Privado ou partilhado?
No "Segundo Tratado sobre o Governo Civil", John Locke lança uma das bases da teoria moderna da propriedade privada. Locke defende que a propriedade deriva do trabalho nela investido, ou seja, que os indivíduos têm direito a possuir o que produziram ou adquiriram através de trocas voluntárias. Um exemplo concreto do conceito de propriedade de John Locke pode ser aplicado à propriedade de uma árvore de fruto. De acordo com Locke, uma pessoa tem direito a possuir os frutos de uma árvore se tiver investido o seu trabalho e esforço no seu cuidado e cultivo. Neste caso, se alguém planta uma árvore de fruto, rega-a e cuida dela, tem o direito de possuir os frutos que ela produz. Esta ideia tem sido central para a conceção dapropriedade privada nas sociedades ocidentais e tem sido utilizada como justificação para a proteção jurídica da propriedade.
Por outro lado, o conceito de propriedade partilhada, promovido por The Network State, defende uma propriedade mais colectiva, em que um grupo de utilizadores tem acesso e controlo sobre um bem digital sem que seja necessário que um único indivíduo o detenha em exclusivo. Por exemplo, uma cooperativa de habitação. Numa cooperativa de habitação, um grupo de pessoas junta-se para adquirir e possuir uma propriedade em conjunto, cada um com uma parte proporcional da propriedade. Cada membro da cooperativa tem o direito de usar e usufruir da propriedade, mas não a possui individualmente. As decisões sobre a utilização e a gestão da propriedade são tomadas em comum, pelo que cada membro tem uma palavra a dizer na tomada de decisões. Esta ideia baseia-se na premissa de que os sistemas de propriedade partilhada podem ser mais justos e equitativos, onde o controlo e a tomada de decisões são distribuídos entre os membros de uma comunidade e não nas mãos de um indivíduo ou de uma empresa.
Embora estes dois conceitos pareçam estar em desacordo em termos de propriedade privada, ambos têm importantes pontos de contacto. Ambos reconhecem a importância do trabalho e do esforço na produção e aquisição de bens e a necessidade de proteger a propriedade de indivíduos ou grupos.
No entanto, a tecnologia blockchain abriu a possibilidade de criar sistemas híbridos que combinam elementos de ambas as doutrinas. Por exemplo, podem ser criados sistemas de propriedade partilhada em que os membros de uma comunidade têm direito à propriedade com base na quantidade de trabalho ou esforço que investiram na mesma, o que combina elementos da teoria de Locke com a propriedade partilhada do Estado da Rede.
No entanto, a implementação de tais sistemas de propriedade partilhada ou híbrida coloca desafios regulamentares e jurídicos. É necessário estabelecer quadros jurídicos que permitam e regulem a criação e a gestão destes bens partilhados, bem como garantir uma proteção adequada dos direitos dos utilizadores. É igualmente importante estabelecer mecanismos de resolução de conflitos e de proteção dos direitos de propriedade em caso de litígio ou de problemas técnicos.
Neste sentido, a lei deve evoluir para se adaptar a estes novos modelos de propriedade e garantir uma proteção adequada dos direitos dos utilizadores.
Em conclusão, a tecnologia da cadeia de blocos está a mudar a forma como entendemos a propriedade privada e a oferecer novas possibilidades para a criação de sistemas mais justos e equitativos. As doutrinas lockeana e do Estado-rede oferecem perspectivas diferentes sobre a propriedade, mas ambas reconhecem a sua importância e a necessidade de a proteger. A tecnologia da cadeia de blocos permite a criação de sistemas híbridos que combinam elementos de ambas as doutrinas para criar sistemas mais justos e equitativos. No entanto, é necessário enfrentar os desafios regulamentares e jurídicos para garantir uma proteção adequada dos direitos dos utilizadores e estabelecer quadros jurídicos que permitam e regulem estes novos modelos de propriedade.
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