Caminhar rumo ao futuro”.
.
Neste mundo tão vertiginoso e em constante mudança, estamos na etapa de
validar novos paradigmas como o da digitalização, a virtualidade, as
experiências imersivas da web 3.0 etc., que, como tormenta caribenha às palmeiras,
abalroam nossos princípios, crenças, valores e premissas sob
os quais fomos criados na vida geral e em nossa profissão, em
particular. Thomas Kuhn soube antecipar que esses eventos não são lineares e
que culturalmente estamos atravessados por movimentos constantes de
avanço e retrocesso. O importante é tomar consciência disso e saber
oscilar nesse vaivém, tomando tudo como experiência e buscando
encontrar respostas que nos permitam continuar caminhando.
E assim então chegamos a entender como a tecnologia e a cultura estavam
intimamente conectadas entre si, fazendo os arabescos de uma dança onde
uma empurra a outra ao próximo movimento em nossa evolução
sociocultural.
Neste percurso, revisamos os conceitos de Cultura para entender os
fenômenos que ela atravessa e que por sua vez "nos atravessa" enquanto seres
humanos cada vez que Cultura e Tecnologia realizam sua dança fusionada.
NOÇÕES PRÉVIAS DE CULTURA
A cultura é o elemento que distingue a espécie humana de todas as
demais espécies. Na história da humanidade, a cultura começa quando
ocorrem na estrutura coletiva elementos como a linguagem, as
ferramentas, as instituições sociais e um sistema de valores com
conteúdo estético, moral e religioso. A aparição de "regras" ou "normas"
define claramente a divisão entre o que entendemos como cultura e
natureza.
A cultura abrange símbolos, significados, valores, instituições, comportamentos
e todos os seus derivados, que caracterizam uma população humana
identificando-a e distinguindo-a das demais. A palavra cultura leva
consigo seu próprio peso de associações em línguas e tradições diferentes.
As culturas possuem:
• Um sistema de valores significativos (que dão significado à
existência por completo) e normativos (que fornecem regras de
comportamento, uma cosmovisão da vida).
• uma base compartilhada (território comum, história, língua, raça ou
antepassados), que identifica as pessoas como membros de um grupo; e
• a vontade ou decisão de se identificar primeiramente como
membro dessa comunidade.
Esteban Krotz 1 expressa que enquanto a cultura humana tem muitos
milhares de anos, a análise científica da cultura, - isto é, seu estudo
sistemático, realizado por uma comunidade de especialistas que utilizam para isso
métodos, conceitos e teorias criadas para tal fim, tem apenas um século.
Krotz expõe cinco falácias sobre a noção de cultura que aqui
enunciaremos de maneira afirmativa.
1) Todos os seres humanos, por definição, têm cultura. Como se
disse no início: ter cultura, pertencer a uma cultura é a característica
principal da vida humana em comparação com todas as
demais formas de vida neste planeta.
2) Existe uma MULTIPLICIDADE CULTURAL, isto é, uma
quantidade enorme de culturas passadas e presentes. Essa
multiplicidade cultural não possui uma HIERARQUIA, não há como falar de
uma cultura melhor do que a outra, só podemos dizer que são
semelhantes ou diferentes.
3) Assim como há misturas biológicas e étnicas também podemos
falar de culturas mistas. É uma falácia pensar em culturas puras
frente aos processos de desculturalização e aculturação.
• 1 Professor-investigador Titular C de Tempo Integral na Unidade de Ciências Sociais do
Centro de Pesquisas Regionais “Dr. Hideyo Noguchi” da Universidade Autónoma de
Yucatán.
• Professor por Designação na Faculdade de Ciências Antropológicas da Universidade Autónoma
de Yucatán.
• Membro da Academia Mexicana de Ciências.
• Coordenador da Região Sul Sudeste do Conselho Mexicano de Ciências Sociais (Comecso, A.
C.)
• Diretor da Revista Sur do México.
• Sistema Nacional de Pesquisadores: Nível III.
• Doutor em Filosofia [Filosofia das ciências sociais] Hochschule für Philosophie, Munique.
4) Os museus, teatros e bibliotecas são apenas alguns dos
muchos lares da cultura. Na realidade, são lugares onde se
perpetua a ideia de cultura. A maior parte da vida cultural se
realiza, se conserva, se reproduz e se transforma fora deles.
5) O âmbito da criação e reprodução cultural é muito mais
amplo do que o das instituições estatais. Os Estados sempre tiveram
interesse em intervir na criação cultural e na
conservação do patrimônio cultural porque desta maneira
controlam e às vezes até mesmo criam um importante fator de coesão
social.
Como já foi dito antes, em todas as culturas e em todos os
tempos foram documentadas influências de umas culturas sobre outras. O
problema não reside na existência dessas influências, mas sim no fato de que se os
seres humanos pertencentes a uma cultura podem decidir livremente sobre
se querem aceitar tais influências e, em dado caso, quais e como. Poder
escolher entre alternativas pressupõe, claro, conhecer as alternativas e
reconhecer uma influência concreta como uma alternativa entre outras.
LA TECNOLOGIA COMO FENÔMENO CULTURAL:
Darcy Ribeiro2 define a EVOLUÇÃO SOCIOCULTURAL como o
movimento histórico de mudança de modos de ser e de viver dos grupos
2 Darcy Ribeiro (Montes Claros, Minas Gerais 26/10/1922. Brasília, 17/02/1997) foi
um intelectual e político brasileiro conhecido por seus trabalhos em educação, sociologia e
antropologia.
humanos, desencadeado pelo impacto de sucessivas revoluções
tecnológicas sobre sociedades concretas, tendendo a conduzi-las à
transição de uma etapa evolutiva a outra, ou de uma formação sociocultural a outra.
