01/07/2024 - tecnologia-e-inovacao

O impacto da Blockchain e da Inteligência Artificial na arte

Por maria raquel burgueno

O impacto da Blockchain e da Inteligência Artificial na arte

Tokenização da obra “O Beijo” do artista plástico Gustav Klimt exibido no Museu Belvedere

O IMPACTO DA INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL E A

TECNOLOGIA BLOCKCHAIN NA CULTURA E NA ARTE.

María Raquel Burgueño

BREVE INTRODUÇÃO:

O efeito “MALINOWSKI”:

Muitos se perguntarão como cheguei ao mundo das tecnologias. Quando

converso com outras pessoas que estão imersas em outros âmbitos

diferentes do notarial, a pergunta obrigatória que me fazem é: o que faz uma

escrevente falando de tecnologias? E é aí que eu respondo que tudo é

graças ao “efeito Malinowski”.

.

Muitos já ouviram falar do famoso etnógrafo e mestre da

Antropologia, Bronislaw Malinowski, que foi fundador da Antropologia

Social Britânica no início do século XX e que revolucionou os estudos

etnográficos da época com o desenvolvimento de uma metodologia renovada: o

trabalho de campo através da “OBSERVAÇÃO PARTICIPANTE”.

.

Aqueles que gostam das ciências sociais saberão que em

1914 Malinowski viajou para as Ilhas Trobriand e devido à declaração

da Primeira Guerra Mundial acabou vivendo nelas sem poder retornar à

Inglaterra de imediato. Isso lhe permitiu exercer sua profissão com um

olhar diferente e decidiu passar um tempo entre a população nativa dessas

ilhas, aprendendo seus costumes, sua maneira de se organizar, suas comidas e

até mesmo sua própria língua. Depois, ao voltar para a Inglaterra em 1922, Malinowski

publica sua obra-prima “Os argonautas do Pacífico Ocidental”

, onde

compartilha essas vivências e faz recomendações que fundam as bases da

antropologia moderna: seu método de observação participante.

Bronislaw Malinowski com os habitantes das Ilhas Trobriand.

Conto esta anedota colorida porque quando a pandemia chegou e o

confinamento foi inevitável, assim como Malinowski, fui morar nas ilhas

digitais da internet, embora já fosse uma hábil internauta por natureza e por

herança, e foi assim que fiquei "vivendo" com muitas tribos digitais e

informáticas e comecei a aprender seus costumes, a própria lógica desses

grupos e, acima de tudo, entendi, como boa aluna de Malinowski, que era

fundamental aprender também seu idioma. E assim começou minha história no

campo das tecnologias, como uma observadora participante, uma mente

curiosa que explorava em outros mundos a maneira de resolver os enigmas dos

ambientes digitais e da minha profissão. Depois nos reunimos com outras

mentes curiosas e assim formamos a Comissão de Inovação da nossa

escola onde todos saímos para explorar outros mundos para buscar inovações e

novidades e compartilhá-las com nossos amigos e colegas, e juntos, no estilo Walt Disney, “Caminhar rumo ao futuro”.

.

Neste mundo tão vertiginoso e em constante mudança, estamos na etapa de

validar novos paradigmas como o da digitalização, a virtualidade, as

experiências imersivas da web 3.0 etc., que, como tormenta caribenha às palmeiras,

abalroam nossos princípios, crenças, valores e premissas sob

os quais fomos criados na vida geral e em nossa profissão, em

particular. Thomas Kuhn soube antecipar que esses eventos não são lineares e

que culturalmente estamos atravessados por movimentos constantes de

avanço e retrocesso. O importante é tomar consciência disso e saber

oscilar nesse vaivém, tomando tudo como experiência e buscando

encontrar respostas que nos permitam continuar caminhando.

E assim então chegamos a entender como a tecnologia e a cultura estavam

intimamente conectadas entre si, fazendo os arabescos de uma dança onde

uma empurra a outra ao próximo movimento em nossa evolução

sociocultural.

Neste percurso, revisamos os conceitos de Cultura para entender os

fenômenos que ela atravessa e que por sua vez "nos atravessa" enquanto seres

humanos cada vez que Cultura e Tecnologia realizam sua dança fusionada.