Um dos problemas centrais de entender a tecnologia como cultura e
como uma forma dela mesma, é reconhecer um nexo com a
sociedade que a produz, na medida em que ela é criação do processo histórico que
tem gestado e, por sua vez, ela produz novas transformações no mundo
que começa a se formar com sua influência.
Para a visão religiosa, a tecnologia se inscreve no "fazer" ou no
agir humano. Como tal deve estar subordinada ao "ser". Deve estar ao
serviço para o desenvolvimento do ser.
A cultura tecnológica é um meio que chegou às novas
culturas sociais onde as pessoas relacionam a tecnologia com suas
atitudes, valores, pensamentos, crenças e comportamentos, os
quais se refletem nas ações que realizam na vida cotidiana
e nos aspectos culturais.
TENSÕES QUE A CULTURA TECNOLÓGICA GERA:
Dentro dessas novas interações também se podem apreciar novas
situações de tensão no comportamento dos indivíduos e isso pode
se refletir na convivência social.
No que diz respeito ao mundo da arte, existem essas tensões que,
seguindo o pensamento de vários filósofos como o alemão Markus
Gabriel, o pesquisador do Conicet e Doutor em Ciências Sociais Hernán
Borisonik observa algumas delas que sintetizamos a seguir e
que nos permitem acoplar seu pensamento ao papel das tecnologias:
• O apagamento das fronteiras entre arte e design. A ruptura com
o paradigma de “arte acadêmica”.
• O conceito de peça “original” tornou-se virtualmente inatingível
frente à possibilidade imediata e infinita de copiar e fazer circular
qualquer imagem (O fenômeno dos NFTs – Tokens Não Fungíveis através da tecnologia Blockchain)
• Apagou-se a fronteira entre artistas e público. Todos nós produzimos
conteúdo e nos tornamos tanto sujeitos como objetos de
contemplação estética na cultura tecnológica.
• O conceito de obra perde a noção de materialidade e começa uma
nova etapa: O conceito de obra a partir do imaterial. A obra
representada através de código de software e algoritmos.
• As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), a
Internet das Coisas (IoT) e as tecnologias emergentes como a IA e
Blockchain alteraram a brecha entre produtor e consumidor
da cultura.
• Tudo o que circula na Internet, inclusive o conteúdo artístico, se
transforma em dado que é processado e transformado em informação
gerando o avanço do marketing analítico - digital devido ao uso do
Big Data e do Data Lake.
• A respeito disso, a chamada inteligência artificial nos toma
humanos como séries enormes de dados que podem ser captados,
compreendidos e até manipulados.
• Como resposta, na contemporaneidade, a representação
do humano está se delineando em outro sentido: não falaremos mais
sobre o que somos em geral, mas os algoritmos nos dirão o que
cada um de nós é em particular.3
Vamos então ver como funcionam brevemente algumas dessas tecnologias
para compreender melhor seu impacto no mundo da arte:
INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – BREVE DESCRIÇÃO:
A Inteligência Artificial é considerada uma excelente ferramenta de
tecnologias combinadas que permitem automatizar tarefas do âmbito do
processo mental do ser humano em uma velocidade extraordinária
em relação à inteligência humana. Isso se deve à possibilidade de
manejar de maneira bem-sucedida o processamento de dados brutos que, após seu
tratamento, formam um “Dataset” com os quais o algoritmo é treinado –
3 HERNÁN BORISONIK. Variações sobre a representação na era digital
INPUT - de modo que possa encontrar a resposta às necessidades dos
seres humanos – TREINAMENTO - facilitando os cenários de
solução com mínima assistência humana - OUTPUT.
Para isso, o algoritmo requer os seguintes elementos:
- O acesso aos dados (DATASET) que serão a fonte de seu
treinamento (INPUT)
- O processo de aprendizagem e seleção (TREINAMENTO)
- O processo de validação
- A implementação no campo de domínio selecionado.
A Inteligência Artificial possui uma grande capacidade computacional para
gerenciar dados. Seria de extrema importância o desenvolvimento de um programa
que contasse com um processo de aprendizagem automatizado, rastreável e
transparente, qualificado como “Caixa Branca”, ou seja, que possuísse
explicabilidade e interpretabilidade em relação ao processo de aprendizagem.
Ao trabalhar com a aplicação de Inteligência Artificial, devemos ter em
conta:
• a) A necessidade ou problema a ser resolvido;
• b) Para quem aplicar o uso de IA;
• c) Pensar no usuário-chave que deve estar envolvido desde o início;
• d) A formação de uma equipe multidisciplinar;
• e) Que a IA aplicada resulte em uma situação que agregue valor e por
consequência melhore a vida das pessoas.
Por sua vez, o processo do projeto deverá respeitar os seguintes estágios:
Vamos usar como exemplo de aplicação o uso de um sistema de
IA para identificar discursos de ódio em matéria de proteção dos Direitos Humanos (DDHH).
• Treinamento: O processo de aprendizagem será realizado através
da entrada (INPUT) de dados. Utilizar-se-á 80% do total de dados
disponíveis (DATASET), reservando-se os 20% restantes para o
momento da validação. No caso em questão, podem ser utilizados
tanto algoritmos de processamento de linguagem natural 4 que reconheçam
as palavras utilizadas nos discursos de ódio, segregacionistas,
xenófobos, etnocidas, etc., como também aportar dados a
algoritmos que trabalhem com detecção de imagens e vídeos que façam
idem referência, mantendo especial
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