NOÇÕES PRÉVIAS DE CULTURA

A cultura é o elemento que distingue a espécie humana de todas as

demais espécies. Na história da humanidade, a cultura começa quando

ocorrem na estrutura coletiva elementos como a linguagem, as

ferramentas, as instituições sociais e um sistema de valores com

conteúdo estético, moral e religioso. A aparição de "regras" ou "normas"

define claramente a divisão entre o que entendemos como cultura e

natureza.

A cultura abrange símbolos, significados, valores, instituições, comportamentos

e todos os seus derivados, que caracterizam uma população humana

identificando-a e distinguindo-a das demais. A palavra cultura leva

consigo seu próprio peso de associações em línguas e tradições diferentes.

As culturas possuem:

• Um sistema de valores significativos (que dão significado à

existência por completo) e normativos (que fornecem regras de

comportamento, uma cosmovisão da vida).

• uma base compartilhada (território comum, história, língua, raça ou

antepassados), que identifica as pessoas como membros de um grupo; e

• a vontade ou decisão de se identificar primeiramente como

membro dessa comunidade.

Esteban Krotz 1 expressa que enquanto a cultura humana tem muitos

milhares de anos, a análise científica da cultura, - isto é, seu estudo

sistemático, realizado por uma comunidade de especialistas que utilizam para isso

métodos, conceitos e teorias criadas para tal fim, tem apenas um século.

Krotz expõe cinco falácias sobre a noção de cultura que aqui

enunciaremos de maneira afirmativa.

1) Todos os seres humanos, por definição, têm cultura. Como se

disse no início: ter cultura, pertencer a uma cultura é a característica

principal da vida humana em comparação com todas as

demais formas de vida neste planeta.

2) Existe uma MULTIPLICIDADE CULTURAL, isto é, uma

quantidade enorme de culturas passadas e presentes. Essa

multiplicidade cultural não possui uma HIERARQUIA, não há como falar de

uma cultura melhor do que a outra, só podemos dizer que são

semelhantes ou diferentes.

3) Assim como há misturas biológicas e étnicas também podemos

falar de culturas mistas. É uma falácia pensar em culturas puras

frente aos processos de desculturalização e aculturação.

• 1 Professor-investigador Titular C de Tempo Integral na Unidade de Ciências Sociais do

Centro de Pesquisas Regionais “Dr. Hideyo Noguchi” da Universidade Autónoma de

Yucatán.

• Professor por Designação na Faculdade de Ciências Antropológicas da Universidade Autónoma

de Yucatán.

• Membro da Academia Mexicana de Ciências.

• Coordenador da Região Sul Sudeste do Conselho Mexicano de Ciências Sociais (Comecso, A.

C.)

• Diretor da Revista Sur do México.

• Sistema Nacional de Pesquisadores: Nível III.

• Doutor em Filosofia [Filosofia das ciências sociais] Hochschule für Philosophie, Munique.

4) Os museus, teatros e bibliotecas são apenas alguns dos

muchos lares da cultura. Na realidade, são lugares onde se

perpetua a ideia de cultura. A maior parte da vida cultural se

realiza, se conserva, se reproduz e se transforma fora deles.

5) O âmbito da criação e reprodução cultural é muito mais

amplo do que o das instituições estatais. Os Estados sempre tiveram

interesse em intervir na criação cultural e na

conservação do patrimônio cultural porque desta maneira

controlam e às vezes até mesmo criam um importante fator de coesão

social.

Como já foi dito antes, em todas as culturas e em todos os

tempos foram documentadas influências de umas culturas sobre outras. O

problema não reside na existência dessas influências, mas sim no fato de que se os

seres humanos pertencentes a uma cultura podem decidir livremente sobre

se querem aceitar tais influências e, em dado caso, quais e como. Poder

escolher entre alternativas pressupõe, claro, conhecer as alternativas e

reconhecer uma influência concreta como uma alternativa entre outras.

LA TECNOLOGIA COMO FENÔMENO CULTURAL:

Darcy Ribeiro2 define a EVOLUÇÃO SOCIOCULTURAL como o

movimento histórico de mudança de modos de ser e de viver dos grupos

2 Darcy Ribeiro (Montes Claros, Minas Gerais 26/10/1922. Brasília, 17/02/1997) foi

um intelectual e político brasileiro conhecido por seus trabalhos em educação, sociologia e

antropologia.

humanos, desencadeado pelo impacto de sucessivas revoluções

tecnológicas sobre sociedades concretas, tendendo a conduzi-las à

transição de uma etapa evolutiva a outra, ou de uma formação sociocultural a outra.

Um dos problemas centrais de entender a tecnologia como cultura e

como uma forma dela mesma, é reconhecer um nexo com a

sociedade que a produz, na medida em que ela é criação do processo histórico que

tem gestado e, por sua vez, ela produz novas transformações no mundo

que começa a se formar com sua influência.

Para a visão religiosa, a tecnologia se inscreve no "fazer" ou no

agir humano. Como tal deve estar subordinada ao "ser". Deve estar ao

serviço para o desenvolvimento do ser.

A cultura tecnológica é um meio que chegou às novas

culturas sociais onde as pessoas relacionam a tecnologia com suas

atitudes, valores, pensamentos, crenças e comportamentos, os

quais se refletem nas ações que realizam na vida cotidiana

e nos aspectos culturais.

TENSÕES QUE A CULTURA TECNOLÓGICA GERA:

Dentro dessas novas interações também se podem apreciar novas

situações de tensão no comportamento dos indivíduos e isso pode

se refletir na convivência social.

No que diz respeito ao mundo da arte, existem essas tensões que,

seguindo o pensamento de vários filósofos como o alemão Markus

Gabriel, o pesquisador do Conicet e Doutor em Ciências Sociais Hernán

Borisonik observa algumas delas que sintetizamos a seguir e

que nos permitem acoplar seu pensamento ao papel das tecnologias:

• O apagamento das fronteiras entre arte e design. A ruptura com

o paradigma de “arte acadêmica”.

• O conceito de peça “original” tornou-se virtualmente inatingível

frente à possibilidade imediata e infinita de copiar e fazer circular

qualquer imagem (O fenômeno dos NFTs – Tokens Não Fungíveis através da tecnologia Blockchain)

• Apagou-se a fronteira entre artistas e público. Todos nós produzimos

conteúdo e nos tornamos tanto sujeitos como objetos de

contemplação estética na cultura tecnológica.

• O conceito de obra perde a noção de materialidade e começa uma

nova etapa: O conceito de obra a partir do imaterial. A obra

representada através de código de software e algoritmos.

• As Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs), a

Internet das Coisas (IoT) e as tecnologias emergentes como a IA e

Blockchain alteraram a brecha entre produtor e consumidor

da cultura.

• Tudo o que circula na Internet, inclusive o conteúdo artístico, se

transforma em dado que é processado e transformado em informação

gerando o avanço do marketing analítico - digital devido ao uso do

Big Data e do Data Lake.

• A respeito disso, a chamada inteligência artificial nos toma

humanos como séries enormes de dados que podem ser captados,

compreendidos e até manipulados.

• Como resposta, na contemporaneidade, a representação

do humano está se delineando em outro sentido: não falaremos mais

sobre o que somos em geral, mas os algoritmos nos dirão o que

cada um de nós é em particular.3

Vamos então ver como funcionam brevemente algumas dessas tecnologias

para compreender melhor seu impacto no mundo da arte:

INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL – BREVE DESCRIÇÃO:

A Inteligência Artificial é considerada uma excelente ferramenta de

tecnologias combinadas que permitem automatizar tarefas do âmbito do

processo mental do ser humano em uma velocidade extraordinária

em relação à inteligência humana. Isso se deve à possibilidade de

manejar de maneira bem-sucedida o processamento de dados brutos que, após seu

tratamento, formam um “Dataset” com os quais o algoritmo é treinado –

3 HERNÁN BORISONIK. Variações sobre a representação na era digital

INPUT - de modo que possa encontrar a resposta às necessidades dos

seres humanos – TREINAMENTO - facilitando os cenários de

solução com mínima assistência humana - OUTPUT.

Para isso, o algoritmo requer os seguintes elementos:

- O acesso aos dados (DATASET) que serão a fonte de seu

treinamento (INPUT)

- O processo de aprendizagem e seleção (TREINAMENTO)

- O processo de validação

- A implementação no campo de domínio selecionado.

A Inteligência Artificial possui uma grande capacidade computacional para

gerenciar dados. Seria de extrema importância o desenvolvimento de um programa

que contasse com um processo de aprendizagem automatizado, rastreável e

transparente, qualificado como “Caixa Branca”, ou seja, que possuísse

explicabilidade e interpretabilidade em relação ao processo de aprendizagem.

Ao trabalhar com a aplicação de Inteligência Artificial, devemos ter em

conta:

• a) A necessidade ou problema a ser resolvido;

• b) Para quem aplicar o uso de IA;

• c) Pensar no usuário-chave que deve estar envolvido desde o início;

• d) A formação de uma equipe multidisciplinar;

• e) Que a IA aplicada resulte em uma situação que agregue valor e por

consequência melhore a vida das pessoas.

Por sua vez, o processo do projeto deverá respeitar os seguintes estágios:

Vamos usar como exemplo de aplicação o uso de um sistema de

IA para identificar discursos de ódio em matéria de proteção dos Direitos Humanos (DDHH).

• Treinamento: O processo de aprendizagem será realizado através

da entrada (INPUT) de dados. Utilizar-se-á 80% do total de dados

disponíveis (DATASET), reservando-se os 20% restantes para o

momento da validação. No caso em questão, podem ser utilizados

tanto algoritmos de processamento de linguagem natural 4 que reconheçam

as palavras utilizadas nos discursos de ódio, segregacionistas,

xenófobos, etnocidas, etc., como também aportar dados a

algoritmos que trabalhem com detecção de imagens e vídeos que façam

idem referência, mantendo especial

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maria raquel burgueno

maria raquel burgueno

Olá, sou María Raquel Burgueño. Completei o curso de Especialização em Direito Informático (UBA) e atualmente estou cursando a Especialização em Cibercrimes, Cibercrimes e Evidência Digital (UBA) e Cibersegurança Inteligente na UNS. Sou Mestranda na Escola de Economia e Negócios da UNSAM no Mestrado em Gestão e Design da Tecnologia e Inovação. Fiz cursos de Diplomatura em Gestão de Cibersegurança na UCEMA, Inteligência Artificial e Direito IALAB, Metaverso e Gaming IALAB, Blockchain e Smartcontracts (UCC), Fintech e Blockchain (ITBA), e programas de atualização e aperfeiçoamento em Dataprivacy, Infosec, História Clínica Digital, Criptomoedas e direito do consumidor. Atualmente, atuo como Professora Adjunta do Seminário de Novas Tecnologias e Notariado na Universidade do Salvador no Pós-título de Notariado e como Auxiliar Docente nas disciplinas de Novas Formas de Contratação Imobiliária e Empresa Familiar no CPO da UBA direito. Autora de várias obras colaborativas como Inovação e Inclusão Digital (Ed.Di Lalla), que também dirigi, como o capítulo de Empresa Familiar e Tokenização de Bens e Serviços, que corresponde à obra Blockchain e Direito Tomo IV (Ed. La Ley). Também colaborei com o Capítulo Como enfrentar e superar os desafios tecnológicos a serviço da pessoa humana na obra Ferramentas Digitais no ecossistema da Justiça (Ed. Visão Jurídica). Fui Presidente e Membro Fundadora da Comissão de Inovação e Tecnologias (Ano 2020-2023) e como Conselheira Titular do Conselho Diretivo do Colégio de Tabeliães da Cidade de Buenos Aires (2021-2023). E atualmente presido um coletivo digital formado por colegas que nos dedicamos a dar palestras conscientizando a cidadania sobre a segurança jurídica da informação, proteção de dados pessoais e uso responsável das tecnologias, especialmente em escolas primárias e secundárias.

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